Valor econômico, v.19, n.4565, 10/08/2018. Brasil, p. A3

 

STF engorda despesa obrigatória e emperra o orçamento de 2019

Ribamar Oliveira

10/08/2018

 

 

O governo está enfrentando grande dificuldade para fechar o Orçamento da União do próximo ano. As despesas obrigatórias não estão deixando espaço para outros gastos. Só a despesa com servidores ativos e inativos subirá de R$ 302 bilhões neste ano para R$ 328 bilhões em 2019 (R$ 26 bilhões a mais), de acordo com fonte credenciada da área econômica.

No entanto, este valor será alterado para cima depois da decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de reajustar os próprios vencimentos em 16,38%. A mesma fonte informou que o governo ainda está calculando o custo da decisão do STF, mas afirmou que "a conta será salgada por causa do efeito cascata".
O subsídio de ministro do STF é o teto salarial de todo o funcionalismo. Assim, quando ele é reajustado, os salários do presidente da República, do vice-presidente e dos ministros também são corrigidos no mesmo percentual. Os detentores de DAS 6 - cargo em comissão mais elevado no funcionalismo federal - também serão beneficiados (cerca de 190 servidores). Além disso, milhares de servidores do Executivo e do Legislativo possuem remuneração superior ao teto salarial.

Como eles não podem receber mais do que o teto, as suas remunerações sofrem o que é chamado de "abate teto", ou seja, elas são reduzidas até o valor do vencimento de ministro do STF. Se o salário do ministro sobe, todos esses servidores, ativos e inativos, terão, automaticamente, aumento salarial.

Somente no Executivo são 5.773 servidores que têm remuneração acima do teto, de acordo com o Ministério do Planejamento. O gasto com esses servidores será de R$ 243,1 milhões por ano, caso o Congresso Nacional aprove o reajuste de 16,38% do teto. No passado, já houve casos de senadores e deputados não aprovarem as propostas do STF. O Planejamento não divulgou o custo do reajuste do teto no Legislativo nem no Judiciário.

A remuneração de toda a magistratura federal é reajustada automaticamente com o aumento do valor do subsídio de ministro do STF. A Constituição estabelece que a remuneração dos ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a 95% do subsídio mensal de ministro do STF. As remunerações dos demais magistrados são fixadas em lei, mas não podem exceder a 95% do subsídio dos ministros dos Tribunais Superiores.

A regra é válida para os magistrados estaduais, que também terão direito ao reajuste. Haverá, portanto, repercussão negativa nas finanças dos Estados, que já se encontram em grande dificuldade financeira.

O Ministério Público Federal costuma seguir a mesma orientação do STF. Está prevista uma reunião hoje da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com os procuradores para sacramentar o reajuste.

O gasto com pessoal não parou de subir durante o governo do presidente Michel Temer, que, tão logo assumiu o governo, referendou os acordos feitos pela ex-presidente Dilma Rousseff com o funcionalismo. Temer concedeu aumentos escalonados por três anos para todas as categorias de servidores. No caso do Judiciário, o número de parcelas foi ainda maior.

Em 2018, o gasto com pessoal ativo e inativo ficará em torno de R$ 302,1 bilhões, segundo o relatório de avaliação de receitas e despesas, relativo ao terceiro bimestre, o que corresponde a 4,36% do PIB previsto para 2018, e deve chegar a 4,43% do PIB em 2019, de acordo com fonte credenciada da área econômica. Em 2014, o gasto foi de 3,8% do PIB.

Para as fontes consultadas, o mais grave é que o Judiciário só cumpriu o teto de gastos, no ano passado, com a ajuda do Executivo. O mesmo acontecerá neste ano. A emenda constitucional 95, que instituiu o teto, autorizou o Executivo a compensar os gastos em excesso do Judiciário e do Legislativo até 2019. Ou seja, o Executivo é obrigado a ficar abaixo do seu limite em valor que seja suficiente para compensar o "estouro" dos demais Poderes. "O que vai acontecer a partir de 2020, quando não tiver mais a compensação?", questionou uma autoridade. (Colaborou Edna Simão)

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Decisão aumenta risco de Judiciário voltar a estourar teto

Marta Watanabe

10/08/2018

 

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de aprovar reajuste de salário a ministros da própria corte aumenta o risco de o Poder Judiciário descumprir o teto de gastos a partir de 2020. Em 2017, o Judiciário estourou o teto em R$ 102 milhões, mas, conforme prevê a emenda constitucional que criou um teto anual para os gastos dos três poderes, o excedente será absorvido pelo saldo positivo da União. De 2020 em diante, o Judiciário não poderá mais desrespeitar o teto.

O teto vale desde o ano passado. Os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo têm os gastos controlados separadamente. Segundo a lei, a variação das despesas de cada poder fica limitada à inflação do ano anterior, dada pelo IPCA em 12 meses até junho. A lei vale por 20 anos, mas, nos três primeiros anos, o excedente de gastos (acima do teto) do Poder Judiciário pode ser compensado com gastos abaixo do teto pelo Executivo - foi o que ocorreu em 2017 e vai se repetir neste ano.

A partir de 2020, porém, o Executivo não poderá mais cobrir o excedente do Judiciário. Vilma Pinto, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas lembra que o cálculo do limite manterá sempre o patamar pela variação do IPCA a partir das despesas de 2016. Caso o gasto do Judiciário fique acima do limite da lei do teto em 2020, serão acionados os gatilhos previstos, explica a economista. Os gatilhos impedem reajustes salariais e a criação de despesas obrigatórias.

O STF, diz Vilma, representa 1,5% do gasto primário do Judiciário federal. A questão, porém, é o possível efeito cascata, já que o salário dos ministros do STF serve como teto para o funcionalismo. Em 2016 o gasto total do Judiciário foi de R$ 36,02 bilhões. Pela lei do teto, as despesas estavam limitadas a R$ 38,6 bilhões em 2017, R$ 39,8 bilhões neste ano e R$ 41,5 bilhões em 2019.

Para Marcos Lisboa, presidente do Insper, a decisão do STF é mais uma demonstração da resistência de grupos organizados em fazer o ajuste fiscal. "O que surpreende nesse caso é que isso veio da elite dos servidores públicos, que, com estabilidade de emprego e em momento de dificuldade, deveria dar o exemplo, e não ir na direção da insensatez em relação à crise que o país atravessa", diz. "Quem tem salários acima de R$ 30 mil está na fatia do 1% mais rico da população."

Lisboa lembra que a repercussão da decisão não deverá se restringir às contas da União. "Alguns Estados estão quebrados e outros quebrarão. Por causa do gasto com servidores e inativos, hospitais estão fechando, estradas têm menos manutenção, saneamento e educação têm menos recursos. Temo o que poderá acontecer no fim do ano se esse processo não for revertido."

A economista Ana Carla Abrão, sócia da Oliver Wyman, tem preocupação semelhante.

"Os governadores que vão assumir em 2019 herdarão um patamar excessivo de despesa de pessoal que poderá ter um potencial adicional com a decisão do STF", diz a economista. "A discussão sobre salários é sempre complicada porque é difícil definir o ganho adequado, mas o ponto mais impressionante e surpreendente neste momento é o fato de os ministros não entenderem que esses quase R$ 6 mil no salário de cada um deles têm um efeito multiplicador enorme e de extrema gravidade", diz a economista, que já foi secretária de Fazenda de Goiás.

Levando em conta a totalidade dos gastos efetivos com folha, inclusive os chamados penduricalhos e os desembolsos que costumam ser retirados no cálculo, diz Ana Carla, todos os Estados já estão acima do limite de despesa com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.