Valor econômico, v.19, n.4591, 18/09/2018. Empresas, p. B4

 

Cemitério atrai setor privado, mas há lacunas

João José Oliveira 

18/09/2018

 

 

Empresas que administram cemitérios ou prestam serviços funerários têm interesse em disputar a concessão de 22 cemitérios municipais e do crematório da Vila Alpina na maior cidade do país. Mas há um longo caminho a ser percorrido. Falta um marco regulatório, ainda não há data para publicação do edital e, como pano de fundo, o Plano Municipal de Desestatização (PMD) da Prefeitura de São Paulo tem sido contestado pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).

A prefeitura planeja dividir uma área de 3,4 milhões de m2 que abriga 47 mil sepultamentos e 10 mil cremações por ano em quatro lotes para concessão. O prazo mínimo seria de 20 anos.

A proposta, apresentada em maio de 2017, foi suspensa pelo TCM em setembro do mesmo ano, sendo liberada apenas em abril de 2018. Ainda não há data marcada para lançar o edital. O processo deve ficar para 2019.

"Queremos melhorar a qualidade de serviços prestados ao cidadão, ao mesmo tempo em que desonera o orçamento", disse ao Valor o secretário de Desestatização e Parcerias da Prefeitura de São Paulo, Wilson Poit. "Mas vamos fazer isso com calma, respeito, ouvindo a sociedade civil", afirmou. A prefeitura gasta, por ano, cerca de R$ 50 milhões e arrecada R$ 45 milhões com serviços funerários, enterros e cremações de mortos em São Paulo.

Apesar das incertezas, empresários do setor dizem que a ineficiência dos serviços prestados na maior cidade do país e a demanda garantida e crescente justificam o interesse. "É literalmente um 'business' baseado na segunda certeza da vida depois dos impostos: a morte", disse o presidente da Zion Gestão de Recursos, Vicente Conte.

Ele é um dos sócios-fundadores do cemitério Jardim da Paz, em São José do Rio Preto (SP), que funciona há 25 anos. A partir desse negócio, Conte lançou um fundo de investimento para assumir fatias de outros empreendimentos. Uma das participações acionárias é no Grupo Cortel, do Rio Grande do Sul, que administra oito cemitérios, quatro crematórios e uma funerária em oito cidades do país, incluindo Porto Alegre, Rio de Janeiro e Manaus. A Zion tem ainda participações em cemitérios de Londrina (PR), Goiânia (GO) e Belo Horizonte (MG).

A cidade de São Paulo, diferentemente dessas cidades, não permite operação privada de cemitérios. Há outros cemitérios na capital além dos 22 municipais, como o cemitério Morumby, o Gethsêmani e o Parque dos Pinheiros. Mas essas operações são concessões antigas, ligadas a entidades religiosas que, no passado, sepultavam os fiéis em terrenos de igrejas. Com o tempo, receberam do poder público o direito de explorar outras áreas na medida em que os terrenos originais lotaram.

Nesta etapa do processo, a prefeitura paulistana está recebendo interessados em fazer estudos relacionados à concessão. Não é, portanto, a fase formal de apresentação de interessados em concorrer à gestão. Seis grupos apresentaram estudos, em julho: Almeida e Fleury, AEEM e Biazzo Advogados; Consórcio Zetta-CTAF-SPG-Pax Domini; Consórcio Zion; Ernst & Young; H&G Consultoria em Engenharia; e Vale dos Pinheirais.

O secretário da prefeitura admite que antes de enviar o projeto de concessão para a Câmara, um marco regulatório deve ser redigido e votado. "Por isso, abrimos o PMD. É um processo que deve acontecer ano que vem", disse Poit, reforçando que essa é a alternativa para resolver problemas de um serviço deficitário e precário na cidade, segundo ele reconhece.

"Não há como se falar em segurança jurídica para a concessão dos cemitérios públicos e do serviço funerário sem a criação de um normativo legal único", concorda o diretor da Zion, Adriano Napoli.

"Regulamentar única e exclusivamente a concessão dos cemitérios públicos, de forma isolada, não vai resolver o problema como um todo. A solução para essa agenda deve ser encarada de forma conjunta", afirmou o presidente e sócio da Insurtech Amar Assist, empresa que atua em São Paulo e nas principais capitais do país com serviços funerários. O projeto da prefeitura é conceder à iniciativa privada a gestão não apenas dos cemitérios e do crematório, mas também de outros serviços funerários, como o de transportes de corpos.

Os dois executivos dizem que São Paulo enfrenta um grave problema na prestação e sustentabilidade do serviço relacionado aos cemitérios. No ano passado, por exemplo, a prefeitura não conseguiu equilibrar a receita com as despesas. Há problemas de recolhimento de taxas e de ampliação do espaço para receber mais mortos.

Dos 22 cemitérios públicos na capital, em três unidades (Vila Formosa I, Vila Formosa II e São Luiz) funciona a modalidade de aluguel, por três anos, para sepulturas individuais. Nas demais áreas, a família compra um espaço por um período, que pode ser de 5 a 25 anos. Há taxas anuais que precisam ser pagas, de R$ 300 a mais de R$ 1 mil. Mas a cobrança, feita pela prefeitura, é falha.

Para que novas vagas em covas já existentes sejam liberadas, três anos após o sepultamento é realizada a exumação dos restos mortais, que são transferidos para ossários, sempre após a família ser comunicada. Esses procedimentos, porém, dependem de um monitoramento regular, o que não existe na maior parte dos cemitérios da cidade.

A falta de segurança é outro problema. Segundo levantamento do TCM, são registrados mais de três furtos por dia, em média, nos cemitérios municipais da cidade.

Conte, o presidente da Zion, disse que as concessões de cemitérios públicos surgem como alternativa ao setor privado, que tem dificuldade para lançar novos projetos. "Atualmente, é praticamente inviável partir com um projeto do zero nas principais cidades porque leva no mínimo cinco anos para entrar em operação", disse.

Ao mesmo tempo, disse ele, os espaços públicos precisam de investimentos para atender a uma demanda que vai aumentar com o envelhecimento da população brasileira. Ele cita dados do IBGE, segundo os quais dentro de 20 anos, 25% da população brasileira terá mais de 70 anos. "Se pegarmos, por exemplo, uma cidade igual a São Paulo, daqui a 20 anos serão 2,5 milhões de habitantes com mais de 70 anos."