Correio braziliense, n. 20419, 17/04/2019. Política, p. 3

 

Caminhoneiros não se acalmam

Rodolfo Costa

Simone Kafruni

17/04/2019

 

 

Governo/ Ministros se unem para tentar satisfazer a categoria e o mercado em relação a exigências e ao preço do diesel, mas não convencem. Alguns representantes da classe ameaçam paralisação em 21 de maio

O governo convocou, ontem, uma força-tarefa de ministros para acalmar caminhoneiros e investidores, mas apenas os frustrou ao não comunicar a política de correção de preços do óleo diesel da Petrobras. O pior, no entanto, foram as medidas anunciadas para os transportadores, que não sinalizam o cumprimento de garantias concretas a curto prazo para apaziguar os ânimos de uma categoria em ebulição. Os mais revoltados, inclusive, ameaçam uma greve em 21 de maio, efeito que pode desencadear uma nova paralisação nacional, como em 2018.

Na falta de definição da política de preços da Petrobras, veio apenas uma sinalização. Na primeira coletiva como ministro da Economia, Paulo Guedes acenou que a Petrobras estuda aplicar o modelo norte-americano ao diesel, indexando oscilações do combustível ao frete. “Nos EUA, o diesel sobe 5%, e o frete sobe 2,5%”, exemplificou. É um cálculo que tem por objetivo evitar impactos aos caminhoneiros, uma vez que o diesel equivale a quase 50% do frete.

Entretanto, não há nada confirmado. Essa é uma alternativa avaliada na Petrobras e confidenciada ontem pelo presidente da estatal, Roberto Castello Branco, em reunião com a equipe técnica da empresa e do governo e com o presidente Jair Bolsonaro, que pediu explicações sobre a política de preços, após intervir no reajuste de 5,7% anunciado pela estatal na quinta-feira. “Tudo tem que ser estudado para o futuro. O presidente da Petrobras já estava estudando e recalculando quais seriam as melhores práticas. Esse episódio precipita a aceleração de estudos”, explicou Guedes.

O ministro sugeriu que, da parte do governo, está em estudo a aplicabilidade do aumento da alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre o combustível. “Existia para isso”, comentou. A ideia é defendida pelo presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa. “À medida que a Petrobras precisar reajustar o diesel, o governo pode reduzir a Cide, tornando o imposto flexível”, sugeriu.

Fiscalização

Os estudos na Petrobras sobre a política de reajustes do diesel deram início ao desencadeamento de uma polêmica que envolve diretamente os caminhoneiros, mas está longe de contemplar as principais reivindicações da categoria: a fiscalização do piso mínimo de frete e, sobretudo, da jornada de trabalho. Parte dos transportadores se convencem aos poucos de que, embora o tabelamento ajude, ele não resolve o problema central da categoria, que é o equilíbrio do excesso de oferta com a demanda. Dessa forma, o controle sobre o cumprimento das horas trabalhadas pode, no médio e longo prazo, equacionar essa questão.

A proposta apresentada pelo governo para a jornada de trabalho limita-se à construção de pontos de parada e descanso nas rodovias concedidas. “Já estamos aumentando a fiscalização e isso vai aumentar ainda mais. A Lei do Descanso: a gente tem que atuar na provisão de infraestrutura para que haja o descanso. Não tem segurança, local de parada adequada. Muitas vezes, o local não permite que tenha um banho e (o caminhoneiro) é quase impelido a seguir em jornada quase suicida para chegar ao seu destino o mais rápido possível”, explicou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.

Além disso, o governo prometeu investir R$ 2 bilhões em conclusão e manutenção de rodovias, além de oferecer R$ 500 milhões em linhas de crédito de até R$ 30 mil para os caminhoneiros. As medidas são bem avaliadas pela categoria, mas reforça que não resolve o problema do frete. “Pontos de parada e melhores condições nas estradas não resolvem o cumprimento da jornada de trabalho, que forçaria os caminhões a demorarem mais a chegar de um ponto a outro, de forma que diminua a oferta em circulação. O que precisamos é de fiscalização nos postos da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em todo o país”, destacou o caminhoneiro Aldacir Cadore, líder de transportadores do entorno do Distrito Federal.

Proposta de média móvel

Outra sugestão questionada que fará parte da análise da Petrobras é a aplicação de uma média móvel de um determinado período, em vez de reajustes a cada 15 dias. A ideia é bem avaliada por Vander Costa, da CNT. “A estatal tem condições de fazer hedge (proteção para os riscos com objetivo de eliminar a possibilidade de perdas futuras) e pode fazer o repasse de 70 a 90 dias. Ela tem condições econômicas para contratar, coisa que carreteiro não tem”, defendeu o presidente da confederação.

Medidas

O governo anunciou, ontem, que vai investir R$ 2 bilhões em manutenção e conclusão de rodovias, além de fiscalizar o cumprimento do piso mínimo de frete e elencar outras ações. Confira os principais atos e a avaliação de líderes caminhoneiros

Cartão diesel: visa garantir o preço do diesel no frete contratado, dando previsibilidade e mitigar o impacto de começar o transporte e se surpreender com o reajuste do combustível

Caminhoneiros: inviável para a maioria dos transportadores por ser pré-pago. Não existe disponibilidade financeira para antecipar os abastecimentos. Além disso, pode ter efeito contrário se o combustível baixar.

Linha de crédito no BNDES: para manutenção do caminhão e compra de pneu

Caminhoneiros: a maioria tem restrições de crédito devido às dificuldades do setor. Não deverá ser útil para a maioria deles

Construção de pontos de parada e descanso nas rodovias concedidas: objetivo é garantir segurança e descanso para os trabalhadores

Caminhoneiros: uma ótima iniciativa, mas garante apenas a segurança. Não deve ser pré-requisito para que a jornada de trabalho seja fiscalizada.

Documento de Transportes Eletrônico (DT-e): vai armazenar uma série de informações em um único documento

Caminhoneiros: é preciso guardar para saber como funcionará

Fomento ao cooperativismo: medidas para estimular a união e a conexão direta do embarcador com o transportador.

Caminhoneiros: é excelente para reduzir custos. Porém, não resolverá os problemas do excesso de oferta de caminhões no mercado.

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Em busca de equilíbrio nos reajustes

Gabriela Tunes

17/04/2019

 

 

O CB.Poder — parceria entre o Correio e a TV Brasília — discutiu a intervenção do presidente Jair Bolsonaro no preço do diesel. Os convidados, o economista Demetrius Lucindo e o presidente do Sindicombustíveis-DF, Paulo Tavares, debateram as novas medidas do governo para caminhoneiros e conversaram sobre reajustes nos preços da gasolina e do diesel. Da mesma forma, os entrevistados propuseram medidas políticas favoráveis aos consumidores e investidores.

Para o economista Demetrius Lucindo, a intervenção do governo ocorreu devido aos anseios da sociedade e dos caminhoneiros por mais estabilidade nas regras de preço dos combustíveis. “Todo mundo precisa de previsibilidade para trabalhar, e isso pode ser feito com reajustes da Petrobras em períodos pré-determinados, sem que ela sofra prejuízos”, afirmou. Para isso, segundo ele, basta a empresa apresentar um cronograma para os aumentos do diesel e da gasolina, conforme a oscilação do câmbio e do preço do barril do petróleo.

Da mesma forma, os investidores estão insatisfeitos com o atual cenário e precisam de previsibilidade para investir em ações da Petrobras. Porém, para ele, a forma como elas foram apresentadas aparentam intervenção governamental no setor. “Se tivesse ajuste mensal para o diesel e quinzenal para gasolina, isso traria calma aos investidores”, disse Lucindo.

Já Paulo Tavares aponta que os revendedores não estão passando o aumento do preço da gasolina na refinaria com a mesma frequência que a Petrobras reajusta os combustíveis, e isso consome a margem dos donos dos postos de combustíveis. “A ANP (Agência Nacional de Petróleo) percebeu que as distribuidoras repassam imediatamente para o revendedor o acréscimo da refinaria, mas a queda não acontece na mesma velocidade, e quem paga o pato é o revendedor na ponta”, destacou. As grandes redes, segundo ele, ampliam fatia no mercado e fazem com que o setor fique mais concentrado.

De acordo com o sindicalista, entre 2017 e 2018, o número de trabalhadores nos postos do DF caiu em cerca de 3 mil vagas. Ao ser questionado sobre a venda de combustível em hipermercados, o presidente disse que o sindicato não é contra, mas que a legislação e o ordenamento público não permitem. Na opinião de Tavares, não é viável aos donos de supermercados entrarem nesse setor no DF, porque eles não conseguiriam cobrir os custos da operação.

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Líderes falam de ameaça de greve

17/04/2019

 

 

 

 

Em grupos de WhatsApp, um dos cabeças do movimento, Wanderlei Alves, conhecido como Dedeco, que lidera autônomos no Paraná, disse, em mensagem ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que irá “parar” em 21 de maio se o governo não apresentar propostas mais críveis para atenuar as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores.

O Comando Nacional de Transporte reúne 188 líderes caminhoneiros de norte a sul do país em um grupo de WhatsApp. Outro grupo, o Transporte Rodoviário de Carga (TRC), tem 197 líderes. O processo de paralisação é definido basicamente nesses dois grupos atualmente, onde as principais lideranças debateram e lamentaram as medidas anunciadas ontem pelo governo. “Não incentivarei a greve, mas, enquanto não houver o cumprimento da fiscalização da jornada de trabalho, paralisações podem ser deflagradas a qualquer momento, por qualquer motivo”, disse Ivar Schmidt, líder do Comando Nacional de Transporte.

Transportadoras lavam as mãos e garantem que, se houver uma greve, será de responsabilidade dos autônomos. É o que banca, por exemplo, o presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística), José Hélio Fernandes. “Quanto aos empresários, não há risco algum. Obviamente, o combustível tem um peso grande no transporte e, por isso, o setor reivindica mais previsibilidade nos reajustes para administrar melhor o seu serviço”, explicou. (RC e SK)

Estudo para mais modais

O porta-voz do Planalto, Otávio Rêgo Barros, afirmou a jornalistas que o governo vem realizando estudos para buscar um maior reforço de infraestrutura a outros tipos de modais no país, que não o rodoviário, citando como exemplo as ferrovias e a cabotagem. A declaração foi dada em resposta ao que o governo está planejando para o transporte no Brasil. “Não há prazo: é estudo que demandará aprofundamento, planilha de custos”, disse Barros. Ao ser questionado sobre se o governo está preparado para a eventualidade de uma nova greve dos caminhoneiros, o porta-voz respondeu que “alternativas estão sendo estudadas”, e que “à medida que elas forem sendo consolidadas e decididas elas serão apresentadas”, especialmente à categoria.