O globo, n. 31340, 28/05/2019. Economia, p. 17

 

Contas públicas

Eduardo Bresciani

Manoel Ventura

28/05/2019

 

 

Câmara estuda acelerar projetos que preveem até demitir servidores para cumprir regra fiscal

A Câmara dos Deputados quer acelerar o andamento de propostas que resolvam, de forma definitiva, um desequilíbrio nas contas públicas que pode deixar trabalhadores sem receber aposentadorias e benefícios assistenciais. As soluções são variadas e passam até mesmo pela demissão de servidores públicos. Tudo para permitir que a União volte a se enquadrar na chamada regra de ouro — norma pela qual o governo é proibido de se endividar para pagar despesas correntes, como folha de salários. Ele só pode emitir dívida se o dinheiro for destinado a investimentos. Hoje, no entanto, há um desenquadramento que chega a quase R$ 250 bilhões. A articulação para tratar do tema envolve a equipe econômica e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Duas propostas de emenda à Constituição( P EC) para soluciona rare grade ouro deforma estrutural estão paradas desde o ano passadona Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e o presidente do colegiado, Felipe Francischini (PSL-PR), está convocando líderes para discutir amanhã um calendário de tramitação. A mudança, porém, não resolve o problema deste ano.

Por isso, o governo também precisa aprovar no Congresso um crédito de R$ 248,9 bilhões para garantir o pagamento de aposentadorias e outros benefícios, como Bolsa Família, a partir do segundo semestre. Sema autorização para bancar esses gastos com empréstimos obtidos por meio da emissão de títulos da dívida, os beneficiários ficarão sem o dinheiro.

O líder do partido do presidente Jair Bolsonaro na Câmara, DelegadoWaldir ( PSL/GO ), queracele rara tramitação das emendas que estão na CCJ para que, além do atual governo, os próximos tenham mais mecanismos para resolver problemas fiscais como os que o país enfrenta:

— A PEC permite que, quando o governo chega na situação fiscal em que está, ele possa reduzir jornada de trabalho, demitir. Então, essa PEC é extremamente importante não só para o nosso governo, mas para outros que estiverem em situação semelhante, que possam demitir, reduzir jornada, faze ruma redução mais drástica de gastos.

Fim da punição a Presidente

O deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) é o autor das duas propostas. Elas mantêm a regra de ouro, mas com mudanças.

Uma das principais é o fim da punição, por crime comum e de responsabilidade, pelo descumprimento da norma, o que hoje torna o presidente da República passível de impeachment.

As PECs substituem essa punição por medidas fiscais a serem adotadas por “estágio” de descumprimento. No primeiro estágio, o governo não poderá criar e expandir despesas obrigatória sou benefícios e incentivos. O segundo será acionado quando as operações de crédito excederem o volume das despesas com investimentos. Entre as medidas que terão de ser tomadas nessa fase estão interrupção do pagamento do abono salarial e redução temporária da jornada de trabalho dos servidores com adequação dos vencimentos, além de privatização.

O último estágio será acionado quando a regra de ouro for descumprida por três anos consecutivos. Segundo uma das PECs, o governo poderá demitir servidores estáveis, caso a despesa total com pessoal ultrapasse o valor apurado (e corrigido) em 2016. A primeira emenda, protocolada em junho do ano passado, prevê a demissão de servidores. A segunda, apresentada em agosto, retira essa possibilidade. Pedro Paulo diz ter feito a mudança para ajudar na tramitação do projeto:

— Se o governo depois quiser voltar com esse tema, podemos discutir, mas acho que o impacto fiscal imediato pode não ser tão significativo, e você já tem programa de demissão voluntária, redução de jornada e outros mecanismos.

Pareceres favoráveis

Pedro Paulo afirma que o presidente da Câmara o convidou para uma reunião hoje com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Técnicos do governo concordam com a discussão da proposta. O texto do deputado é considerado por integrantes da equipe econômica como uma boa base para a negociação sobre as mudanças na regra de ouro.

As duas propostas tramitam de forma conjunta na CCJ. Em dezembro passado, o então deputado Sérgio Zveiter (DEMRJ) deu parecer favorável a ambas. Ontem, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEMRJ), que assumiu a relatoria, subscreveu o parecer anterior. Caso a CCJ aprove, as propostas iriam para uma comissão especial, de mérito.

Francischini diz que estuda como pautar a proposta:

—Vamos fazer o start nesta semana. Vou convocar uma reunião só para discutir esse assunto.

Até este ano, a regra de ouro vinha sendo cumprida pelo governo. Porém, rombos orçamentários crescentes iniciados em 2014 tornaram difícil o atendimento da norma.

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STF suspende venda de rede de gasodutos da Petrobras

Carolina Brígido

Ramona Ordoñez

28/05/2019

 

 

Em liminar, ministro Fachin suspende compra da subsidiária pela francesa Engie, anunciada em maio por US$ 8,6 bilhões

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu ontem, por liminar, decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que permitiu a venda de 90% das ações da Transportadora Associada de Gás (TAG), subsidiária da Petrobras, por US$ 8,6 bilhões. Dessa forma, o negócio não poderá ser concluído até que o plenário da Corte julgue o mérito. Fachin pediu urgência na inclusão do processo na pauta.

Em maio, a Petrobras acertou a venda de 90% das ações da TAG, que controla gasodutos no Norte e Nordeste, para um consórcio liderado pela francesa Engie. Em janeiro, o presidente do STJ, João Otávio Noronha, permitiu a venda sob o argumento de que o impedimento significaria grave risco à economia pública. O negócio é um dos principais já firmados até agora pela Petrobras em seu plano de venda de ativos para reduzir endividamento e concentrar investimentos na produção de petróleo. Também é parte da estratégia do governo para reduzir os custos do gás natural no país. A estatal planeja vender os 10% restantes da TAG.

Na análise do recurso apresentado pelo Sindicato dos Petroleiros do estado de São Paulo, Fachin destacou a necessidade de o plenário do STF decidir se esse tipo de operação deve ser precedido de “procedimento licitatório e autorização legislativa”. Ele lembrou que, em junho de 2018, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu, também em liminar, que a venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige autorização do Congresso sempre que isto significar transferência de controle acionário.É outra liminar que deve ser avaliada em breve no plenário do STF.

Insegurança jurídica

“Não vejo espaço para,à míngua de expressa autorização legal, excepcionar do regime constitucional de licitação a transferência do contrato celebrado pela Petrobras ou suas consorciadas”, escreveu Fachin. A decisão ainda cita estratégia anterior da Petrobras, de vender fatia de 60% em ativos de refino no Nordeste e no Sul do país. Em abril, a Petrobras atualizou o plano: quer vender oito refinarias.

Em comunicado, a Petrobras informou ontem que não foi intimada da decisão de Fachi neque, após análise, tomará “as medidas cabíveis em prol dos seus interesses e de seus investidores”. A Engie não se manifestou.

O Sindipetro Unificado-SP, um dos sindica tosque recorreram ao STF, comemorou a liminar como“mais uma vitória” em seu movimento contra privatizações na Petrobras. A entidade aponta irregularidades nos processos de vendas, como dispensa de licitação.

Para advogados, é preciso uma decisão definitiva do STF para que a insegurança jurídica não atrapalhe investimentos, sobretudo em petróleo e gás. Para o advogado José Del Chiaro, ex-secretário nacional de Direito Econômico, alei indica a necessidade de a valdo Congresso para venda da estatal, mas observa que é preciso melhorar o relacionamento institucional entre os três Poderes para viabilizar negócios e não prejudicara Petrobras.

Os especialistas Felipe Feres, do Mattos Filho Advogados, e Ali El Hage Filho, do Veirano Advogados, destacam que o artigo 64 da Lei do Petróleo (9.478/97) autoriza a Petrobras a criar subsidiárias. Portanto, na interpretação deles,também poderia vendê-las sem ouvir o Congresso.