Valor econômico, v.19 , n.4577 , 28/08/2018. Opnião, p. A13

 

Reforma tributária sobre o consumo

​Ernesto Lozardo

28/08/2018

 

 

São mais de 30 anos em que o sistema tributário brasileiro padece dos mesmos e de novos problemas: impostos em cascatas, excesso de novas normas que mudam regras tributárias, um cipoal de impostos e de novas alíquotas. Mesmo sabendo dessas distorções econômicas, continua-se insistindo em reformas similares com diferenças na forma e um pouco mais elaboradas. Em teoria, tornam o sistema tributário mais simples, mas com dificuldades de aceitação dos Estados e municípios. O IVA é um sistema de arrecadação aceito e existente em mais de 170 países.

Para o avanço da reforma tributária no Brasil, nos parece que algumas condições precisam ser satisfeitas. Qualquer reforma deve observar certas premissas ligadas tanto ao modelo de tributação sobre o consumo, quanto às peculiaridades da realidade brasileira. É neste sentido que o Ipea tem trabalhado em uma proposta de reforma tributária para implementação de um IVA-dual, cuja adoção poderá ser feita de forma separada e paralelamente no nível federal e no nível dos Estados e municípios.

A proposta leva em consideração o histórico das tentativas de reforma e parte da premissa de que chegamos atualmente a um impasse: por um lado, se a reforma for ampla, mesmo que tecnicamente perfeita, ela tende a causar grande conflito político e federativo e não é aprovada. Por outro lado, medidas pontuais são adotadas sob a alegação de uma estratégia de "fatiamento", mas que na verdade acabam por distorcer e piorar ainda mais o sistema tributário.

(...)

Parece-nos que não adianta mais insistirmos em uma reforma ampla com a criação de um tributo único substituindo todos os demais impostos e contribuições que incidem sobre o consumo. A proposta do Ipea vai no sentido de que a melhor estratégia para se avançar na reforma tributária é partir de um procedimento modular, a ser realizado em diferentes níveis e de forma separada, mas perfeitamente coordenada.

Na esfera federal, a ideia seria transformar os atuais impostos e contribuições PIS, Cofins, IPI e Cide sobre consumo em um IVA-Federal no destino, mais impostos seletivos. Nas esferas estaduais e municipais, a proposta defende a união do ICMS e o ISS, adotar o princípio de destino e criar um IVA-Estadual, mais um imposto seletivo, e no caso dos municípios, haveria o imposto sobre venda no varejo (IVV). Este último teria uma alíquota compartilhada entre Estados e municípios. Neste modelo, União, Estados e municípios manteriam suas competências tributárias, o que respeita o pacto federativo constitucional e facilita o processo de aprovação.

Para as empresas, a cobrança de um IVA federal e estadual não traria complexidade adicional, devido ao fato de pagarem um IVA cuja alíquota seria a soma da alíquota federal mais a estadual. A mesma lógica vale para os impostos seletivos federais e estaduais. Uma vez que a base de cobrança é a mesma, as empresas pagariam um único imposto seletivo com alíquotas contemplando as parcelas federal e estadual.

A reforma que propomos não parte do princípio de uma estratégia do tipo "tudo ou nada". Pelo contrário, por um lado, etapas intermediárias podem ser aprovadas sem o risco de dependerem de reformas mais profundas, difíceis de serem aprovadas. Por outro lado, ao se ter a visão do todo, bem como do fim onde se quer chegar, as medidas iniciais e intermediárias não representam meros ajustes ou "reformas fatiadas", mas fazem parte de um norte bem definido e coordenado com as anteriores.

Este é o principal diferencial da proposta do Ipea com relação às demais: o nosso modelo respeita o pacto federativo constitucional brasileiro, o que implica dar competência tributária igualmente à União, Estados e municípios. A competência tributária envolve a prerrogativa de criar e regular os tributos. Delegar aos Estados e municípios a simples escolha da alíquota, arrecadação e o recebimento de toda ou parte da respectiva receita não é suficiente para satisfazer o postulado constitucional de competência tributária dos entes federativos.

O histórico das reformas mostrou que o que parece importar, tanto quanto a manutenção das receitas, é a prerrogativa de regular de forma ampla o tributo (conceder isenções e regimes especiais, estabelecer alíquotas etc). Assim, as propostas de reforma que modificam esta prerrogativa têm grandes chances de não terem êxito político. A proposta do Ipea possibilitaria alterações de alíquotas do IVV por parte dos Estados e municípios. Dessa forma, a proposta não tiraria desses entes federados a possibilidade de realizarem politicas próprias de desenvolvimento, pelo lado da demanda.

O imposto sobre o valor agregado tem se mostrado no mundo todo a melhor técnica de arrecadação dos tributos indiretos. A utilização de novas tecnologias como a nota fiscal eletrônica e o SPED pode facilitar a arrecadação e fiscalização, resolver a questão da repartição de receitas entre Estados e a necessidade de integração dos fiscos, além de facilitar o cumprimento das obrigações tributárias por parte do contribuinte, reduzindo fraudes e consequentemente aumentando a arrecadação.

É imperativo que a tributação sobre o consumo por meio de um IVA seja única, ou seja, sem a existência de regimes especiais de arrecadação ou alíquotas diferenciadas para certos setores ou produtos. Diferenciações de alíquotas e adoção de regimes especiais criam sérias distorções e incentivos indesejáveis tanto na tributação em si, quanto no mercado.

Adoção de um IVA-Dual, com mudanças de forma modular, respeito ao pacto federativo e implementação de um modelo IVA baseado nos melhores modelos internacionais, consiste em premissas que o Ipea acredita que poderão possibilitar uma reforma tributária eficaz, simples e de conhecimento internacional.

 

Ernesto Lozardo é presidente do Ipea