Valor econômico, v.19, n.4562, 07/08/2018. Especial, p. A12

 

Acordo de paz eleva desmate na Colômbia

Daniela Chiaretti

07/08/2018

 

 

O processo de paz colombiano teve forte impacto nas florestas do país. Os dados mais recentes indicam que a tendência do desmatamento na Colômbia está em alta, fenômeno que se verifica desde a assinatura dos acordos de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, no fim de 2016. Na Amazônia colombiana, o desmatamento dobrou em 2017 em relação a 2016. É o pior desempenho dos últimos seis anos.

Em 2016, o desmate já havia dado um salto de 40% em relação a 2015. Foi assim em outros países com florestas e que viveram conflitos, como Nicarágua, República do Congo ou El Salvador. "Está comprovado que, depois de terminado o processo de paz, o desmatamento cresce", diz uma fonte do governo, que prefere não se identificar.

As Farc ocupavam os bosques colombianos para se esconder, e assim, indiretamente, os preservaram. "É preciso relativizar esta afirmação. As Farc usaram algumas áreas de floresta para se abrigar, é verdade, mas derrubaram outras para cultivos ilícitos", continua.

As florestas ocupam mais da metade da Colômbia - 52% do território. Em 2017 foram ao chão quase 220 mil hectares de cobertura florestal, comparados aos 178,5 mil hectares de 2016. Foi um crescimento de 23%. Na Amazônia colombiana, o desmatamento foi de 70 mil hectares em 2016, mas dobrou no ano passado, chegando a mais de 144 mil hectares, segundo dados do Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam), ligado ao Ministério de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Mads).

"O desmatamento acontece nos vazios de poder do território", diz José Julián Gonzalez, técnico do Ideam. São os "baldios" colombianos, terras que não são propriedade privada e pertencem ao Estado, mas que não têm destino e são ocupadas por quem chegar primeiro. É um processo parecido ao que acontece na Amazônia brasileira, nas terras públicas sem destinação - o Estado não indica se ali é unidade de conservação, terra indígena, território quilombola ou o que for, e a área se torna alvo para a ilegalidade e o desmatamento.

Na Colômbia os vetores do desmatamento são a apropriação ilegal de terra, a ampliação da fronteira agropecuária com a conversão de bosques em pastos, a proliferação dos cultivos ilícitos (indígenas usam folhas de coca em práticas tradicionais e medicinais, cultivo considerado lícito), a mineração ilegal de ouro e coltan, uma mistura dos minerais colombita e tantalita, sendo que o tântalo, extraído da tantalita, é usado em eletrônicos como celulares. Há ainda os incêndios florestais e os planos de obras de infraestrutura.

"Até 2016 o governo tinha controle sobre metade do território nacional. Agora abriu-se a fronteira da outra metade que temos que governar também, explorar, levar institucionalidade", diz Gonzalez. "Temos que enfrentar os atores que se apropriam ilegalmente das terras livres. Para eles, as florestas são obstáculo. Só querem a terra."

O acordo de paz com as Farc foi assinado em novembro de 2016, depois de 53 anos de conflito. Deixou 220 mil mortos e 60 mil desaparecidos nos choques entre forças do governo, traficantes, guerrilheiros e paramilitares.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, (Acnur), a Colômbia tem o maior número de deslocados internos do mundo. As estimativas são de 7,7 milhões de colombianos desalojados no período. A agência da ONU diz que, depois dos acordos de paz, algumas regiões do país estão sem proteção, o que explicaria o deslocamento de mais de 91 mil pessoas em 2017.

O tema é sensível para os colombianos, que preferem o termo "pós-acordo" para definir este período a "pós-conflito", porque a violência continua. "Há uma mudança total na dinâmica de ocupação das florestas com a saída das Farc", diz Adriana Lagos, coordenadora da Estratégia Integral de Controle do Desmatamento e gestão das florestas do Mads. "Chegam outros atores que querem ocupar a terra. O pós-acordo deixa a conservação de bosques na Colômbia em situação muito frágil."

A gravidade do assunto foi tema de campanha dos dois candidatos à Presidência que chegaram ao segundo turno, tanto do conservador Iván Duque Márquez, que ganhou o pleito e assume hoje, como do esquerdista Gustavo Petro. Ambos prometiam ações para enfrentar e controlar o desmatamento.

Está em curso uma estratégia que foi amadurecida durante oito anos e lançada recentemente, chamada "Bosques Território de Vida". O plano, que tem apoio de vários órgãos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e o Banco Mundial, entre outros, procura frear a tendência de alta do desmatamento estimulando o ecoturismo, a pesquisa e a exploração econômica sustentável dos produtos da floresta.

Iván Duque irá nomear o geólogo Ricardo José Lozano como ministro de Meio Ambiente, um nome bem recebido por cientistas e ambientalistas. Ele é ex-diretor do Ideam.

Em junho os Estados Unidos divulgaram estatísticas apontando que a área de cultivo de cocaína aumentou 11% em 2017 na Colômbia, chegando a 209 mil hectares. A cifra fez o então presidente Santos anunciar o retorno da fumigação de plantações com agrotóxicos, mas usando drones e não aviões. A nova tecnologia seria mais precisa e menos danosa ao ambiente. Duque estaria inclinado a adotar o método. "Mas o protocolo diz que, se houver algum grupo indígena perto da área, ele terá que ser previamente consultado", diz uma fonte do governo.