Valor econômico, v.19, n.4591, 18/09/2018. Brasil, p. A3

 

Leilão de térmicas no NE divide o setor 

Camila Maia

Rodrigo Polito 

18/09/2018

 

 

Reive Barros: Nordeste tem energia, mas não tem potência, consequentemente é importante ter geração térmica

O polêmico leilão de termelétricas na região Nordeste está enfrentando dificuldades para sair do papel. O motivo, segundo o Valor apurou, é a falta de acordo dentro da equipe energética do governo, dividida entre aqueles que apoiam o certame, visto como necessário para garantir a segurança energética e a estabilidade da rede na região, e outro grupo, que considera mais importante investir em transmissão e na integração do Nordeste com o restante do país.

De um lado, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Reive Barros, tem sido o principal defensor do leilão, acompanhado por aqueles que consideram importante a contratação das térmicas mais eficientes para garantir a segurança energética no Nordeste e reduzir o preço da energia na região.

A falta de transparência em torno do modelo do certame, contudo, é motivo de resistência nas áreas técnicas da equipe energética do governo. Representantes do Ministério de Minas e Energia (MME) têm falado sobre o leilão com frequência nos últimos meses, mas não há disponível um documento público sobre o tema, aumentando as críticas sobre a falta de transparência, especialmente no contexto de ano eleitoral. Segundo fontes, a ordem no MME hoje é se esquivar do tema para evitar que a polêmica cresça.

O maior problema apontado pelos críticos está na remuneração das usinas. As distribuidoras já contrataram a demanda projetada para os próximos quatro a seis anos. Uma saída considerada é pagar os geradores via encargo, valor coberto pelos consumidores por meio das tarifas. Ainda não há, contudo, modelo definido para a comercialização dessa energia, o que indica a necessidade de uma discussão mais ampla com a sociedade sobre a forma de pagamento e de contratação das novas usinas.

A ideia de fazer o leilão de termelétricas ganhou força quando os grandes projetos do tipo ficaram de fora do leilão A-6, no fim de agosto.

Como o Nordeste é em grande parte atendido por termelétricas antigas e ineficientes, movidas a óleo combustível, ganhou força o plano de substituí-las por novas usinas, mais baratas e eficientes, a gás natural, uma fonte mais limpa. As concessões dessas usinas vencem nos próximos anos, o que abriria espaço para substituição, mas a garantia física já está sendo trocada por outras fontes pelas distribuidoras por meio dos leilões de geração mais recentes.

Segundo Barros, considerando o cenário de escassez hídrica e a dependência grande da região de fontes renováveis, que operam com intermitência, foi identificada a necessidade de implantação de mais térmicas. "Verificamos que a geração no Nordeste tem energia, mas não tem potência. Então, consequentemente, é importante que nós tenhamos geração térmica", disse.

Não se trata apenas da questão da energia, que seria resolvida por meio de investimentos mais robustos em transmissão, trazendo a energia de outras regiões que contam com grande geração hidrelétrica. "Mas transmissão não traz inércia, que é a massa girante da máquina que dá estabilidade ao sistema", disse Xisto Vieira Filho, presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Termelétrica (Abraget), entidade favorável ao leilão.

Segundo Vieira, o sistema no Nordeste está cada vez mais instável, pois as fontes renováveis têm picos de geração e momentos em que não funcionam, por falta de vento ou sol.

"Provamos com estudos da mais alta qualidade que é necessária a geração térmica no Nordeste. O problema é como viabilizar a comercialização da energia, definir quem paga a conta", disse Vieira. Segundo ele, uma possibilidade é que a geração dessas usinas realmente seja paga pelos consumidores, via encargo. Outra, seria cobrar das fontes intermitentes, que hoje são subsidiadas. Esses recursos podem ser destinados ao custeio das térmicas no futuro.

Embora ainda não exista definição sobre o modelo de contratação e remuneração dessas usinas, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, disse ser positiva a proposta de substituir as térmicas mais caras.

"A proposta é benéfica para o setor elétrico brasileiro pelo fato de que o parque térmico que temos contratado hoje possui CVU [custo de geração] elevado e níveis de emissões elevados também", disse Pepitone. Segundo ele, os índices tarifários estão altos, o que incomoda e preocupa a Aneel.

Para garantir redução nas tarifas, um grupo defende que as novas térmicas entrem como substituição das antigas a óleo. Há também quem afirme que as distribuidoras estão sendo excessivamente conservadoras nas projeções de demanda e que uma recuperação repentina da economia pode fazer com que ainda haja espaço para novas térmicas a gás.

O presidente do conselho de administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Rui Altieri, disse ser favorável à realização do leilão de substituição. Segundo ele, porém, é importante observar o vencimento dos contratos, para contratar novas térmicas a gás apenas depois de vencidos os prazos das usinas anteriores.

A ideia do leilão passa também por um incentivo à autossuficiência regional. "A visão que temos é que as regiões sejam autossuficientes energeticamente", afirmou Reive Barros. "Com isso, vamos maximizar o aproveitamento de geração de energia das fontes onde cada região está vocacionada. Nós identificamos hoje uma oferta muito grande de geração eólica e solar no Nordeste. Será incentivado a continuar a maximização dessas fontes. Entendemos também que essas fontes renováveis, apesar de importantes, têm característica de intermitência."

Entre os contrários às térmicas, o argumento da autossuficiência também é alvo de críticas, pois o conceito é tido como oposto ao que o Brasil buscou historicamente, com leilões de geração centralizados e instalação de uma rede robusta de transmissão. "A medida corresponde a uma quebra de paradigma do setor elétrico brasileiro e a um retrocesso quando comparada à integração energética buscada em sistemas mundiais. Não pode ser tomada em um fim de governo sem amplo debate com a sociedade", disse uma fonte do setor elétrico que preferiu falar sob condição de anonimato.

O caráter político da decisão também é alvo de críticas dentro do próprio Ministério de Minas e Energia. "Um leilão regional é contra tudo o que o mundo faz", disse uma autoridade, que também pediu para não ser identificada.

Segundo o presidente da EPE, o assunto do leilão está hoje no Ministério de Minas e Energia, que vai definir quando acontecerá a disputa.

O Valor apurou que o ministro Moreira Franco é favorável ao certame, mas enfrenta resistência no ministério. O Tribunal de Contas da União (TCU) questionou o governo sobre o leilão. Nota técnica deve ser entregue ao TCU nos próximos dias. Será o primeiro documento público sobre o tema a ser disponibilizado.