Correio braziliense, n. 20414, 12/04/2019. Política, p. 2

 

Cargos vagos na mira do Planalto

Rodolfo Costa

12/04/2019

 

 

Governo/ Na cerimônia dos 100 dias do presidente Jair Bolsonaro no poder; uma das 18 medidas anunciadas por ele atinge diretamente os servidores. Ideia é aumentar a eficiência na Esplanada, segundo os discursos. Ações incluem Banco Central, Bolsa Família, educação e drogas

O presidente Jair Bolsonaro assinou, ontem, um decreto que atinge em cheio a Esplanada dos Ministérios. O dispositivo extingue cargos efetivos vagos e que vierem a vagar dos quadros de pessoal da administração pública federal. O pretexto argumentado pelo governo é de que a medida visa modernizar o Estado, adequando a estrutura de cargos às “exigências” da sociedade por serviços eficientes e uso racional dos recursos públicos, embora não estabeleça regras sobre como a decisão pode melhorar a qualidade da prestação de serviços e da máquina pública.

A medida contempla um pacote de 18 instrumentos normativos assinados por Bolsonaro em cerimônia alusiva aos 100 dias de governo realizada no Palácio do Planalto. O decreto não está contemplado nas 35 ações estabelecidas em janeiro pelo governo, mas vai em linha com o Decreto nº 9739/2019, que definiu critérios mais rigorosos para solicitação de concursos, sob argumento de buscar mais eficiência administrativa.

O termo eficiência, por sinal, é expresso em três ocasiões no conjunto de propostas, que se dividem entre 13 decretos, quatro projetos de lei complementar e um termo de compromisso. A busca pela efetividade na administração pública é partilhada pelo decreto do “revogaço”, que cancela 250 outros decretos considerados por Bolsonaro como “desnecessários”. “Temos uma parafernália de instruções normativas, resoluções, portarias e acordos interministeriais que, hoje, se avolumam em 14 mil decretos numerados e, pasmem, mais de 13 mil não numerados”, declarou o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. O governo também pretende eliminar conselhos federais — hoje são cerca de 700, mas o número pode cair para 50.

Na Esplanada, serão extintos 13 mil cargos abertos e que vierem a ficar vagos na administração federal. De acordo com o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, são funções que se tornaram obsoletas, como jardineiro, mestre de lancha, atendente bilíngue, operador de máquinas agrícolas, artífice de artes gráficas e auxiliar de enfermagem. Do total, 12.315 já estão desocupados e serão suprimidos imediatamente.

As funções eram, em grande parte, ocupadas por servidores de nível intermediário ou auxiliar — ainda há 916 em alguns desses cargos na administração e serão extintos quando os funcionários se aposentarem. O órgão mais afetado será o Ministério da Saúde, com 11.420. Serão extintos cargos vagos de agente de saúde pública, auxiliar de enfermagem e guarda de endemias. “Agente de saúde pública e guarda de endemias desempenham atividades que passaram a ser exercidas pelos estados”, explica Lenhart. Ele ressalta ainda que outras rodadas de “limpeza” de cargos virão. A meta do governo é ter uma estrutura de cargos mais enxuta. No briefing da entrevista que ocorrerá hoje para falar das extinções, o recado é claro: “Hoje, existem mais de 700 mil cargos efetivos. Destes, cerca de 250 mil estão vagos, e, portanto, poderiam vir a ser providos.”

Eficácia

A argumentação da eficácia é citada pelo governo também na proposta da autonomia do Banco Central (leia mais na página 7), que espera com o projeto de lei assinado ontem o aumento da produtividade, da eficiência na economia e, em última instância, do crescimento sustentável. O outro decreto que trata sobre efetividade é o que possibilita a doação de bens móveis para o governo, sob o pretexto de, com uma atuação socialmente responsável, estimular o fomento e o engajamento colaborativo entre sociedade e o governo.

Decretos, leis assinadas e metas apresentadas pelo governo são distribuídos em cinco grupos: institucional, econômico, social, infraestrutura e meio ambiente. No social, o governo confirmou o pagamento da 13ª parcela do Bolsa Família e entregou o projeto que regulamenta a educação domiciliar, o chamado homeschooling (leia mais sobre os assuntos na página 3). Em setembro de 2018, ainda durante o governo do ex-presidente Michel Temer, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os pais não podem tirar filhos da escola para ensiná-los em casa. Nesse último caso, a medida virá como projeto de lei, para que tenha vigência imediata.

Mesmo sob formato de projeto de lei, Lorenzoni prevê dificuldades na aprovação por resistências de parlamentares “de esquerda”. Alfinetadas à oposição e os governos anteriores, sobretudo do PT, deram a tônica quando o chefe da Casa Civil explicou o termo de compromisso assinado para implementar o sistema de compliance dentro dos ministérios da Saúde e da Agricultura, geridos pelos deputados de carreira Luiz Henrique Mandetta e Tereza Cristina, ambos do DEM. A ideia é que o governo dê o exemplo no combate à corrupção. “Para, exatamente, mudar a cultura que, durante décadas, foi completamente afastado daquilo que é um bom, serviço público, que é servir à cidadania”, declarou.

O discurso de campanha também norteou parte do discurso de Bolsonaro. Ele disse que o governo pretende trabalhar com foco na valorização das famílias, nos valores cristãos, na educação de qualidade e sem viés ideológico. No Meio Ambiente, entretanto, o governo carregou parte da ideologia defendida pela gestão, que se diz contra o “ativismo ambiental”, ao alterar a conversão de multa simples em serviço de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.

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Perigo na falta de reposição

 

 

 

Vera Batista

12/04/2019

 

 

 

Se as intenções do governo se concretizarem, com o travamento de concursos públicos e a não substituição de funcionários aposentados, o Executivo federal corre o risco de diminuir a produtividade nos próximos cinco anos, mesmo que a atual gestão dedique um robusto percentual do orçamento em tecnologia e inovação. Pelos dados do Ministério da Economia, em 2023, a população poderá contar com apenas 53,7% do atual efetivo — 621.421 profissionais ativos. Em 2019, 67.822 servidores estão em condições de se aposentar. No ano que vem, serão mais 68.837. Em 2021, outros 14.007 poderão vestir o pijama. Quantidade que sobe para 14.360 e 14.135, em 2022 e 2023, respectivamente.

No total, seriam 179.161 pessoas a menos no fim do próximo quinquênio. Porém, é importante lembrar que mais de 108 mil funcionários estão no abono permanência (continuam trabalhando, mas sem o desconto da Previdência nos salários). Sendo assim, somados, no total, 287.161 servidores federais se afastarão até 2023. A máquina pública enxuta tem grande apelo para sociedade, cansada dos privilégios e da duvidosa contrapartida na qualidade no atendimento. Porém, até os mais ferrenhos críticos das benesses recebidas por algumas classes admitem que, nesse ritmo, o governo pode não elevar a eficiência e a produtividade.

À medida que a população cresce, o número de profissionais no serviço público tem que acompanhar. Em 2017, a população brasileira era de 207,3 milhões de pessoas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, a população cresceu 0,82% (208,4 milhões). “Efetivamente, não vai ser possível fazer atendimento de forma satisfatória com esse número reduzido de pessoas na administração federal”, afirma Emerson Casali, especialista em relações de trabalho. Assim, Casali acredita que o governo terá de encontrar um meio de sanar o dilema, “nem que seja na forma de incentivo para que as pessoas trabalhem por mais tempo”.

Paulo César Régis de Souza, vice-presidente executivo da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social (Anasps), há anos denuncia o caos no INSS. Para ele, o INSS Digital, no qual o beneficiário marca consultas e atendimento pela internet, seria razoável, não fossem as brechas no sistema e a previsão de contratação de mão de obra terceirizada para suprir os aposentados. “Não adianta criar um superministério da Justiça e da Segurança Pública, para fora da administração, e deixar que terceirizados com salários miseráveis acessem dados sigilosos e, assim, se exponham aos corruptores”, disse Souza, que teme pela substituição de concursados por estagiários e a falta de treinamento. “O treinamento é no balcão, no dia a dia. Imagine como será o atendimento desse pessoal sem qualificação? A sociedade é que vai pagar o preço disso tudo”.