Valor econômico, v.19, n.4560, 03/08/2018. Brasil, p. A2

 

Com cortes de verba, Capes alerta MEC que bolsas seriam suspensas em um ano

Luísa Martins

03/08/2018

 

 

Um ofício enviado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) ao Ministério da Educação (MEC) movimentou ontem o ambiente acadêmico ao acender um alerta para um possível "apagão da pesquisa" no país. O documento avisa que os cortes orçamentários em 2019, da maneira como estão hoje previstos, levariam ao cancelamento, em agosto do ano que vem, de todas as bolsas de pós-graduação e outros programas da entidade, o que a atingiria mais de 440 mil beneficiados no país, entre professores e alunos, se somados todos os programas atingidos.

De acordo com o ofício, a verba prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) permite o pagamento de programas só até agosto de 2019. Sem recursos, serão suspensos nessa data mais de 93 mil bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, além de 105 mil relacionadas ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), ao Programa de Residência Pedagógica e ao Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor).

Também deve ser interrompido, segundo a Capes, o funcionamento do Sistema Universidade Aberta (UAB) e dos mestrados profissionais destinados a docentes da educação básica, afetando mais de 245 mil beneficiados (professores e alunos).

"Caso seja mantido esse teto, os impactos serão graves para os programas de fomento da agência", diz o ofício datado de 1º de agosto. A Capes é um dos órgãos públicos responsáveis pelo fomento de pesquisas no Brasil.

Já o Conselho Superior da Capes é composto por representantes do governo e de entidades empresariais e acadêmicas, presidido por Abílio Baeta Neves - também presidente da própria Capes - que assina o documento e pede uma "ação urgente" do MEC "em defesa do orçamento" da instituição. Em termos de cooperação internacional, Baeta afirma que os cortes afetam todos os programas de fomento da Capes no exterior, o que poderá "prejudicar a imagem do Brasil" no exterior.

No fim da noite de ontem, o termo Capes estava entre os mais comentados no Twitter, sendo usado também pelos pré-candidatos à Presidência para atacar a gestão de Michel Temer.

O conselho observou que houve um "processo exitoso" do MEC em manter como piso orçamentário, para 2019, os valores deste ano ajustados pela inflação. No entanto, segundo o ofício, o teto fixado para o próximo ano pode causar "impactos graves" nos programas de fomento da coordenação. O governo tem até 31 de agosto para enviar a proposta de orçamento de 2019.

Em nota conjunta divulgada à noite, os ministérios do Planejamento e da Educação informaram que o MEC tem para este ano R$ 23,6 bilhões para despesas discricionárias. Restrições fiscais para 2019 fazem com que esse valor seja de R$ 20,8 bilhões. Segundo a nota, "o limite foi repassado proporcionalmente para a Capes".

O ministro da Educação, Rossieli Silva, disse ao Valor que está trabalhando para "reverter" a possibilidade de corte no orçamento da Capes causar uma suspensão no pagamento das bolsas. Segundo ele, haverá uma reunião hoje, no Ministério do Planejamento, para debater o tema.

"Com o limite de R$ 2,9 bilhões para os gastos discricionários do MEC, muitas áreas acabam sendo atingidas", disse ele. Os gastos discricionários incluem não só a Capes, mas também o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), por exemplo. "Acredito que o MEC ainda vá conseguir avançar nessa negociação."

De acordo com outra fonte do MEC, ouvida reservadamente pelo Valor, a pasta teve um aumento, nos últimos cinco anos, de gastos considerados obrigatórios, fruto da expansão das universidades e institutos federais - só a folha de pagamento aumentou em 100 mil servidores. A partir daí, diz a fonte, "a lógica é matemática": se o orçamento se mantém inalterado de um ano para outro e os gastos obrigatórios ficam maiores, sobra menos para os programas discricionários, como é o caso da Capes.

O Ministério do Planejamento, informou que estabelece, para cada pasta, limites totais para a confecção do Projeto de Lei Orçamentária - ou seja, cabe ao próprio MEC "a responsabilidade de definir a distribuição dos recursos entre suas unidades, respeitando suas estratégias de ação".

"Os recursos para o MEC estão acima do mínimo constitucional em 2018 e os referenciais monetários para 2019 também preveem recursos acima do limite constitucional. Não podemos desconhecer que o país vive grave crise fiscal. Ela afeta todo o governo, inclusive o MEC. Cabe ao ministro distribuir os recursos segundo suas prioridades", informa nota do Ministério do Planejamento. (Colaboraram Ana Conceição e Hugo Passarelli, de São Paulo)