Correio braziliense, n. 20414, 12/04/2019. Cidades, p. 19

 

TRE cassa mandato do distrital José Gomes

Ana Viriato

12/04/2019

 

 

Legislativo/ Parlamentar do PSB é acusado de abuso de poder econômico ao coagir funcionários da própria empresa a votarem nele nas últimas eleições. Na prática, no entanto, ele só perderá a função se também for condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral

Em tempos de discussão sobre novas formas de fazer política, estreou mal o empresário José Gomes (PSB), eleito distrital com 16,5 mil votos. Por unanimidade, o parlamentar teve o mandato cassado, ontem, pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) no Distrito Federal devido à acusação de abuso de poder econômico na corrida eleitoral de 2018. Conforme o entendimento da Corte, ficou comprovada a coação de funcionários da empresa Real JG Serviços Gerais, à época de propriedade do socialista, para que votassem no então candidato à Câmara Legislativa. Para que Gomes deixe o cargo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) precisa ratificar o entendimento.

O julgamento do parlamentar começou em 19 de março, mas foi suspenso após pedido de vista do desembargador Telson Ferreira para análise do processo. Naquele dia, três magistrados haviam votado a favor da cassação do deputado. Ontem, outros três seguiram o entendimento.

Em parecer pela condenação de José Gomes, o Ministério Público Eleitoral (MPE) afirmou que o processo reúne “exauriente dilação probatória” de que, desde que o empresário lançou a candidatura, funcionários “foram submetidos a odioso processo de assédio e coação para manifestarem apoio político em favor daquela candidatura sob pena de virem a sofrer prejuízos em suas relações de emprego”. A peça é assinada pelo procurador regional eleitoral Jairo Gomes.

Conforme o MPE, Gomes teve participação direta nos episódios de abuso de poder, pois compareceu, pessoalmente, às reuniões com empregados, “servindo sua mensagem como inspiração e diretriz para ações de demonstração de lealdade e servidão por parte dos terceirizados”. “Muitos, certamente, optaram pela manutenção do emprego, em detrimento da liberdade do sufrágio”, destaca o parecer.

Em nota, a assessoria de Comunicação de José Gomes informou que a defesa recorrerá ao TSE. “O parlamentar reafirma que acredita na atuação do poder Judiciário e na comprovação de sua inocência”, informa o texto. Caso a Corte confirme a condenação e o distrital deixe a cadeira do Legislativo local, a ex-distrital Luzia de Paula (PSB), que, com 9.482 votos, não conseguiu a reeleição, assume o posto.

Cadastro

A representação, apresentada pelo distrital Chico Vigilante (PT) e ratificada pelo MPE, detém áudios de reuniões, nas quais altos funcionários da empresa Real JG cobravam os trabalhadores sobre a escolha do concorrente à Câmara Legislativa.
Em um dos áudios, atribuídos a Douglas Ferreira de Laet, primo de Gomes e gerente da Real JG, ele diz que tem o número do título de eleitor dos funcionários e que controlará o total de votos em cada seção eleitoral. “Só para deixar claro: eu tenho o título de eleitor de vocês, sei a zona onde vão votar e sei quem vai trair e não vai trair, na Real, o senhor José Gomes. Sei quem vai dar tapinha nas costas e sei quem no dia não vai estar. Porque, se naquela zona, ‘tinha’ que votar 10 e ‘votou’ só nove, alguém ficou de fora”, ameaça Douglas. Em depoimento ao TRE, Douglas confirmou ser a pessoa gravada no áudio, mas questionou a transcrição de alguns trechos.

Em outubro do ano passado, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, enviou ofício ao desembargador Waldir Leôncio Júnior, relator do processo contra o distrital no TRE. A documentação reunia a cópia de um processo administrativo aberto na Corte e imagens em mídia.

Na denúncia apresentada ao STJ, terceirizados da Real JG deram detalhes sobre a coação. “Os supervisores obrigaram os ascensoristas a preencherem uma ficha com todos os dados, incluindo o título de eleitor, alegando que seria um cadastro normal. Na sexta-feira, 1º de junho, pelo turno diurno, um supervisor fez uma reunião com a equipe para informar que ‘era melhor que votassem no candidato, para que não fossem demitidos’”, descreve um trecho.

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Outras instâncias

12/04/2019

 

 

 

 

O episódio também causou desdobramentos na esfera trabalhista. O Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT) moveu ação civil pública por assédio moral contra a Real JG Serviços Gerais. Na peça, a Procuradoria pede a condenação da empresa ao pagamento de R$ 150 mil em indenização por dano moral coletivo.

O órgão ministerial recebeu oito denúncias sobre irregularidades trabalhistas na empresa. Nas peças, os trabalhadores relataram, por exemplo, que tiveram de carregar bandeiras e postar mensagens de apoio nas redes sociais sob a ameaça de demissão. Para a procuradora que assina a petição inicial, Ludmila Reis Brito Lopes, “a conduta da empresa é lesiva e violadora de direitos”. O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) também recebeu denúncias sobre o caso.

Corregedor

Na Câmara Legislativa, José Gomes atua como corregedor. Ou seja, é dele a responsabilidade de “zelar pelo decoro parlamentar, a ordem e a disciplina no âmbito da Câmara Legislativa; realizar investigação prévia de qualquer fato que represente infração ao Código de Ética e Decoro Parlamentar; e inspecionar, periodicamente, os processos referentes às proposições apresentadas na Casa”, conforme o regimento interno da Casa. De acordo com as funções do cargo, o corregedor é quem dá o primeiro parecer sobre os processos de cassação, que, depois, passam para as mãos da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. No caso de José Gomes, se um distrital representar contra ele, a denúncia passaria às mãos de outro colega.

Em dois meses de atuação, o parlamentar protocolou 10 projetos de lei e cinco projetos de emenda à Lei Orgânica. O empresário tem 36 anos e declarou à Justiça Eleitoral bens que somam R$ 33,8 milhões. A empresa Real JG Serviços Gerais recebeu R$ 258 milhões do Governo do Distrito Federal desde 2013 e tem contratos com as secretarias de Agricultura, Fazenda, Educação, Trabalho, Planejamento, Detran, DFTrans e DER. Ao assumir o mandato, Gomes teve de deixar o comando da firma.