Valor econômico, v.19 , n.4564 , 09/08/2018. Opinião, p. A13

 

O Brasil quer mais comércio global 

Daniel Feffer

09/08/2018

 

 

É bom ver o debate econômico no Brasil começar a incluir o aumento de nossa participação no comércio global como algo fundamental. Não há tema tão urgente em economia e ao mesmo tempo tão usualmente negligenciado em nosso país.

O elevado risco de guerra comercial hoje no mundo se apresenta como um desafio, mas convida o país a uma decisão estratégica: colocar-se ao lado dos que querem a economia global mais aberta. Em sua atividade diplomática, registre-se, o país continua em linha com sua tradição de apoiar o sistema multilateral de comércio sob a égide da OMC. União Europeia, Japão, Coreia do Sul e a maioria dos países em desenvolvimento têm acompanhado a posição brasileira.

Na prática comercial, contudo, o Brasil tem muito o que avançar. Com apenas 1% de todas as trocas internacionais, o país exerce papel coadjuvante no comércio mundial. Baixa produtividade e pequena capacidade de competir resultam de tal isolamento. Inserir-se na economia global é precondição à verdadeira competitividade.

(...)

Promover conquistas sociais ao longo do tempo, o que responderia à justa expectativa dos brasileiros, passa obrigatoriamente pela expansão da riqueza que um aumento de importações e exportações é capaz de trazer. O potencial do comércio em propiciar ganhos de produtividade e de prosperidade compartilhada pode converter-se na principal política social do próximo governo.

A trajetória de ascensão econômica de alguns países em décadas recentes oferece excelente referência. Nações com vantagens competitivas, tamanhos territoriais ou perfis populacionais tão distintos como Chile, México ou Coreia do Sul adotaram diferentes estratégias de aumento do fluxo de comércio e colheram frutos evidentes. Partiram de níveis de participação do comércio exterior no Produto Interno Bruto não muito diferentes do Brasil de hoje, que é de 24% do PIB, e chegaram a índices de 55%, 77% e 80%, respectivamente. No processo, observaram não somente um aumento direto no nível de produtividade, mas também uma melhora transformadora nos indicadores de desenvolvimento humano.

Conceitos como "substituição de importações" ou "exportar é o que importa" tiveram sua validade histórica, mas a economia global evoluiu. Ganha força a ideia clássica de que a riqueza resulta do fluxo, como já ensinava Adam Smith. Ainda não construímos uma estratégia de inserção internacional. Na realidade, o fluxo é o que importa - e exporta.

Ao longo de toda nossa história, raramente tivemos mais do que 25% do PIB resultante da soma de importações e exportações. Na média, os países integrantes da OCDE têm 55% de seu PIB associados ao comércio exterior. É uma boa referência para mirarmos, diante da diversidade de perfis sociais e econômicos representados na organização. E uma boa chance para aprendermos com acertos e erros de outros países - inclusive no que diz respeito à competitividade e ao ritmo para a inserção internacional.

Importante, nesse contexto, ressaltar que as agendas de abertura e de reformas internas devem andar juntas, pois uma fortalece a outra.

O Brasil precisa ampliar sua participação em acordos comerciais. A entrada do Brasil como observador no Acordo de Compras Públicas da OMC e o protagonismo do país na proposição de um tratado para facilitação de investimentos indicam um novo momento em nossa política de comércio exterior. É fundamental promover o salto da indústria brasileira diretamente para o modelo 4.0. Não basta fazer a abertura se nossas indústrias não forem capazes de exportar produtos de alto valor agregado. A "manufatura avançada" é o passaporte para redes de valor mais sofisticadas.

Igualmente essencial é abraçar a revolução do comércio eletrônico. Tais inovações serão decisivas para reduzir distâncias geográficas e culturais que contribuem para nosso isolamento. Novas plataformas digitais têm o potencial não apenas de capacitar PMEs (pequenas e médias empresas) a ingressar no jogo do comércio, mas também ampliar a visibilidade de seus produtos em outros mercados.

Contudo, uma política completa exige enfrentamento de gargalos. São todos conhecidos: infraestrutura pobre; baixa taxa de investimento; sistema tributário confuso e punitivo; alto custo de capital; barreiras não-tributárias e invisíveis para empresas não-especializadas.

É preciso também modernizar as aduanas e implementar com vigor o Acordo de Facilitação de Comércio (concluído na OMC e de que o Brasil faz parte), utilizando tecnologias como o blockchain para eliminar a burocracia que tanto onera as empresas e empreendedores.

Eliminar ou diminuir barreiras tarifárias não resolve por completo os grandes desafios da economia brasileira, mas representa um salto fundamental para nosso desenvolvimento econômico. É mais do que apenas enxergar o problema pela ótica das barreiras que exportadores enfrentam - e que podem ser amenizadas ou extintas mediante acordos comerciais. Trata-se também de reduzir obstáculos que impedem importações necessárias ao fortalecimento de cadeias produtivas inteiras no Brasil, onde há menor acesso a tecnologias e insumos disponíveis a competidores ao redor do mundo.

Espera-se que a agenda de governo dos principais candidatos às eleições de outubro, ora em formação e consolidação, apresente uma visão clara e um conjunto exequível de propostas no campo do comércio internacional.

O assunto a todos interessa - empresas grandes ou pequenas, trabalhadores, consumidores. A rota para elevar a participação do comércio exterior no PIB brasileiro compreende ampla mobilização da sociedade brasileira, incluindo governo, empresas, entidades de representação e academia. Um trabalho de longo prazo, com metas estabelecidas e objetivos claros.

Por sua natureza estratégica, a abertura deve ser construída de maneira coordenada e como resultado de um fórum de trabalho de alto nível, que esteja organizado e atuante desde os primeiros dias da transição para o próximo mandato presidencial, comprometido em construir uma proposta arrojada de abertura econômica para o país.

É vital que essa proposta se transforme em programa de governo. Instituições com experiência internacional a compartilhar como a ICC têm a responsabilidade de contribuir para o debate com conteúdo e cases. Uma boa rota para o início dos trabalhos é começar pelo acesso a insumos no mercado internacional, o que traria de imediato um amplo benefício à competitividade de toda a comunidade produtiva brasileira.

O Brasil quer mais no comércio internacional. Precisamos de um plano realista, desenvolvido e implantado desde o começo de um novo ciclo.