Correio braziliense, n. 20409, 07/04/2019. Política, p. 4

 

Nova política perde para necessidade de coalizão

Alessandra Azevedo

Gabriela Vinhal

07/04/2019

 

 

100 Dias de governo/ Depois de duas derrotas no Congresso e de falta de apoio de aliados ao ministro da Economia na CCJ, presidente Bolsonaro decide abrir canal de conversa com partidos

O presidente Jair Bolsonaro completa 100 dias de governo nesta quarta-feira, ainda sem uma base aliada consolidada no Congresso. Um dos grandes obstáculos, desde o início do mandato, é equilibrar a defesa da “nova política”, discurso que rendeu a ele muitos votos, com o presidencialismo de coalizão, do qual não tem como se livrar caso queira aprovar alguma matéria — o que não aconteceu até agora. O governo ainda não conseguiu emplacar nenhum projeto de lei no Congresso e já teve, pelo menos, duas derrotas: com a queda do decreto que mudava a Lei de Acesso à Informação, em fevereiro, e com a aprovação do Orçamento impositivo, em março.
Nesse período, houve poucas reuniões pacíficas, e alguns embates marcantes com os parlamentares. O mais recente foi entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e deputados da oposição, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, na última quarta-feira. A troca de insultos resultou no encerramento da sessão, depois que Zeca Dirceu (PT-PR) chamou o chefe da equipe econômica de “tchutchuca” dos privilegiados.
Alguns especialistas avaliam que o episódio prejudicou mais a imagem da oposição do que a do ministro, que foi convidado pelos deputados à CCJ para explicar a reforma da Previdência. Mas consideram simbólico o fato de praticamente nenhum parlamentar ter defendido a proposta do governo, durante as mais de seis horas de audiência. Omissão que expõe o descontentamento dos deputados com o presidente.
As derrotas são atribuídas à postura em relação ao presidencialismo de coalizão. “Ao atacar o que chama de velha política, o que faz desde a campanha, ele ofende diretamente os parlamentares. Por isso, nunca tivemos expectativa de que a relação com o Congresso fosse boa”, comentou o gerente de análise e política da Prospectiva, Thiago Vidal. O maior problema, segundo ele, é que Bolsonaro “confunde articulação com corrupção”. “Ele não consegue ver que é muito maior do que isso e que uma coisa não leva necessariamente à outra”, diz.
Foi logo depois do constrangimento na CCJ que o chefe do Executivo resolveu se encontrar com líderes e presidentes partidários, em um primeiro passo na tentativa de melhorar o diálogo com o Parlamento. Nas reuniões, ele se desculpou com os líderes partidários pelas “caneladas” recentes. Já estiveram no Planalto integrantes do MDB, PSDB, PP, PRB, PSD e DEM. Esta semana, haverá novas rodadas de conversa, com PSL, SD, PR e Podemos.
Dúvidas

Apesar dos sinais de paz que o governo tenta emitir, ainda há dúvidas sobre o engajamento “real” dele com o diálogo político. Um dos parlamentares que se encontrou com Bolsonaro, na semana passada, disse que “a conversa foi boa, mas não resolve nada”. Vidal também não tem considerado os encontros uma verdadeira mudança de estratégia. “É mais um movimento tático. No fundo, é um oportunismo da parte dele. Ele não está negociando, porque sabe que não seria necessário agora, já que tem maioria na CCJ para aprovar a reforma”, avalia o especialista.
A primeira derrota do governo no Legislativo foi em fevereiro, quando a Câmara derrubou o decreto que alterava as regras da Lei de Acesso à Informação, assinado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, em janeiro. Ele permitia a ocupantes de cargos comissionados, alguns sem vínculo permanente com a administração pública, classificar dados do governo federal como informações ultrassecretas e secretas.
Só o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, orientou os deputados a votarem contra a urgência da votação que derrubou o decreto. Desde aquela época, os parlamentares já diziam que era uma forma de “protesto”. Na semana passada, o governo saiu perdendo em relação ao Orçamento — outra mensagem que os deputados e senadores enviaram ao Planalto. Em votação relâmpago, no auge do desentendimento entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os deputados votaram em dois turnos a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna obrigatória a execução de emendas de bancada.

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Aproximação ainda não convence

07/04/2019

 

 

Mesmo com as reuniões recentes entre o presidente Jair Bolsonaro e lideranças partidárias, os parlamentares continuam criticando as tentativas de “desqualificação” da política, ainda promovida pelo chefe do Executivo. Eles reclamam que, até quando concordam com as pautas do governo, são tratados como inimigos. O que vai na contramão do que defende a maior parte dos aliados do presidente, inclusive o vice, Hamilton Mourão, que já disse que os partidos de apoio devem ter algum tipo de “participação, seja em cargos nos estados ou em algum ministério”.

“Ele abriu o diálogo, mas, cada vez que fala com o público, demonstra desrespeito ao Parlamento”
Marcelo Ramos, deputado do PR-AM

“Ele abriu o diálogo, mas, cada vez que fala com o público, demonstra desrespeito ao Parlamento. Mostra uma tentativa de criminalizar e fragilizar a política”, diz Marcelo Ramos (PR-AM), um dos deputados titulares da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. “Já estou convicto de que a estratégia dele não é recompor o Parlamento, é se aproveitar da fragilidade e impor a vontade dele”, acredita.

Um exemplo disso é que, logo após ter conversado com políticos, na semana passada, Bolsonaro ressaltou que, apesar do que alguns disseram, ele não tratou de cargos. “O governo está com lista de cargos no Congresso, oferecendo para todo mundo, pelos coordenadores de bancada. Mas, quando os líderes vão ao Planalto, o presidente constrange quem dá entrevista sobre isso. É desleal tratar de cargo pela líder dele e depois ir a público dizer que isso não acontece”, comentou o deputado do PR, que disse não ter sido procurado pessoalmente para tratar do assunto.

A articulação tem sido feita pela líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Com a negociação, Bolsonaro pode conseguir votos para a reforma da Previdência, pela importância da matéria, mas a aproximação com os partidos precisa ir além de uma pauta específica. Essa é a intenção do Planalto, segundo Hasselmann.

“Uma coisa é base aliada e outra coisa é convergência de agenda. O presidente deu início à busca pela formação do grupo de apoiadores, enquanto eu e os outros líderes miramos também nas conversas com parlamentares. Também não dá para depositar todo o apoio ao governo baseado na agenda econômica”, ponderou Hasselmann.

Para isso, uma ala bolsonarista alerta que é preciso não se indispor com nomes importantes, como do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Com base na briga recente entre o deputado e o presidente Bolsonaro, em março, isso seria, na visão deles, um tiro no pé. O embate entre os chefes do Legislativo e do Executivo foi o mais prejudicial ao governo, até agora.

A relação de Bolsonaro com o deputado nunca foi das melhores, apesar de o governo ter apoiado, ainda que indiretamente, a reeleição dele à presidência da Casa. O que os une é basicamente a pauta econômica: Maia é um dos maiores defensores da reforma da Previdência, desde antes de Bolsonaro sequer pensar em se candidatar à Presidência da República.

Ter conseguido emplacar o candidato apoiado pelo governo na Câmara é uma das vitórias de Bolsonaro na relação com o Parlamento nesses primeiros 100 dias — na prática, dois meses, já que o Congresso só começou a trabalhar em fevereiro. Ele também saiu ganhando com a eleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para a Presidência do Senado. O nome era oficialmente o preferido dele. Na semana passada, Alcolumbre disse esperar que Bolsonaro consiga construir a ponte entre os Poderes e explique como funciona o “novo modelo de rearranjo”. (AA e GV)