Valor econômico, v.19, n.4570, 17/08/2018. Legislação & Tributos, p. E2

 

Intervenção do Estado no domíno econômico

Emerson Soares Mendes

17/08/2018

 

 

Recentemente, o governo federal interviu na ordem econômica para estipular o preço mínimo do frete nos transportes rodoviários de cargas, diante da greve deflagrada pelos caminhoneiros. Nos termos da Constituição Federal, o Estado pode intervir na ordem econômica seja prestando serviços públicos, seja exercendo monopólios previstos no artigo 177 da Constituição Federal.

Além disso, o Estado pode intervir por meio do exercício direto da atividade econômica, quando estiverem presentes imperativos de segurança nacional ou relevante interesse definidos em lei complementar, bem como pelo exercício da atividade regulatória.

No âmbito da atividade regulatória, ao Estado incumbe fiscalizar o exercício da atividade econômica pelas empresas da esfera privada, incentivar a exploração da atividade econômica, bem como estabelecer um planejamento para que se atinja o desenvolvimento nacional, que constitui um dos objetivos da República Federativa do Brasil, o que é possibilitado pela livre iniciativa que, por sua vez, é um dos fundamentos da República. Observe-se que o referido planejamento não é da atividade econômica em si, visto que a Constituição Federal não adotou uma economia planificada.

Não se pode olvidar que a própria Constituição elevou o mercado à categoria de patrimônio nacional, que deve ser incentivado a contribuir para o desenvolvimento cultural e socioeconômico do país, bem como que das normas constitucionais exsurge a opção da República pelo sistema de economia de mercado.

Na economia de mercado, a livre iniciativa pressupõe a liberdade de atuação no mercado, o que conforma a atividade legislativa, garantindo a liberdade de empresa e de contrato aos cidadãos, bem como impondo limites à intervenção estatal, que deve respeitar a livre concorrência e a própria estruturação do mercado com base na desigualdade entre os agentes econômicos, os quais possuem poder econômico em intensidade distinta.

A estruturação do mercado com base na desigualdade de poder econômico dos agentes econômicos é implicitamente reconhecida pelo artigo 173, parágrafo 4º, da Constituição Federal, que prevê a intervenção estatal com o fim de reprimir o abuso do poder econômico, o qual não sendo exercido abusivamente pode existir e ser exercido legitimamente no âmbito do mercado.

Além disso, o mecanismo do preço, em uma economia de mercado, é estabelecido pelo jogo de forças do próprio mercado. Ou seja, pela lei da demanda, que consiste na relação existente entre o aumento da demanda com a queda do preço, bem como pela lei da oferta, segundo a qual o aumento da quantidade de produção, especialmente em curto prazo, implica na tendência de aumento dos custos de produção, como forma de tornar a produção lucrativa, e consequentemente o preço tende a aumentar, além da oferta dos produtos e serviços no mercado também apresentar um aumento.

Assim, percebe-se que o preço é determinado pelas próprias forças de oferta e da demanda, exercendo, o preço, uma função denominada de racionadora, visto que limita a demanda excessiva apenas aos consumidores que mais valorizam os bens e serviços, além de uma função alocativa, pois o preço acaba direcionando a alocação do capital na produção.

Desse modo, a interferência estatal na estipulação do preço em dado mercado contraria não só as forças naturais do próprio mercado, que atua na fixação do preço de equilíbrio, mas também em nada colabora para manter a garantia da livre iniciativa e da livre concorrência, tampouco a autonomia privada.

Somente em casos excepcionalíssimos seria admitida a intervenção do Estado na fixação de preço privado, o que somente se justificaria para corrigir alguma disfunção no mercado, tal como o impedimento de acesso de agentes econômicos concorrentes em dado mercado, a prática de preços predatórios, o domínio de dado mercado relevante, o exercício abusivo de posição dominante e o aumento arbitrário dos lucros, e para garantir a livre iniciativa, a livre concorrência e a manutenção dos princípios de funcionamento da ordem econômica constitucional.

Fora das hipóteses em que há anomalias no mercado, o Estado não possui autorização constitucional para intervir na ordem econômica, com verdadeiro caráter substitutivo aos agentes econômicos e às forças naturais do mercado, vez que a fixação do preço privado constitui expressão direta da livre iniciativa, além de refletir a eficiência econômica dos agentes econômicos.

Não havendo nenhum fundamento válido para a fixação de preço privado pelo Estado, a intervenção estatal no domínio econômico mostra-se contrária à Constituição Federal, o que é reforçado pela transposição dos limites impostos pela própria livre iniciativa, pela livre concorrência e pela autonomia privada, bem como pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem pautar a atuação estatal na ordem econômica.