IDEOLOGIA, MAS COM ARTICULAÇÃO.

Correio braziliense, n. 20411 , 09/04/2019. Política, p.2

RODOLFO COSTA
MARINA TORRES

 

 

O presidente Jair Bolsonaro colocou a “aliança” na gaveta e encerrou a participação de Ricardo Vélez Rodríguez no Ministério da Educação. A analogia do casamento — utilizada pelo próprio chefe do Executivo na última sexta-feira — era o tom do anúncio esperado para ontem, quando postou no Twitter a saída do educador e a escolha do novo ministro da pasta, Abraham Weintraub. É a segunda substituição feita no governo, depois que o advogado Gustavo Bebianno saiu da Secretaria-Geral da Presidência, e o general Floriano Peixoto entrou.

A saída de Vélez era tratada como certa no governo e no Congresso. Motivos não faltaram. Considerada uma das pastas mais importantes de todo o governo, o Ministério da Educação esteve mergulhado em brigas internas e decisões polêmicas adotadas pelo agora ex-ministro. As mais recentes foram as que culminaram na demissão, quando o educador decidiu vetar uma prova que avaliaria a alfabetização de crianças e disse que promoveria alterações no conteúdo de livros didáticos para mudar a forma como o golpe militar de 1964 é ensinado (veja quadro).

Tantas polêmicas em tão pouco tempo tornaram a situação insustentável. Do plano de 100 dias de governo, o Ministério de Educação ficou encarregado de lançar um programa nacional de definição de soluções didáticas e pedagógicas para a alfabetização, com a proposição de método para redução do analfabetismo. Na Esplanada, a crítica é de que nada disso avançou. Pelo contrário. Se tecnicamente Vélez deixou a desejar, politicamente foi ainda pior.

O trato do educador com os parlamentares era alvo de muitas críticas. É normal que deputados e senadores tentem agendar reuniões com ministros de Estado para apresentar demandas, sejam sugestões ou reclamações. A avaliação feita no Parlamento é de que o ex-ministro escolhia a dedo os congressistas com ideologia política semelhante, e negligenciava o atendimento a quem tinha menos afinidade. Deu errado. Nas últimas semanas, o governo foi bombardeado com reclamações feitas por parlamentares sobre a conduta dele.


A comunicação era o principal alvo de reclamação. “Pelo menos o novo ministro fala português e entende o Parlamento”, resumiu o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO). Colombiano, Vélez tinha dificuldade no idioma brasileiro e não se articulava bem com as demandas parlamentares para a educação, pondera. A pouca acessibilidade com o Congresso também é criticada pelo líder do PSC na Câmara, André Ferreira (PE). “É ruim quando tem um ministro que não é acessível. Tudo o que um líder quer é ser recebido com sua bancada para expor problemas e sugerir mudanças nos estados”, destacou.

O problema da falta de atendimento parece, por ora, resolvido. Até ontem, Weintraub era secretário executivo da Casa Civil, pasta responsável por lidar com a articulação política entre o governo e o Parlamento. Pessoas que trabalharam com ele na pasta avaliam que, com três meses à frente da função, ele adquiriu bagagem suficiente para se portar no trato com parlamentares. A análise é partilhada por Nelto e Ferreira.


Na Casa Civil, a leitura é de que o Ministério da Educação também ganha em aspectos técnicos. Weintraub é alguém com bagagem na vida acadêmica e que representa uma linha de capacitação e qualificação técnica para propor as diretrizes de uma gestão que permita reitores e educadores terem as ferramentas da área docente. O perfil dele, dizem, segue o caminho da pacificação, mas com discurso ideológico colado com o do presidente. O novo ministro é um combatente do “marxismo cultural” (veja perfil), porém, adota uma postura discreta. “Não é o jeito do Abraham. A polêmica não ajuda muito na construção do debate com diálogo”, ponderou um interlocutor.

Criticamente

Embora seja uma escolha elogiada, a opção por Weintraub é avaliada criticamente por alguns parlamentares. A leitura é de que Bolsonaro perdeu a chance de ter indicado um congressista. Ainda que a opção fosse técnica, entendem que o presidente da República poderia ter optado por alguém ligado ao Legislativo, mediante consulta aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e a lideranças partidárias. “Poderia ser uma estratégia para segurar votos e começar a construir a base governista”, justificou um líder.

A cerimônia de posse de Weintraub está prevista para ocorrer às 14h de hoje, no Palácio do Planalto. No Twitter, Vélez evitou criar polêmica e agradeceu a oportunidade a Bolsonaro. “Confio em sua decisão e me despeço desejando ao professor Abraham Weintraub sucesso no cumprimento de sua missão”, declarou. Na mesma rede social, Bolsonaro enalteceu o novo ministro e agradeceu ao anterior. “Abraham possui ampla experiência em gestão e o conhecimento necessário para a pasta. Aproveito para agradecer ao professor Vélez pelos serviços prestados”, disse.

Docentes e analistas políticos avaliam como acertada a troca na pasta. Para o professor Ricardo Gomes, do Departamento de Políticas Públicas da Universidade de Brasília (UnB), a mudança pode trazer impacto positivo. “Vai melhorar se o ministro se preocupar em sentar com a equipe e articular um plano governamental. Quanto mais depressa ele fizer isso e se preocupar em nomear os cargos que faltam, resolver a questão da educação básica, do ensino técnico e as questões de acessibilidade e inclusão, melhor”, analisou.

* Estagiária sob a supervisão de Leonardo Meireles

 

 

Analise da notícia

 

A vitória dos olavetes

LEONARDO CAVALCANTI

 

Há duas conclusões possíveis para a demissão de Ricardo Vélez e a ida de Abrahan Weintraub para o Ministério da Educação. A primeira é de que o presidente Jair Bolsonaro perdeu o discurso de que escolheu o melhor time para a Esplanada. É, esse não dá mais para usar. O filósofo colombiano foi defenestrado do cargo por incompetência. Pelo menos é o que se pode avaliar das palavras do próprio capitão reformado, ditas na última sexta-feira a jornalistas. “Está bastante claro que não está dando certo. Ele (Vélez) é bacana e honesto, mas está faltando gestão, que é uma coisa importantíssima.” Incompetência pode até combinar com alguém bacana, mas nunca com ausência da capacidade de gestão.

A segunda conclusão é a de que o escritor Olavo de Carvalho continua mostrando força na Esplanada, mesmo depois de xingar militares, como o vice-presidente Hamilton Mourão. Mais um dos olavetes, Abraham pode significar a continuidade de um palanque que deveria ser esquecido pelo Planalto; afinal, a eleição acabou há mais de cinco meses. A insistência de expurgar o “marxismo cultural” nas universidades ou defender “xingamentos” para ganhar debates com “comunistas” dá uma ideia que o blá-blá-blá pode continuar na Educação, faltando a tal gestão — “coisa importantíssima” para Bolsonaro.

Perfil

 

Especialista em economia

O novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, está com Bolsonaro desde a transição. O bom relacionamento com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o conhecimento em Previdência, o alçou como fiador econômico da reforma na pasta e ao posto de secretário-executivo. Economista, trabalhou 18 anos no Banco Votorantim, onde foi de office boy a economista-chefe e diretor.

Tem carreira na vida acadêmica desde 1994, na área de ciências sociais aplicadas. Chamado primeiramente de doutor pelo presidente Jair Bolsonaro no Twitter, ele, na verdade, é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo (USP) e tem mestrado em administração pela Fundação Getulio Vargas. Desde 2014, atua como professor na Unifesp, onde já fez parte do Comitê de Contábeis. Ele tem quatro artigos publicados sobre processo inflacionário e fundo de pensão. Também é fundador do Centro de Estudos em Seguridade (CES), um instituto que tem o objetivo de desenvolver pesquisas na área de Seguridade.

As críticas à esquerda e o alinhamento com as bases ideológicas de Bolsonaro também se fazem presentes na carreira de Abraham Weintraub. No ano passado, em palestra para a Cúpula Conservadora das Américas (com apoio do CES), ele abriu o discurso afirmando que contaria sua experiência em aplicar as teorias de Olavo de Carvalho e ressaltou uma necessidade de acabar com o “marxismo cultural” nas universidades. O relacionamento dele no governo foi construído no diálogo com Lorenzoni, quando se conheceram em seminário internacional sobre Previdência, realizado no Congresso, em março de 2017. Então deputado, o ministro entusiasmou-se com as ideias dele e do irmão, Arthur. (MT*)

Controvérsias

Sob a gestão do agora ex-ministro Ricardo Vélez, o Ministério da Educação acumulou mais polêmicas do que resultados. Veja:

» Portas fechadas: Em janeiro, o ministro afirmou que a universidade não é para todos.

» Disputa: o clima no MEC era de acirramento entre alunos e seguidores próximos ao escritor Olavo de Carvalho e membros do quadro técnico ou ligado a militares.

» Demissões: Vélez demitiu o então primeiro secretário executivo da pasta, Luiz Antonio Tozi, em decorrência dos conflitos internos. O substituto seria Rubens Barreto da Silva, que sequer tomou posse. Veio, então, Iolene Lima, que também deixou o ministério se queixando de um “quadro bastante confuso na pasta”. O ministro demitiu também o presidente do Inep.

» Expurgo: A guerra interna acabou minando o poder de “olavistas” na pasta. O antigo assessor especial Silvio Grimaldo denunciou um “expurgo” de alunos de Olavo de Carvalho. O próprio escritor chegou a sugerir que alunos que ocupassem cargos no governo a abandoná-los o mais cedo possível.

» Hino: O MEC mandou carta pedindo que as escolas filmassem alunos cantando o Hino Nacional e enviassem o vídeo ao ministério. Voltou atrás na decisão.

» Canibal: Vélez disse, em entrevista, que o brasileiro parece “canibal” quando viaja ao exterior. Posteriormente, fez um pedido de desculpas e declarou amor ao Brasil pela “infeliz” declaração.

» Idas e vindas: A pasta, que tinha como meta lançar um programa nacional de alfabetização, publicou em março portaria vetando uma prova que avaliaria a alfabetização de crianças, parte do Saeb. O exame seria aplicado somente em 2021. Criada a polêmica, o ministério recuou e revogou a portaria.

» Repaginada: O ministro disse que faria alterações ao conteúdo didático de livros para revisar a forma como a ditadura militar e o golpe de 1964 são ensinados.