Valor econômico, v.19, n.4575, 24/08/2018. Brasil, p. A4

 

União deve à Casa da Moeda, diz presidente

Edna Simão

Fábio Pupo

24/08/2018

 

 

Após encerrar o ano passado no vermelho, a Casa da Moeda demanda R$ 400 milhões que diz estarem retidos pelo Tesouro Nacional após mudanças na legislação que afetaram as receitas da estatal. Até agora, no entanto, a equipe econômica só discute repassar R$ 178 milhões à empresa.

O presidente da Casa da Moeda, Alexandre Borges Cabral, afirmou ao Valor que a retenção de recursos foi um dos fatores responsáveis pelo déficit de R$ 117 milhões da estatal em 2017. É o primeiro resultado negativo em pelo menos dez anos, período em que há demonstrações financeiras publicadas. "A Casa da Moeda até 2016 sempre foi lucrativa. Mas nos últimos dois anos deram uma garfada no meu caixa", diz.

Ele relata o impacto de uma medida da Receita Federal (75/2016) que suspendeu, a partir de dezembro de 2016, a obrigatoriedade do sistema de fiscalização de bebidas (o Sicobe). Com isso, a empresa declara ter havido uma queda de faturamento anual de R$ 1,4 bilhão.

Além disso, Cabral que a estatal foi afetada pela aprovação de uma emenda constitucional (93/2016) que estabeleceu a retenção da Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 30% sobre as receitas provenientes de certas taxas (uso de selos de controle e equipamentos contadores de produção). Segundo ele, o problema é que toda a arrecadação com esses itens passou a ser retida pelo Tesouro até que fosse alcançada a correta proporção de 30% de DRU e 70% de recursos destinados à Casa da Moeda retroativos a janeiro de 2016. Desse modo, o Tesouro inviabilizou o acesso aos recursos. "Eles retiveram os 30% e também os 70%, porque retroage a janeiro. Há dois anos que a gente se vira nos 30."

Segundo o presidente, a equipe econômica diz não poder pagar a Casa da Moeda por ela ser uma estatal independente. "Por causa disso, ficamos sem receber os 30% e também os 70%", disse. Ele afirma que discutiu o assunto também com outras instâncias da Fazenda, como a secretaria-executiva do ministério. "Também demos entrada na Advocacia-Geral da União, que pacificou recentemente essa situação dizendo que é devido à Casa da Moeda e que os devidos recursos orçamentários têm de ser provisionados e colocados", afirmou.

Apesar de ele demandar os R$ 400 milhões, o Valor apurou que o governo discute a liberação de só R$ 178 milhões neste ano. Por isso, diz, a negociação continua.

Em 2018, diz ele, a Casa da Moeda deve melhorar o caixa, mas não o suficiente para voltar ao azul - diferentemente da expectativa anterior dele, de volta ao superávit neste ano. "Se o Tesouro devolver esse dinheiro, vamos ficar com caixa confortável. Mas ainda com prejuízo, menor do que o do ano passado", diz.

A negociação acontece depois de o governo lançar a discussão sobre a venda da Casa da Moeda em agosto de 2017 - algo que, nos bastidores, já é praticamente descartado. O presidente defende que é raro o caso de algum país no mundo deixar empresas privadas produzirem a moeda.

Enquanto não resolve o problema, a Casa da Moeda tenta encontrar formas para potencializar os resultados. A companhia fechou uma parceria com a empresa Ceptis, especializada em tecnologia de rastreabilidade, para aprimorar o sistema de fiscalização na produção de cigarros. O acordo, que deve ser publicado nesta sexta-feira no "Diário Oficial da União (DOU), foi firmado com base na Lei das Estatais, que abriu a possibilidade desse tipo de negociação sem a necessidade de licitação.

O presidente da Ceptis, Philippe Ryser, destacou que a parceria prevê estudos de oportunidade e desenvolvimento conjunto, com transferência de tecnologia e abertura de mercados. "Temos uma matriz de responsabilidade que nos permite desenvolver tecnologias em conjunto por dez anos." No acordo, não há previsão de aportes de recursos públicos.

Além de fazer o controle da produção do cigarro desde a fábrica até o ponto de venda, a evolução do sistema de fiscalização permitirá a Receita Federal, por exemplo, disponibilizar um aplicativo para celular para a população verificar a autenticidade do cigarro, possibilitando ao cidadão denunciar produtos falsificados, contrabandeados e com sub-tributação.