O globo, n. 31342, 30/05/2019. País, p. 4

 

No dia seguinte, descrença

Eduardo Bresciani

Jussara Soares

Daniel Gullino

Carolina Brígido

Fernanda Krakovics

30/05/2019

 

 

Pacto de Bolsonaro com Toffoli, Maia e Alcolumbre é criticado no STF e Congresso

Um dia após o presidente Jair Bolsonaro lançar a proposta do que vem sendo chamado na cúpula do governo de “Pacto pelo Brasil”, que seria feito com os presidentes dos demais Poderes, o ceticismo em torno do gesto marcou os pronunciamentos de representantes do Legislativo e Judiciário.

No STF, o pacto pode não encontrar respaldo. Ministros ponderam que nem sempre o presidente da Corte, Dias Toffoli, é seguido pela maioria dos colegas nos julgamentos de temas polêmicos. Ao GLOBO, o ministro Marco Aurélio disse que Toffoli não tem “procuração” para representar a Corte na articulação de um acordo com os demais Poderes. Ele também afirma que o acerto proposto por Bolsonaro não é viável do ponto de vista do Judiciário:

— Ele (pacto) não compromete de forma alguma o Judiciário, mesmo porque ele (Toffoli) não tem procuração para isso. O pacto é viável na área administrativa, mas na área jurisdicional não existe, porque o Supremo é um colegiado. O presidente (Toffoli) é o coordenador apenas desse colegiado. Não passaria pela minha cabeça preconizar um pacto e muito menos ir ao encontro dos demais chefes de

Poder, onde fosse, para debater esse pacto.

Embora as pautas até guardem semelhanças com as defendidas pelo Congresso, o clima na Casa também é de desconfiança. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já condicionou a assinatura do documento ao apoio dos pares, não consultou sequer os líderes de forma objetiva sobre o tema, segundo relato de diversos parlamentares que conversaram ontem com a reportagem.

— Vamos ver o que posso assinar. Tenho que representar a maioria — limitou-se a dizer Maia ontem.

No Congresso, as críticas tiveram como alvo a forma e o conteúdo do futuro acordo, que até agora não passa de um ato simbólico do Planalto. O líder do PR, Wellington Roberto, afirmou que não houve qualquer conversa sobre o assunto. O parlamentar participou de um almoço com Maia pouco depois da reunião com Bolsonaro e mantém contato frequente com o presidente da Câmara.

— Não tem nada. Vamos continua votando as pautas de interesse do país. Não vamos ser submissos. Todos nós fomos eleitos para votar com seriedade o que for de interesse da população — diz Wellington Roberto.

Oposição questiona

Para salvar a iniciativa, o governo desenha um documento em linhas gerais, sem entrar em especificidades que possam levar a resistências do Judiciário e Legislativo. A estratégia é garantir o compromisso de Toffoli, Maia e do Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O documento alinhavado pelos auxiliares de Bolsonaro deve se concentrar em cinco pontos: repactuação federativa, combate ao crime, reforma tributária, reforma previdenciária e desburocratização.

Líderes, reservadamente, destacam não ver nenhum gesto concreto do governo com a proposta do acordo e afirmam que os ataques feitos pelo presidente da República à classe política são recorrentes, sem sinal de que a postura será abandonada por completo.

O próprio Maia relatou a parlamentares, após a reunião com o presidente, não ter visto avanços concretos, mas apenas conversas genéricas, apesar da narrativa em torno de um suposto “pacto”. Ele mostrou incômodo também com a forma como o acordo foi proposto, com a presença de diversos ministros. O encontro, na sua visão, deveria ser restrito aos chefes de Poderes.

— Isso é um pato. Rodrigo nem falou disso com a gente, nem a gente com ele — diz o presidente do Solidariedade, Paulinho da Força (SP), um dos principais aliados do presidente da Câmara.

Ontem, sete partidos de oposição também decidiram atacar o movimento feito por Bolsonaro. As siglas fazem parte do chamado Fórum de Oposição, que tem se reunido quinzenalmente e é formado por PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB, Rede e PCB. Uma nota deve ser divulgada hoje.

De acordo com Carlos Siqueira, presidente do PSB, as legendas chegaram ao entendimento de que não cabe ao Legislativo e ao Judiciário elaborarem acordos:

—Foi uma visão crítica porque, na verdade, os Poderes não assinam pacto. O Congresso é representante de todos os partidos. Não concordamos com esse pacto conservador. Entendemos, por outro lado, que ao STF não compete assinar pacto político, porque, constitucionalmente, ele não pode entrar na questão político-partidária.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Associação de juízes reprova acordo de Dias Toffoli.

Daniel Gullino

Silvia Amorim

30/05/2019

 

 

Como temas relacionados a reformas podem ser julgados no STF, compromisso do ministro não deveria acontecer, diz Ajufe

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) divulgou nota ontem para “manifestar sua preocupação” com o “pacto” discutido na última terça-feira pelos presidentes dos três Poderes. O texto critica especificamente o apoio anunciado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, à reforma da Previdência, porque pontos da proposta podem ser julgados na Corte.

“Sendo o STF o guardião da Constituição, dos direitos e garantias fundamentais e da democracia, é possível que alguns temas da reforma da Previdência tenham sua constitucionalidade submetida ao julgamento perante a Corte máxima do país. Isso revela que não se deve assumir publicamente compromissos com uma reforma (...)”, diz o texto da Ajufe.

Especialistas também têm uma visão crítica do pacto. A avaliação é a de que, para pacificar as relações entre a Presidência, o Congresso e o STF e fazer caminhar a reforma da Previdência, é preciso mudança de posturas e não apenas a assinatura de um documento. Além disso, a adesão do ministro do STF ao pacto, dizem, é inadequada por causa de futuros julgamentos que podem ser feitos em função da proposta do presidente Jair Bolsonaro.

Sem maioria

Para o cientista político e coordenador do curso de Administração Pública da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV), Marco Antonio Teixeira, a iniciativa tende a ser mais da boca para fora do que apresentar efeitos práticos.

—(O pacto) Não me parece algo que vai além da retórica. Me pergunto se ele vai resistir à primeira tuitada — avaliou o professor, referindo-se a postagens provocativas de aliados do presidente em redes sociais contra o Congresso e o Supremo.

Cientista político do Insper, Carlos Melo considerou ilusória a proposta:

— O pacto entre os três Poderes já está estabelecido pela Constituição. Esse outro é chover no molhado, perda de tempo. Vejo mais como jogada de marketing do presidente para tentar reassumir protagonismo político do que efeito prático concreto.

Para os estudiosos, um acordo teria maior efetividade se construído com partidos em vez de mirar os representantes dos Poderes.

—O pacto deveria ser com os partidos. São os que têm votos para aprovar reformas. O próprio Rodrigo Maia deixou o encontro com Bolsonaro dizendo que tinha de conversar com as lideranças partidárias para se manifestar sobre um pacto —afirmou Teixeira.

—O presidente Bolsonaro deveria se preocupar em consolidar maioria no Congresso. É isso que vai aprovar a reforma — acrescenta Carlos Melo, do Insper.

Uma declaração de Bolsonaro feita horas depois do encontro com Maia, Davi Alcolumbre e Dias Toffoli foi vista pelos especialistas como sinal de que o “pacto de entendimento e metas” pode ter vida curta.

—O presidente propõe um pacto com os demais Poderes para superar a crise e, no mesmo dia, aparece dizendo que ele tem mais poder que o Congresso. Isso é, no mínimo, inabilidade política — afirmou o professor da FGV.

Na terça-feira à noite, Bolsonaro disse num evento com militares da Marinha que ele tinha a força da caneta, situação que o colocaria em condição de superioridade em relação ao Congresso.