Valor econômico, v.19, n.4576, 27/08/2018. Empresas, p. B2

 

Novas disciplinas ensinam aos alunos o poder da felicidade

Adriana Fonseca

27/08/2018

 

 

Neste segundo semestre de 2018 duas universidades brasileiras introduziram em suas grades curriculares disciplinas que abordam a felicidade: Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. O tema tem ganhado relevância no Brasil e no mundo. Uma tentativa de trabalhar com os jovens angústias e questões ligadas à saúde mental. "Temos nos deparado com situações que não nos permitem fechar os olhos", diz Wander Pereira, professor responsável pela disciplina na UnB e doutor em psicologia.

Ele se refere aos crescentes índices de jovens com transtornos de ansiedade e depressão. Nem a UnB nem a UFSM têm dados sobre a saúde mental dos alunos que permitam afirmar um crescimento de transtornos do tipo, mas há uma percepção de que isso está acontecendo. "Começamos a perceber mais casos e isso sensibilizou o corpo docente", diz Pereira.

Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, globalmente, o número de pessoas que vivem com depressão aumentou 18% entre 2005 e 2015. No Brasil, segundo o relatório, a depressão atinge 11,5 milhões de pessoas (5,8% da população), enquanto distúrbios relacionados à ansiedade afetam mais de 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população).

Ainda segundo o relatório da OMS, a depressão pode levar a um grande sofrimento e disfunção no trabalho, na escola ou no meio familiar, além de levar ao suicídio em alguns casos. Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano globalmente, sendo a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos.

Atenta a esse cenário, a UnB criou a disciplina "Felicidade", eletiva, sem pré-requisito e aberta a todos os alunos de graduação da universidade. A primeira turma tinha 240 vagas e todas foram preenchidas ainda na pré-matrícula.

Em dois encontros semanais, o curso não se propõe a ensinar felicidade. "Não há como fazer isso em uma disciplina acadêmica", diz Pereira. "Em um acompanhamento de longo prazo, os pais podem ensinar os filhos a serem felizes, por exemplo." O que a matéria da UnB propõe é apresentar aos alunos alguns autores da psicologia positiva, que aborda aspectos positivos das emoções e comportamentos, como potenciais, motivações e as capacidades humanas. Além disso, a disciplina também levará aos estudantes pesquisas sobre felicidade. "Queremos estabelecer uma linguagem comum com os alunos e oferecer vivências que podem torná-los mais felizes", explica.

Para isso, a matéria primeiro faz um alinhamento conceitual com os universitários, apresentando teorias sobre felicidade, mostrando características das pessoas felizes e experiências de outras disciplinas que tratam do mesmo assunto ao redor do mundo. Depois disso trabalha-se o autoconhecimento com dinâmicas que levam a respostas sobre o que é felicidade para você e o que faz sentido na sua vida hoje. Na sequência, o professor trabalha técnicas da psicologia para os alunos lidarem com situações adversas. "É uma época em que eles sofrem muita pressão externa e deles mesmos, e muitos não conseguem lidar com isso. Nosso objetivo é fornecer instrumentos para que administrem melhor essas emoções", diz Pereira.

Ao longo do semestre, os alunos também terão melhor noção de como expressar as emoções de maneira adequada. "Vamos abordar a depressão como patologia e a tristeza, que é uma condição inerente à vida. É preciso mostrar que a tristeza é um momento que nos leva à reflexão para encontrar novos caminhos. Trabalharemos também a ansiedade."

Por fim, para concluir a matéria, os alunos terão que desenvolver um "produto de felicidade" para o campus. Pode ser algo relacionado à dança, teatro, uma ação social, e assim por diante. "É importante entender que a felicidade não é algo tangível. É um conceito que remete a um conjunto de sensações ligadas a ações e atitudes, extremamente subjetivo, medido a partir do relato de quem viveu isso. Não é um estado permanente, é transitório", enfatiza Pereira.

Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) a abordagem da disciplina "Ética e Felicidade" é diferente. Também eletiva e aberta a todos os alunos de graduação, a matéria aborda a felicidade pelo viés da filosofia. "Não focamos na psicologia e sim na leitura filosófica, que ajuda as pessoas a se compreenderem melhor", afirma Dejalma Cremonese, professor da disciplina na UFSM.

A disciplina, enfatiza o professor, não é um remédio e não traz uma receita pronta de como ser feliz. "Nosso objetivo é, a partir das leituras básicas filosóficas, buscar lições que possam ser trabalhadas e discutidas. Talvez, no fim do semestre, os alunos cheguem à conclusão que isso os ajudou a serem mais felizes ou não. Vamos discutir a existência humana para tentar compreender melhor o ser humano", afirma.

Para o professor, mestre em filosofia, a felicidade está dentro de nós e, à medida que você conhece mais a si mesmo, volta-se para dentro de si. "A felicidade começa subjetivamente e é constante, não termina. Alegrias e satisfações momentâneas não garantem felicidade. Hoje se confunde a felicidade com o reflexo da realidade obtida com prazeres momentâneos, mas ela é interna, subjetiva", explica.

Incluída na grade da UFSM neste semestre, a disciplina "Ética e Felicidade" atraiu 70 alunos antes mesmo do começo das aulas. Outra disciplina bem semelhante, mas com um nome distinto -"Introdução à Filosofia" - oferecida por Cremonese até o semestre passado não reunia mais do que 10 alunos por semestre. "Não pensei que a mudança no nome causaria tanta atração de alunos. Foi uma grata surpresa e fico ainda mais realizado por ter a possibilidade de discutir o tema com mais pessoas", diz o professor.

Na visão dele, abordar a felicidade com os alunos é de extrema importância na formação geral dos futuros profissionais. "Temos que formar tecnicamente, claro, mas queremos um médico ou engenheiro que se compreenda, compreenda o outro e tenha ética", diz. "Esse lado humano precisa ser considerado. Acredito na formação a partir da ideia grega de educação integral, que passa pelo cognitivo, pelas emoções, poesia, música. Hoje a educação é extremamente cognitiva, mas é preciso formar seres humanos para o mercado de trabalho, e as pessoas têm que saber conviver com elas mesmas e com os outros."

Na UnB, apesar do sucesso da disciplina, que teve alta procura, Pereira diz ter recebido críticas ao implementar a matéria. Há quem ache que a formação dos alunos tenha que ser somente técnica. "O conhecimento técnico continua, nada se altera nesse sentido. O que queremos é agregar ao aspecto técnico a formação humana, um diferencial para os futuros profissionais", diz Pereira. "A universidade precisa ser sensível a isso, à maturidade emocional dos alunos, porque o profissional que estamos formando tem dificuldade na hora de enfrentar o mercado."

Fora da universidade, a The School of Life, em São Paulo, oferece um curso imersivo em inteligência emocional - o próximo será em setembro. São cinco dias em que os alunos se reúnem para trabalhar aspectos como calma a resiliência, relacionamentos, carreira e criatividade.

"A inteligência emocional é uma parte importante da vida e nós subestimamos a sua importância em detrimento da inteligência prática", diz David Baker, um dos principais membros do corpo docente da The School of Life em Londres e um dos fundadores da The School of Life no Brasil. "Na educação tradicional pensamos em coisas como finanças, matemática e solução de problemas, mas no ambiente de trabalho temos que ser capazes de ter uma resposta emocional aos desafios."

Para Baker, uma inteligência emocional desenvolvida ajuda a ser mais feliz. "A felicidade vem do sentimento de que estamos vivendo a vida que queremos e algumas vezes não a vivemos porque achamos que não temos as competências ou a chance de vivê-la. A inteligência emocional nos conecta com nós mesmos, ficamos mais contentes com a vida, aumentamos a sensação de bem-estar e a satisfação", conclui.