O globo, n. 31343, 31/05/2019. País, p. 4

 

Entrevista - Nelson Jobim: 'Não basta só um entendimento de poderes'

Nelson Jobim

Henrique Gomes Batista

Thiago Herdy

31/05/2019

 

 

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e integrante da alta cúpula dos governos Fernando Henrique e Lula, o hoje consultor e advogado Nelson Jobim diz que o pacto firmado pelo presidente Jair Bolsonaro com os chefes dos outros dois Poderes da República não é suficiente para garantir o crescimento do país. Segundo ele, acordos em torno de temas legislativos não costumam dar resultado, e o governo precisa mostrar que está disposto a construir diálogos.

Qual é a sua leitura sobre o pacto entre Poderes?

Não basta só um entendimento entre os Poderes. Precisa ter alguma coisa que vincule também a sociedade (no pacto), o setor produtivo, o laboral numa agenda mínima do crescimento. Qual é a solução que pode ter em cima de (acordo entre os) Poderes? Sabemos que acordo legislativo não resolve tudo. Crescimento se dá com uma série de variáveis que não têm nada a ver com o problema legislativo em si.

E quais as condições desse diálogo?

Tem que ser com quem está aí. Primeiro, porque em política você não escolhe o interlocutor. É o que está na mesa. A agenda do crescimento vai além do que está na reforma da Previdência. Muito além. A reforma vai te dar uma notícia futura de que em determinado momento do tempo você vai resolver o problema fiscal, que é o nosso grande problema. A inflação ficou resolvida, o país está bem em relação à conta corrente de negócios externos, tem uma boa reserva. O nosso problema é fiscal. Mas se você não enfrentar de forma igual o problema da infraestrutura, por exemplo, e criar condições de que a economia se mexa, para reduzir o desemprego, nós vamos ter um problema. Porque as pessoas aguentam desemprego até um determinado limite.

O senhor vê semelhança da atual situação política com algum outro período?

Nós tivemos crises políticas na época do suicídio do Getúlio, tivemos a crise política do Parlamentarismo. Mas tudo foi resolvido pela política. O próprio regime militar acabou pela política.

É isso que se procura hoje?

Quando você fala em diálogo, significa não ter afirmações de suas posições exclusivas. Ainda estamos naquela fase de afirmação de individualidade. Esse diálogo não deve ser produto de um personagem, e sim das instituições. A grande característica da política é impessoalidade. Se você fulanizou, deu problema.

Quem poderia levar isso aos poderes?

Aí eu não sei. Tem que começar a surgir isso. Esse negócio de você fazer um movimento popular de um lado, movimento popular do outro, só acirra uma variável nova da política brasileira que é o ódio.

Esse pacto entre poderes pode ser entendido como início desse diálogo?

Pode ser. Se isso for bem administrado, se não for apenas algo formal feito em decorrência dos movimentos de domingo. Veja, nós não estamos em crise institucional. É uma crise política. As instituições estão funcionando.