Correio braziliense, n. 20409, 07/04/2019. Política, p. 3

 

Militares aconselham e tentam evitar crises

Rodolfo Costa

Leo Cavalcanti

07/04/2019

 

 

O tom discreto e trabalhador foi a tônica do desempenho das atividades tocadas pelos militares no governo de Jair Bolsonaro. Com oito ministros oriundos das Forças Armadas, além do vice-presidente, Hamilton Mourão, a gestão conta com mais oficiais no primeiro escalão do que presidentes na ditadura militar. O comportamento é avaliado como positivo na Esplanada dos Ministérios em um mandato curto, mas que acumula tantas polêmicas. Técnicos, “bombeiros”, conselheiros e até políticos, os oficiais conseguiram chamar a atenção. Para alguns, que veem interferência direta da cúpula militar na crise interna do Ministério da Educação e na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), é até demais.

A atuação do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, foi uma das mais importantes nesses 100 dias de governo. Discreto, tem como principal missão prevenir a ocorrência de crises e articular o gerenciamento delas. Não por acaso, o próprio Bolsonaro o chama de conselheiro. “(Heleno) dá muita segurança na tomada de decisões, que são difíceis e muitas vezes contrariam interesses”, declarou o presidente na sexta-feira.

Não foram poucas as vezes em que Heleno precisou atuar. Quando o ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral Gustavo Bebianno esteve ameaçado no cargo, o general atuou para aconselhar Bolsonaro a pensar muito bem antes de tomar uma decisão que pudesse gerar uma crise com o Parlamento. A demissão dele, de fato, passou a congressistas a imagem de infidelidade de Bolsonaro com aliados próximos.

O desempenho mais recente de Heleno como “bombeiro” foi após a visita de Bolsonaro a Israel, onde anunciou a abertura de um escritório comercial em Jerusalém. Em transmissão ao vivo nas redes sociais ao lado do presidente, o chefe do GSI disse que o país tem uma balança comercial com o mundo árabe que interessa manter. “Muita gente colocou isso com maldade, que a visita a Israel significava um afastamento da comunidade árabe. Negativo. Isso não vai acontecer.”

Liderança

A participação de Heleno no governo não se restringe aos aconselhamentos ao presidente da República. Ele também tem sido uma espécie de líder e conselheiro entre os militares. Mourão e os ministros da Secretaria de Governo, Santos Cruz, e da Secretaria-Geral, Floriano Peixoto, e até mesmo para o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que tem origem na vida política. Heleno atuou para acabar com uma cisão interna e bancar a coexistência entre todos, eliminando a pecha de núcleos no Planalto, o militar e o político. “Somos todos um”, ponderou.

É algo que deu certo. Nas últimas semanas, Santos Cruz vêm se engajando ativamente na articulação política. Mantém sintonia próxima de algumas das principais lideranças no Congresso. O bom trato com os parlamentares é só elogios até dentro do Centrão, bloco acostumado a capitanear as movimentações no cenário político nacional. Mourão também tem se articulado. Com o discurso de que tem recebido “visitas de cortesia”, mantém um diálogo amplo com líderes na Câmara e no Senado.

O vice também mantém uma boa relação com os colegas militares, mas a leitura entre eles a por militares no Planalto é de que a comunicação feita por Mourão pode melhorar. “Há um desencontro de informações, mas não é por mal”, pondera um oficial próximo ao presidente. Para os próximos 100 dias, a meta é aproximar mais Mourão de Bolsonaro a fim de criar um diálogo mais uníssono e sem ruídos, como quando ele recebeu líderes sindicais ligados à oposição e sugeriu que o presidente da República poderia ceder cargos a aliados políticos.

No Planalto, um dos mais discretos até agora é Peixoto. O ministro da Secretaria-Geral atuou pelas beiradas, mas vem fazendo um trabalho técnico na coordenação de Estado. Nesses 100 dias, atuou para racionalizar a estrutura do governo no sentido de unificar a máquina para reduzir custos. Por exemplo, em um mesmo ministério, há secretarias e departamentos distintos que dispõem de uma mesma organização de atividades.

Agenda

Fora do Planalto, os demais ministros vêm dando sua parcela de contribuição. O chefe da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, trouxe para o Brasil tecnologia israelense para o Centro de Testes de Tecnologias de Dessalinização, que será inaugurado em breve em Campina Grande (PB). O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, mantém uma agenda próxima de empresários e investidores. Mas entre os “técnicos”, o queridinho é o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas. É o que mais recebe parlamentares aflitos em apresentar demandas e saber sobre as pretensões da pasta em conclusão para obras em suas bases eleitorais.

Nos Estados Unidos, ontem, em debate na Brazil Conference, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, afirmou que “os militares vêm desempenhando um papel de excelência, muito significativo” no atual governo. Ele refutou a ideia de intervenção militar.

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Mourão se diz complementar

07/04/2019

 

 

 

 

Às vésperas da comemoração dos 100 dias de governo, o vice-presidente, Hamilton Mourão, assegurou que não age em contraponto ao chefe do Executivo, Jair Bolsonaro. “Jamais! Eu sou complementar ao presidente, eu complemento ele”, disse. Ele admitiu, porém, que recebe críticas de aliados de Bolsonaro, mas minimiza: “fazem parte do jogo político”. Para apoiadores do presidente, o fato de o vice estar em compromissos nos Estados Unidos, onde participou de um seminário, em Boston, reforça a tese de que Mourão está tentando se firmar como figura plural e dissonante de Bolsonaro.

Em almoço com um seleto grupo, segundo fontes, Mourão disse que o presidente está ciente de que precisa deixar de lado discursos extremados e defendeu que “o governo não caia em tentativas de polarização da oposição”. Segundo ele, Bolsonaro foi aconselhado por aliados próximos a deixar de governar para poucos.

Apoio

Indagado sobre a crise na Venezuela, o vice-presidente afirmou que o Brasil rechaça a possibilidade de apoio brasileiro a eventual decisão norte-americana de intervenção militar no país vizinho. Para ele, o papel do Brasil não é de pressão econômica, como faz os Estados Unidos. Ele reforçou que o governo seguirá na pressão diplomática.

No encontro, Mourão estava com o ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, general Santos Cruz. Ao falar sobre a reforma da Previdência, Santos Cruz afirmou que a bola, agora, está com o Congresso. O governo Bolsonaro vem sendo criticado por não fazer a articulação necessária para reunir os 308 votos suficientes para fazer sair do papel o projeto.