Valor econômico, v.19, n.4569, 16/08/2018. Brasil, p. A2

 

Repasse para organizações civis desaba em 2016/17

Ana Conceição

16/08/2018

 

 

A crise econômica e um novo marco regulatório fizeram com que as transferências da União para organizações da sociedade civil (OSCs) despencassem no biênio 2016/2017, na comparação com a média registrada entre 2010 e 2015, de R$ 11 bilhões. Em 2016, o recuo foi de 82%, para R$ 2 bilhões. No ano seguinte, houve uma recuperação, para R$ 6,3 bilhões, mas que ainda assim representa uma queda de 45% em relação aos anos anteriores.

Como também houve recuo do investimento privado nos últimos anos, formou-se um cenário difícil para essas entidades sem fins lucrativos, que executam projetos de interesse público com atuação em várias áreas, de saúde e educação a esporte e direitos de minorias.

Os dados sobre os repasses da União são fruto de um levantamento inédito feito pelo Mapa das Organizações da Sociedade Civil, sob gestão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e estão no livro "Perfil das Organizações da Sociedade Civil no Brasil", que será lançado em São Paulo hoje.

Além da queda no repasse de recursos, o número de entidades beneficiadas diminuiu de cerca de 13 mil para 6 mil de 2010 para 2017. Elas são minoria. Há 820 mil atuando no país (99 mil organizações religiosas).

"O ajuste fiscal e a nova lei são as duas variáveis que explicam a queda das transferências", diz Félix Garcia Lopez Junior, pesquisador do Ipea e responsável pela publicação. Desde 2016, as OSCs têm um marco regulatório, a Lei 13.204, que exige maior transparência na prestação de contas e comprovação de resultados das ações financiadas pelo poder público.

Para Lopez Jr., a regulamentação da lei gerou muitas incertezas, o que pode ter contribuído para a queda nos repasses. Ele observa que o recuo foi menos expressivo nas áreas onde os serviços são essenciais, como saúde. As organizações do setor receberam R$ 3,6 bilhões do total de R$ 6,3 bilhões transferidos em 2017. Para outras áreas, como defesa de direitos da minoria, nem sequer houve repasses.

No setor privado, os recursos caíram de R$ 3,5 bilhões em 2014 para R$ 2,9 bilhões em 2016, último dado disponível. "A queda foi provocada pela crise econômica", afirma Aline Viotto, coordenadora de advocacy do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife).

Para ela, os recursos públicos são importantes, mas insuficientes. Neste sentido, diz, as entidades têm defendido mudanças na tributação sobre doações que beneficiem as OSCs. De um grupo de 75 países, além de Brasil, somente Coreia do Sul e Croácia taxam doações para entidades sem fins lucrativos.