Valor econômico, v.19, n.4569, 16/08/2018. Finanças, p. C1

 

Estrangeiros mantêm mais de US$ 38 bi para enfrentar eleição

Angela Bittencourt

16/08/2018

 

 

Há 46 pregões consecutivos, investidores estrangeiros mantêm mais de US$ 30 bilhões aplicados em instrumentos cambiais negociados no segmento de derivativos (BM&F) da B3. Estão "comprados" em contratos de dólar futuro e cupom cambial. Acreditam, portanto, que a tendência do preço do dólar é de alta. Desde a primeira semana de junho, a posição total desses investidores só cresce. Na segunda-feira, alcançou US$ 38,233 bilhões, aproximando-se do recorde absoluto - de US$ 38,856 bilhões - registrado em 28 de maio de 2015 e que poderá ser ultrapassado ainda nesta semana.

A escalada dessas aplicações pode significar uma simples aposta no fortalecimento do dólar em relação ao real ou um hedge para outras aplicações financeiras feitas no Brasil - uma espécie de seguro para compensar ao menos parcialmente eventuais perdas em outras operações.

    Os estrangeiros atuam na BM&F - especificamente em câmbio - desde a década de 1990 e, ao longo do tempo, o seu posicionamento (na ponta de compra ou na ponta de venda) tornou-se revelador sobre os cenários econômico e político do país.

    Não é exagero supor que os investidores estrangeiros percebem o Brasil, hoje, à beira do desconhecido. Em 2015, quando o mercado levou as posições "compradas" em câmbio ao nível recorde, também era essa percepção dos investidores.

    Contudo, há uma relevante diferença a considerar entre os dois momentos: em 2015, não só o mercado financeiro, mas a sociedade brasileira assistia ao desmonte de um governo recém-empossado com a reeleição de Dilma Rousseff ao segundo mandato e que acabou com dois anos de antecedência, interrompido pelo "impeachment" da então presidente. Neste 2018, o Brasil caminha para um governo que vai se impor, a partir do resultado das eleições de outubro. A contagem regressiva para o pleito já começou, os principais candidatos à presidência da República estão escalados, mas poucos se arriscam a avaliar ou descrever que Brasil sairá das urnas.

    Dois instrumentos cambiais estão à disposição de investidores na bolsa brasileira: contratos de dólar para liquidação futura e contratos de cupom cambial. Os investidores estrangeiros revelam preferência crescente pelo cupom - um ativo equivalente à taxa de juro em dólares no Brasil. Calculado a partir da diferença entre a taxa Selic e a desvalorização do real ante o dólar, o cupom cambial representa, para o investidor estrangeiro, a remuneração em reais que ele vai receber pelos dólares aplicados no Brasil.

    Em maio de 2015, quando as posições em aberto dos estrangeiros em derivativos cambiais chegou à marca histórica - agora ameaçada -, para cada contrato de dólar futuro sequer existiam dois contratos de cupom cambial. No início desta semana, para cada contrato de dólar futuro existiam cinco contratos de cupom. De 2015 até agora, o montante de posições em aberto na B3 em cupom cresceu 23%, enquanto os futuros de dólar caíram à metade.

    Para o especialista em instrumentos derivativos Pablo Spyer, diretor de operações da Corretora Mirae Asset, maior demanda por cupom cambial indica preferência dos investidores por um hedge cambial de prazo mais longo. Ou seja, um seguro contra variações no preço do dólar por mais tempo. "Esse interesse indica que os investidores estrangeiros acreditam [ou temem] que o nível do dólar não esteja adequado [às condições presentes no cenário econômico]. E, portanto, a moeda pode se desvalorizar mais. Essa expectativa justifica a disposição dos investidores em travar preços para a moeda estrangeira por períodos mais longos", explica Spyer ao Valor.

    Uma razão técnica para a preferência por cupom é a perspectiva de rolagem das posições com mais frequência. "No contrato futuro de dólar, como a rolagem é mensal, a liquidez é baixa. Para ter a liquidez necessária pode ser preciso pagar preços absurdos." No início desta semana, a BM&F registrava 667 mil contratos de dólar futuro abertos e 3,8 milhões de contratos de cupom cambial.

    O diretor da Corretora Mirae Asset considera, porém, que o custo da rolagem é complementar à decisão de fazer hedge. "Podemos inferir que os estrangeiros elevam posições porque acreditam que existem riscos locais ainda não captados pela taxa de câmbio."