Título: Exames de DNA contra o crime
Autor: Machado, Roberta
Fonte: Correio Braziliense, 05/09/2012, Tecnologia, p. 19
O Brasil se prepara para criar um banco de dados que reunirá informações genéticas de condenados no país. Segundo especialistas, a medida deve agilizar as investigações policiais
Bastam uma gota de sangue, de saliva ou de sêmen, ou até mesmo células de pele deixadas no local de um crime, para que a polícia afirme com certeza se um suspeito esteve ou não envolvido com o episódio. A tecnologia é usada no mundo todo há cerca de 20 anos, e já é rotina na investigação criminal brasileira — a Polícia Civil do Distrito Federal, por exemplo, conta com mecanismos desse tipo desde 1996. A partir de novembro, o uso de análises genéticas se tornará ainda mais abrangente. Um banco de dados vai possibilitar a comparação de uma amostra biológica com as informações de milhares de criminosos identificados em todo o país, e não apenas com as dos suspeitos indicados pela investigação.
Nos Estados Unidos, essa metodologia já ligou um só criminoso a sete casos diferentes, encerrando investigações antes sem solução com uma simples análise de computador. Agora, o governo federal tenta tornar isso realidade no Brasil por meio da Lei nº 12.654, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em maio deste ano. A norma cria a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, na qual serão catalogadas as amostras de DNA de todos os condenados por crimes graves (veja O que diz a lei).
De acordo com Joseph Blozis, ex-coordenador do Programa de DNA e biorrastreamento da Polícia de Nova York, a análise do sequenciamento genético aumenta em cinco vezes a chance da localização de um bandido, se comparada ao estudo das impressões digitais. "As digitais são importantes, mas o DNA é o futuro. Depois que passamos a usar esse sistema, temos o dobro do número de ladrões presos e levados a julgamento", compara o ex-perito, que esteve ontem em Brasília para participar de um encontro sobre o tema.
Blozis explica também que a mesma metodologia ajuda em outras situações, como na identificação de vítimas de desastres ou atentados. O norte-americano conta que centenas de pessoas mortas no ataque ao World Trade Center, em 2001, foram reconhecidas graças à comparação do material genético com amostras de pele e cabelo fornecidas pelos familiares. O ex-policial diz ainda que a tecnologia tem avançado e permitido o reconhecimento de mais pessoas que não puderam ser apontadas na época (leia entrevista abaixo).
Rapidez A evolução da tecnologia também levou a técnica a resultados muito mais rápidos. Se antes eram necessárias ao menos 10 horas para que um exame de laboratório acusasse se a pessoa estava ou não ligada ao crime, hoje é possível obter resultados em apenas duas horas. "Já testamos o mesmo kit usado em investigações numa amostra de osso de 900 anos e conseguimos um perfil completo", exemplifica Jonathan Tabak, vice-diretor de Marketing na Área de Identificação Humana da empresa Life Technologies.
Para saber se uma amostra corresponde a uma pessoa seria necessário apenas recolher saliva da bochecha do suspeito com uma haste fabricada com fibras especiais. O material pode ser transferido imediatamente para um papel tratado quimicamente, o que mantém a amostra por mais tempo e agiliza o trabalho de laboratório. "A amostra é colocada em um reagente químico, que é usado para processar e amplificar a quantidade de DNA em uma máquina. Ele detecta os fragmentos do DNA e os analisa em um software especial de computador", enumera Tabak. Os resultados tornam-se, então, uma série de números, que são únicos para cada indivíduo.
O Brasil conta hoje com 19 laboratórios que recorrem ao exame de DNA para identificar criminosos entre os suspeitos de diversos tipos de crime, e que poderiam ter o trabalho facilitado se contassem com as informações genéticas dos cerca de 300 mil presos brasileiros cujos crimes estão previstos na nova lei. Para unir todos esses dados, seria usado o Codis, o mesmo programa desenvolvido pelo FBI para a identificação de suspeitos. "A grande vantagem do banco digital é poder resolver crimes em aberto que ocorreram há muito tempo ou mesmo em outros estados. O autor responsável por um caso em aberto no Paraná, por exemplo, pode estar preso em Minas Gerais por outro delito", explica Marcelo Malaghini, chefe do Laboratório de DNA do Paraná.
O que diz a lei
Casos graves e hediondos
A Lei nº 12.654, de 28 de maio de 2012, prevê a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal e passa a vigorar em 28 de novembro. Os dados serão gerados a partir da coleta de material biológico, coletado de condenados por "crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa", ou por crimes hediondos, como latrocínio, homicídio e estupro. A coleta do material deverá ser feita de forma não invasiva, isso é, sem a necessidade de retirada de sangue. As informações contidas nesse banco de dados serão sigilosas, e não poderão revelar traços físicos ou comportamentais das pessoas, exceto o gênero. Depois que terminar o prazo previsto para a prescrição do delito, os registros também deverão ser retirados da rede.