Valor econômico, v.19 , n.4590 , 15/09/2018. [Caderno/Coluna], p.A5

 

Estatais tem reajuste salarial menor, mas preservam 'regalias'

Daniel Rittner

15/09/2018

 

 

Auxílio-óculos para empregados da Eletrobras e seus dependentes, jornada semanal de 40 horas na área administrativa da Infraero, adicional de 70% nas férias para trabalhadores dos Correios e "vale-peru" maior que um salário mínimo no Natal, tíquete-alimentação de R$ 1.075 (equivalente a quase R$ 50 por dia útil) para os funcionários da Embrapa.

Benefícios que vão muito além dos direitos garantidos pela CLT sobreviveram à política de endurecimento nas negociações trabalhistas em empresas estatais durante o governo de Michel Temer.

Dois terços dos acordos coletivos em companhias controladas pela União entre janeiro de 2017 e junho de 2018 tiveram reajustes salariais iguais ou inferiores ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), segundo levantamento atualizado pela Secretaria de Coordenação e Governança das Estatais (Sest) a pedido do Valor.

Houve casos até de reajuste zero no segundo semestre do ano passado - como na EBC, PPSA e Emgea. Dataprev e Serpro fecharam aumentos no patamar de 1%.

Para fontes no Ministério do Planejamento, pasta à qual está vinculada a Sest, a política de contenção salarial ajudou na melhoria da saúde financeira das estatais ao longo dos últimos dois anos. Iniciativas como programas de demissões voluntárias e exigência de coparticipação em planos de saúde também são citadas.

De 40 acordos coletivos firmados desde o início do ano passado, 27 ficaram com reajustes capazes, no máximo, de repor a inflação acumulada em 12 meses. No mesmo período, segundo dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), mais de 80% dos acordos ou convênios em todo o país garantiram aumento real - com índices superiores ao INPC.

Segundo integrantes da atual equipe econômica, diante do esforço para "segurar" os reajustes nas estatais e de medidas para cortar despesas com convênios médicos, sobrou menos espaço para negociação de benefícios com os sindicatos. É uma agenda, afirmam essas fontes, que fica para o novo governo enfrentar.

Na Infraero, os aeroportuários que trabalham em horário administrativo cumprem jornada de 40 horas semanais, quatro a menos do que o máximo estipulado pela CLT. O adicional noturno é de 60% - no setor privado, ganha-se 25% entre 22h e 6h.

A política de "gestão de pessoas" de subsidiárias da Eletrobras como Furnas, Chesf e Eletronuclear inclui a distribuição de auxílio-óculos para seus funcionários. O benefício consiste no reembolso de gastos com armação, lentes para óculos e lentes de contato. Cada despesa, isoladamente, gera ressarcimento em torno de R$ 300. Em alguns casos, se a miopia ou hipermetropia for maior do que seis graus, o valor reembolsável pode até dobrar.

Na Embrapa, além do tíquete-alimentação de R$ 1.075 (o mais alto identificado nas estatais), o último acordo homologado no Tribunal Superior do Trabalho (TST) prevê abono de três dias por ano como "cláusula de incentivo à prática de esportes e atividades culturais" aos integrantes de equipes das "olimpíadas" da estatal.

Com prejuízo acumulado de R$ 4 bilhões no biênio 2015-2016, os Correios pagam 70% de adicional de férias aos empregados (a CLT prevê um terço de acréscimo) e distribuem uma espécie de 13º salário de vale-alimentação em dezembro. O benefício, que chega a R$ 989, ganhou entre funcionários o apelido de "vale-peru" devido à proximidade com o Natal.

Para Fischer Moreira, secretário de imprensa da Federação Nacional dos Trabalhadores em Correios (Fentect) e presidente do sindicato no Espírito Santo, é injusto tratar esse tipo de remuneração como "regalias". Ele chama atenção para o fato de que a maioria dos benefícios foi criada, no passado, como alternativa a reajustes maiores.

É o caso do "vale-peru", que tinha espírito de abono salarial no momento de sua negociação. "Nós também cedemos nos salários em troca desses benefícios", diz o sindicalista. "Cada benefício tem sua história, mas todos aqueles acima da CLT são não tributáveis, ou seja, têm a vantagem de não gerar impactos previdenciários ou de FGTS para a empresa", complementa, mencionando um ponto positivo para empregado e empregador.

Sérgio Lazzarini, professor de estratégia e pesquisador do Insper, tem uma explicação sobre a existência de uma política salarial e de benefícios mais generosa nas estatais. "As estatais não têm um controlador bem definido e que constantemente cobra por eficiência e resultados. Em tese, é o Estado. Mas o Estado é uma entidade difusa e pode, em realidade, enfatizar objetivos políticos."

Lazzarini vê avanços nos últimos anos, como a Lei de Responsabilidade das Estatais e o fortalecimento da Sest, mas concorda que a gestão das empresas federais será um dos grandes desafios do futuro presidente. "As tensões vão persistir, especialmente no que tange à pressão dos políticos da base governista, dependendo de qual será essa base. Se houver pouca renovação política no Congresso, veremos a ânsia habitual de empregarem seus aliados em toda a burocracia estatal."