Valor econômico, v.19, n.4591, 18/09/2018. Empresas, p. B1

 

País precisa de política industrial, diz presidente 

Renato Rostás 

18/09/2018

 

 

Qualquer movimento do governo brasileiro mostrando que haverá regras mais claras e estáveis para o investimento em infraestrutura já atrairia grande volume de capital para esse fim, aposta Harry Schmelzer Júnior, presidente da WEG. Ao Valor, ele disse ser essencial uma política de conteúdo nacional e a participação do BNDES no financiamento. Confira os principais trechos da entrevista:

Valor: O senhor acredita que a judicialização nos últimos leilões de energia diminuiu a atratividade do investidor? Como resolver?

Harry Schmelzer Jr: É algo que tem sido muito pleiteado pelas associações, uma regulamentação mais clara, que não permita judicialização. E não só em energia. Isso, com certeza, estará na pauta de qualquer presidente eleito. A única saída, além de cuidar do déficit público, da Previdência Social e da reforma tributária, é unir o presidente, o Congresso, as agências e criar algo de fato mais seguro para o investidor. Só mostrarem que vai ficar melhor, começar algum movimento, a cada passo virá mais investimento para o Brasil. E o país precisa do capital privado, dado que o governo hoje não tem dinheiro para investir ou tem muito pouco. E com o investimento vindo, eu defendo que haja uma política industrial.

Valor: O senhor defende uma política de conteúdo nacional?

Schmelzer: O Brasil não pode deixar o termo 'conteúdo nacional' ganhar essa carga negativa. Não adianta demonizar políticas de governo que deem preferência à compra da indústria nacional. Parece o mágico, não é? Ele tenta mostrar para você algo para que você preste atenção naquilo, mas o que está acontecendo está do outro lado. O mais importante é o Brasil criar condições para as indústrias serem competitivas. Tem de vir o investimento em infraestrutura, mas manter uma política para que indústria brasileira participe, capture esses investimentos. Depois dessa fase, a indústria dá continuidade ao crescimento econômico do Brasil e a própria infraestrutura criada vai ajudar nas exportações lá na frente. Acho que o BNDES tem que dar financiamento para produtos fabricados no Brasil em condições mais favoráveis do que o mercado, porque o mercado financeiro no Brasil é caro. Defendo que haja isso, mas não a vida toda. O mundo inteiro faz políticas para desenvolver tecnologias, trazer inovação, e isso passa por movimentos do Estado. Eu não acredito na divisão 100% entre Estado e mercado. Existe sempre um Estado tentando incentivar, motivar, para fazer o mercado se fortalecer. É a velha história: o que tem de ser feito é uma coisa, mas como fazer é outra. Não foi bem feito. Agora, não vai haver competitividade se o governo falar 'se vire aí, vou até complicar mais'. Sobram alguns, mas acho que ficam poucos. E a mágica hoje é transformar isso tudo na palavra 'proteção'.

Valor: Mas o que [o presidente americano] Donald Trump faz não é exatamente protecionismo?

Schmelzer: A economia dos Estados Unidos está um absurdo de boa. Não sei se é por causa do Trump, até porque na minha opinião ele usa uma dose muito alta. Mas o povo americano tem apoiado. Sei porque fabrico lá. O americano paga uma diferença pelo 'made in USA', dão preferência. A verdade é que o Brasil sempre esteve na contramão, infelizmente. Quando o mundo inteiro está se fechando, o Brasil quer abrir. Esse é nosso problema. E não existe uma política de desenvolvimento de verdade, de quatro anos. Tem que ser algo mais a longo prazo. Nos últimos anos, tem dado errado, não foi bem feito, de fato. Um bom exemplo, porém, foi a política de fabricar aerogeradores no Brasil. Foi um sucesso, atraiu empresas de vários países e a WEG se desenvolveu. Agora, o Brasil é extremamente competitivo e seremos exportadores dessa tecnologia.