Título: Falta comprovar os benefícios dos orgânicos
Autor: Melo, Max Milliano
Fonte: Correio Braziliense, 04/09/2012, Saúde, p. 19

Segundo pesquisadores norte-americanos, não há constatação científica de que os alimentos naturais são mais saudáveis que os produzidos de forma tradicional. O grupo chegou à conclusão após analisar os resultados de milhares de estudos sobre o tema.

Há 15 anos, poucos conheciam os benefícios dos alimentos orgânicos. Cultivados livres de agrotóxicos e de aditivos químicos, eles eram raridade nas prateleiras dos supermercados. "Quando eu comecei (a comê-los), tinha poucos. Hoje, você encontra praticamente tudo na versão orgânica", afirma Veronilde da Silva Sousa, 36 anos, consumidora assídua dos produtos naturais. Para ela, a lista de vantagens dos orgânicos é longa. "Ingerir orgânicos torna o ato de comer mais prazeroso porque você deixa de focar na quantidade de comida e passa a ver a qualidade, o sabor. O gosto é muito melhor, eles fazem mais bem à saúde", enumera Veronilde, que fez da mudança do hábito alimentar um negócio. Ela é dona de um empório especializado em alimentos do tipo na Asa Norte.

Uma polêmica pesquisa da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, divulgada na edição de hoje do periódico Annals of internal medicine, afirma, no entanto, que, embora em relação a muitos aspectos os alimentos orgânicos sejam uma escolha melhor, ainda faltam pesquisas científicas que garantam que os produtos livre de agrotóxicos e pesticidas sejam escolhas mais saudáveis. "Não há muita diferença entre alimentos orgânicos e convencionais se você é um adulto e toma uma decisão baseada apenas em sua saúde", afirmou Dena Bravata, uma das autoras do estudo.

Para chegar à constatação, o grupo de especialista analisou milhares de artigos sobre o tema já publicados. A grande maioria faz parte do que eles definiram como um "corpo confuso de estudos, incluindo alguns que não eram muito rigorosos, aparecendo em publicações comerciais", afirmou a norte-americana. Assim, os pesquisadores descobriram que, dentro da montanha de artigos sobre orgânicos, apenas 237 eram realmente consistentes. Desses, somente 16 eram estudos com pacientes, dos quais seis incluíam ensaios clínicos randomizados.

Os 223 demais artigos confiáveis tratam de análises fisico-químicas nos alimentos, como comparações de nutrientes e níveis de contaminação por pesticidas. Não existem estudos a longo prazo aferindo os resultados na saúde do consumo de alimentos orgânicos, alegam os pesquisadores. Dos trabalhos analisados, a duração dos estudos envolvendo seres humanos variou de dois dias a dois anos.

Nenhum dos 237 artigos mostrou qualquer vantagem saudável dos orgânicos. Segundo o levantamento, não há diferenças relevantes no teor de vitamina de produtos orgânicos e apenas um nutriente — o fósforo — foi significativamente maior nos produtos orgânicos contra os cultivados convencionalmente. Também não houve diferença na quantidade de proteína ou de gordura entre o leite orgânico e o convencional, embora um número limitado de estudos sugiram que o leite orgânico pode conter níveis significativamente mais elevados de ômega 3. "Alguns acreditam que o alimento orgânico é sempre mais saudável e nutritivo. Nós ficamos surpresos de não encontramos isso", disse, em comunicado, Crystal Smith-Spangler, que também é professora na Escola de Medicina de Stanford e participante do estudo.

A indicação prevalece Apesar da constatação de que não há provas substanciais das vantagens na saúde dos orgânicos, os pesquisadores ressaltam que o consumo desses produtos continua sendo recomendado. "Se você olhar para além dos efeitos na saúde, existem muitas outras razões para comprar orgânicos no lugar dos alimentos convencionais", afirma Dena Bravata. Entre elas, o sabor mais agradável dos orgânicos, as preocupações em relação aos efeitos das práticas agrícolas convencionais sobre o meio ambiente e o bem-estar animal, de acordo com o grupo de pesquisadores norte-americano.

O secretário executivo da Associação Brasileira de Orgânicos (BrasilBio), Murillo Aleixo Bianchini, defende os alimentos de origem ecológica. "Eles têm menores níveis de agrotóxicos, drogas veterinárias e teor de nitrato. Além disso, possuem maior teor de antioxidantes, fitoquímicos, minerais e algumas vitaminas", enumera Bianchini, que admite que, do ponto de vista nutricional, há semelhanças entre os orgânicos e os convencionais. "Quanto ao teor de carboidratos, proteínas e gorduras, eles não diferem muito, mas se acredita que os orgânicos têm valor nutricional mais equilibrado — e não maior", opina.

As diferenças entre os dois tipos de alimento se tornam mais evidente, segundo o especialista, ao se comparar os alimentos provenientes de animais com aqueles que são industrialmente processados. "Alimentos orgânicos de origem animal têm melhor qualidade de gordura e menos teor de ácidos graxos saturados. Os processados não têm gordura hidrogenada nem aditivos químicos sintéticos e não são irradiados. Por isso são, sem dúvida, mais saudáveis", completa Bianchini.

A nutricionista Joana Lucyk lembra que a ausência de agrotóxicos é uma razão suficientemente grande para justificar a preferência pelos orgânicos. "Temos que lembrar que os pesticidas são substâncias estranhas ao corpo. Quando eles são consumidos, sobrecarregam o funcionamento do fígado, órgão responsável pela excreção de substâncias nocivas", afirma. Durante o processo de eliminação, além de exigir um trabalho extra do órgão, os agrotóxicos mobilizam uma série de substâncias benéficas ao corpo. "A excreção demanda vitaminas, minerais e outros nutrientes, ou seja, o que seria utilizado pelo organismo acaba sendo direcionado para outra função, gerando uma carência no organismo", explica.

A presença dos defensivos agrícolas também altera a composição dos alimentos, afirma a nutricionista. "A diversidade do ambiente natural (pragas e parasitas) estimula os alimentos a produzirem substâncias bioativas, que são benéficas para os humanos. Quando se aplicam agrotóxicos, eles eliminam as pragas e, por consequência, desestimulam as espécies a produzirem esse tipo de substância", relata Lucyk. "Além disso, quando o organismo não consegue eliminar todos os pesticidas que ingerimos com a comida, eles se ligam a outras substâncias do corpo e causam processos inflamatórios", completa.