Valor econômico, v.19, n.4579, 30/08/2018.Brasil, p. A5

 

Mercado de trabalho fraco compromete retomada

Sergio Lamucci

30/08/2018

 

 

O comportamento do mercado de trabalho tem decepcionado, mostrando um desempenho ainda mais fraco do que o sugerido pela lenta queda da taxa de desemprego desde o fim da recessão. Uma análise mais detalhada indica que essa frustração com o emprego dificulta uma recuperação mais forte da economia, além de trazer consequências estruturais preocupantes.

Uma fatia expressiva dos trabalhadores - mais de 3 milhões de pessoas - se encontra desempregada há mais de dois anos, o que tem efeito negativo sobre o crescimento potencial do país (aquele que não acelera a inflação), como aponta estudo da A.C. Pastore & Associados. Além disso, dados anualizados do primeiro semestre mostram queda da população ocupada, com perda de 371 mil vagas. No período, houve queda de 656 mil empregos com carteira assinada, também em termos anualizados, segundo cálculos da consultoria.

"O crescimento do emprego é fundamental para acelerar uma recuperação cíclica, mas infelizmente isso não vem ocorrendo no Brasil", resume relatório da A.C. Pastore. A consultoria nota que a taxa de desemprego com ajuste sazonal caiu pouco desde o término da recessão, no quarto trimestre de 2016, recuando de 13% para 12,3% no segundo trimestre deste ano.

Um exame atento do mercado de trabalho mostra que a melhora é ainda mais tímida do que a indicada por essa trajetória, aponta o economista Marcelo Gazzano, da A.C. Pastore. Os reflexos do problema aparecem na percepção dos consumidores sobre o mercado de trabalho, afetando o consumo.

"A queda da taxa de desemprego decorreu quase que integralmente do aumento do número de trabalhadores informais e por conta própria, e pela saída de indivíduos da força de trabalho diante da falta de perspectiva de encontrar um emprego", destaca a consultoria do ex-presidente do Banco Central (BC) Afonso Celso Pastore. Gazzano nota que, em 2017, a população ocupada registrou um crescimento de 1,7 milhão de vagas, depois de dois anos de encolhimento.

"Mas, quando se olha a abertura do que ocorreu no ano passado, o número não fica tão bonito", ressalta ele. Foram criados 598 mil empregos sem carteira e 1,069 milhão por contra própria, ao passo que foram perdidas 684 mil vagas com carteira assinada.

Em 2018, a história é pior, segundo Gazzano. No primeiro semestre deste ano, o número de ocupados com carteira assinada voltou a cair, diz ele. "O único alento veio da pequena elevação de empregos de pior qualidade, mas não impedindo a queda da população ocupada total", aponta o relatório da A.C. Pastore.

Nas contas da consultoria, a população de ocupados encolheu em 371 mil vagas no primeiro semestre, considerando o número anualizado com ajuste sazonal. Para chegar a esse cálculo, a consultoria compara os dados ajustados sazonalmente do segundo trimestre deste ano com os do fim de 2017, multiplicando o resultado de cada categoria por dois, para anualizá-los.

Por esse critério, houve queda de 656 mil empregos com carteira assinada, recuo de 101 mil por contra própria e aumento de 178 mil sem carteira. Também houve a geração de 168 mil vagas de empregadores - aqueles que têm uma empresa com pelo menos um funcionário. As contas se baseiam nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domícilios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Gazzano também cita dados da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostrando que o percentual de consumidores que dizem estar mais difícil encontrar emprego flutua em torno de 90% desde o fim de 2015.

Esses fatores os tornam mais prudentes na hora de consumir, afirma Gazzano. Para a A.C. Pastore, a economia deve crescer 1% neste ano, com o consumo das famílias avançando 1,8%. No momento de maior otimismo em relação ao desempenho da atividade em 2018, a consultoria chegou a projetar crescimento do PIB de 3% e de 3,3% para a demanda das famílias.

O economista Thiago Xavier, da Tendências Consultoria Integrada, observa que o trabalhador no setor informal tem menos acesso ao crédito do que aquele que tem carteira assinada. Decisões de consumo que envolvam financiamentos de prazos mais longos acabam comprometidas, diz Xavier.

Para ele, o menor dinamismo no mercado de trabalho se deve em parte ao desempenho mais fraco de setores mais importantes para a geração de empregos, caso dos serviços e da indústria. Outro ponto é o aumento de incertezas provocadas pela greve dos caminhoneiros e pela proximidade de uma eleição presidencial totalmente em aberto.

Ao comentar os motivos da lenta melhora do mercado de trabalho, Gazzano diz que a crise econômica mais recente afetou o balanço de empresas e famílias, que estavam muito envidadas. A recuperação de recessões desse tipo é mais lenta. Além disso, o quadro político é uma fonte de incerteza, afirma Gazzano, observando ainda que as perspectivas de crescimento para os próximos anos pioraram, o que tem impacto negativo sobre decisões de investimento.

O estudo da A.C. Pastore também chama a atenção para o número expressivo de trabalhadores desalentados, aqueles que não procuram trabalho, mas gostariam de trabalhar ou estariam dispostos a isso. Eles subiram de 1,5 milhão no fim de 2014 para 4,8 milhões no segundo trimestre de 2018.

"Se adicionarmos ao pessoal desocupado os trabalhadores subocupados [indivíduos que trabalham menos de 40 horas semanais e gostariam e/ou estavam disponíveis para trabalhar mais] e os desalentados, não há qualquer melhora na taxa de desemprego", diz o estudo da A.C. Pastore. "Na realidade, há um crescimento, com a taxa saindo de 20,8% ao final de 2016 para 22,1% no segundo trimestre de 2018". Os números têm ajuste sazonal.

Gazzano também considera preocupante o fato de uma parcela considerável de trabalhadores estar desempregada há muito tempo. Há mais de 3 milhões de pessoas procurando emprego há mais de dois anos - no começo da recessão, esse número era de 1,2 milhão. "Além dos prejuízos pessoais incorridos diretamente pelos desempregados, há um custo social - a perda de habilidade gerada pela inatividade -, que tende a reduzir a produtividade do trabalho, afetando negativamente o crescimento do PIB potencial", diz o estudo. Isso prejudica a capacidade de o país crescer a taxas mais elevadas de modo sustentado.

Em julho, o saldo entre contratações e demissões no mercado formal foi de 47,3 mil, segundo números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Foi o melhor resultado para o mês de julho em seis anos. Para Gazzano, porém, o resultado não muda a avaliação sobre o mercado de trabalho. "A criação de vagas em julho está dentro de uma trajetória de lenta recuperação", diz ele. Pelo ajuste sazonal da A.C. Pastore, o saldo líquido de postos de trabalho foi de 20,6 mil - em junho, os números dessazonalizados apontaram perda de 22,9 mil vagas. Entre outubro de 2017 e janeiro deste ano, houve uma criação mensal de 46 mil vagas, na série com ajuste sazonal. De fevereiro a julho, porém, a média caiu para 9,1 mil.

No cálculo dos economistas do Bradesco, o Caged apontou a geração líquida de 7,9 mil postos de trabalho em julho. Na avaliação do banco, "o resultado de julho é compatível com um quadro de melhora do mercado de trabalho, ainda que de forma bastante lenta, e continua sugerindo ausência de pressões inflacionárias advindas dos salários". A tendência vislumbrada pelo Bradesco para os próximos meses é de que a "recuperação se manterá de forma gradual e volátil". Como se vê, um cenário que não deve levar a um impulso significativo para o consumo.