Valor econômico, v.19 , n.4577 , 29/08/2018. Brasil, p.A3

 

Investimento estrangeiro deve ter 'pico' em agosto

Isabel Versiani, Alex Ribeiro e Hugo Passarelli

28/08/2018

 

 

Os investimentos estrangeiros diretos no país (IDP) devem registar, em agosto, o melhor mês desde janeiro de 2017. Para especialistas, porém, a quebra da tendência observada desde o início do ano foi provocada por operações pontuais e não muda o cenário de desaceleração da entrada de recursos no país.

Segundo o Banco Central (BC), o IDP está positivo em US$ 8,6 bilhões até o dia 23 e caminha para fechar o mês em US$ 9,5 bilhões, uma alta - se confirmada - de mais de 80% em relação ao mesmo mês de 2017. O avanço deve vir após meses de perda de fôlego. Em julho, o IDP foi de US$ 3,9 bilhões e, em 12 meses, US$ 64,1 bilhões, o que representa 3,25% do Produto Interno Bruto (PIB), ante 4,3% um ano antes.

"O IDP ainda é suficiente para financiar o déficit externo, mas vem caindo neste ano. O resultado de agosto é provavelmente proveniente de alguma operação no setor de infraestrutura", afirma Luis Afonso Lima, economista-chefe da Mapfre Investimentos e diretor presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet).

O chefe-adjunto do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Lemos, disse que, neste mês, foram registradas algumas operações mais expressivas, mas que ainda não há detalhes sobre os setores que mais receberam recursos. Em 12 meses, o saldo chegará a US$ 68,5 bilhões.

Para Lima, a redução do imposto corporativo por Donald Trump nos Estados Unidos e uma diminuição do fluxo global de IDP respondem, no front externo, pela redução da entrada de investimentos de longo prazo no Brasil. "São fatores estruturais que vieram para ficar", afirma. Já no cenário interno, têm pesado o fraco crescimento da atividade econômica e a incerteza sobre a sucessão eleitoral, destaca.

O BC começou o ano com a expectativa de que os investimentos diretos cresceriam mais de 10% no ano na comparação com 2017, chegando a US$ 80 bilhões. Em junho, a projeção foi reduzida em US$ 10 bilhões depois de um desempenho mais fraco que o esperado nos primeiros cinco meses do ano. Segundo o economista-chefe da Mapfre, a estimativa do BC ainda é otimista e, a depender da média observada até julho, pode ser difícil atingir os US$ 70 bilhões ao fim do ano.

Apesar de pontual, o desempenho do investimento direto contrasta com os fluxos das aplicações em carteira, que, muito mais voláteis, sofrem influências mais diretas dos humores eleitorais. Se, em julho, o mercado doméstico recebeu US$ 8,2 bilhões de investimentos estrangeiros em ações e renda fixa, em termos líquidos, em agosto esse movimento se inverteu, e US$ 7 bilhões deixaram o país, segundo o BC. Em 12 meses, esse fluxo, que era positivo em US$ 6,5 bilhões em julho, passou a ser negativo.

Exatamente por serem menos voláteis, é com os investimentos diretos - voltados para a ampliação de parques produtivos, compra de novas empresas ou a contratos de concessão - que o país conta para financiar suas transações correntes, que são a diferença entre o que é gasto e recebido no comércio de bens e serviços, pagamento de juros e lucros e transferências unilaterais.

Em julho, após quatro meses de superávit, o país registrou um déficit em transações correntes, no valor de US$ 4,4 bilhões, levando o saldo acumulado no ano a US$ 8,1 bilhões negativos. Para agosto, a projeção é de um novo déficit, de US$ 800 milhões. "O IDP segue financiando com larga margem de folga as transações correntes", disse Lemos, do BC.

Ele afirmou que o saldo em conta corrente no mês sofreu o impacto de uma operação de transferência de propriedade de uma plataforma de petróleo entre empresas do grupo Petrobras, no âmbito do programa Repetro. A operação gerou o registro de exportação no valor de US$ 1,2 bilhão e importação de US$ 3,3 bilhões. Sem a operação, o déficit em transações correntes teria sido US$ 2,1 bilhões menor. Em 12 meses até julho, o déficit somou US$ 15 bilhões, maior nível desde maio do ano passado, quando foi negativo em US$ 18,2 bilhões.

Os dados do BC mostraram, ainda, retração das despesas dos turistas brasileiros no exterior ante julho do ano passado, de US$ 1,879 bilhão para US$ 1,731 bilhão, a segunda baixa nessa comparação. Segundo Lemos, a retração é proporcional à valorização do dólar, ou seja, em reais, as despesas não caíram. Já os gastos de estrangeiros com viagens ao Brasil caíram levemente, de US$ 440 milhões para US$ 417 milhões. Com isso, o déficit da conta de viagens recuou ligeiramente, para US$ 1,314 bilhão.