Valor econômico, v.19, n.4599, 28/09/2018. Opinião, p. A15

 

Renda básica ou salário mínimo digno?

Laura Tyson

Lenny Mendonça

28/09/2018

 

 

Uma renda básica universal (RBU) seria ao mesmo tempo regressiva e proibitivamente cara. Mas a ideia continua a atrair grupo diversificado de dirigentes tecnológicos e trabalhistas, libertários e progressistas, que temem uma era iminente de desemprego tecnológico de massa.

No mesmo sentido, as propostas aventadas nos EUA de uma garantia de emprego federal, têm ganhado impulso na esquerda tradicional. Mas, embora um programa desse gênero possa empregar milhões de trabalhadores para realizar serviços públicos básicos e reconstruir e modernizar a dilapidada infraestrutura do país, ele não é mais viável do que uma RBU, em vista das atuais limitações do orçamento federal.

O desafio para o futuro do trabalho não diz respeito propriamente à quantidade de vagas de emprego, e sim à sua qualidade, e à possibilidade de pagarem o suficiente para proporcionar um bom padrão de vida. Mesmo em países desenvolvidos, onde salários mais elevados estimulam a adoção da tecnologia poupadora de mão de obra, os fechamentos de postos de trabalho serão, mais provavelmente, neutralizados pelos aumentos projetados da demanda por produtos e serviços, puxados pelos aumentos da produtividade e da renda, pelas crescentes necessidades de assistência médica e pelos investimentos em energia alternativa e em infraestrutura.

Mas as tendências atuais e as projeções futuras sobre a qualidade das vagas de trabalho são alarmantes. O Panorama do Emprego da OCDE mostra um aumento das vagas de baixa remuneração, um crescimento anêmico dos salários reais e a queda dos benefícios do emprego em todas as economias avançadas entre 2007 e 2017. E, na média, menos do que uma em cada três pessoas que procuram emprego nos países da OCDE receberam seguro-desemprego durante esse período.

Desde a crise financeira de 2008, a expansão dos empregos nos EUA lembra um par de halteres. Em uma das pontas, o número de empregos altamente qualificados, bem pagos está aumentando, especialmente nos campos conhecidos como ciência, tecnologia, engenharia, matemática, nos quais 2,4 milhões de vagas continuam não preenchidas. No outro extremo, embora o número de empregos da chamada "economia do bico" esteja crescendo a um ritmo três vezes maior que o da expansão do Produto Interno Bruto, muitos dos trabalhadores que os ocupam mal e mal conseguem atender a suas necessidades básicas.

Por outro lado, a taxa de desemprego se manteve obstinadamente elevada entre os trabalhadores desprovidos de diploma do ensino médio, e em áreas rurais e urbanas em dificuldades econômicas. Sem mudanças de política de governo, a remuneração do trabalho vai se tornar cada vez mais desigual, uma vez que a ligação entre o crescimento geral da produtividade e os salários se torna cada vez mais fraca.

Embora o treinamento e a educação continuada sejam necessários para preparar os trabalhadores para os empregos do futuro, essas medidas não serão suficientes para garantir bons meios de vida.

Políticas complementares para proporcionar um salário mínimo digno básico são essenciais. Nos EUA, três medidas podem ser tomadas no momento para alcançar esse objetivo: um aumento significativo do salário mínimo e um sólido incentivo fiscal sobre os rendimentos tributáveis do trabalho assalariado (EITC), reembolsável e destinado a famílias de renda baixa a moderada, ambos indexados aos custos de vida regionais e corrigidos automaticamente pela inflação; e cadastramento fácil de trabalhadores aptos a receber benefícios federais e estaduais.

Esses benefícios também devem ser proporcionais e ter portabilidade a fim de cobrir trabalhadores de meio período e da "economia do bico". Juntas, essas três medidas garantirão que os trabalhadores em tempo integral (vinculados a um ou vários empregos) não vivam em meio à pobreza ou à constante insegurança econômica.

Atualmente, o salário mínimo vigente em Fresno, na Califórnia, é de US$ 11 por hora; em San Francisco, US$ 15 por hora. Mas, de acordo com o Living Wage Calculator do MIT, um trabalhador de uma família com duas fontes de renda e um filho habitante de Fresno precisa ganhar pelo menos US$ 14 por hora para cobrir suas necessidades básicas; em San Francisco, US$ 21 por hora.

Tanto as empresas quanto os governos podem ajudar a cobrir a diferença entre os salários mínimo digno e o salário mínimo. Em 2014, a Ikea começou a pagar salários mínimos dignos baseados no calculador do MIT, e outras empresas, desde então, seguiram seu exemplo. De sua parte, os governos municipais e estaduais podem arcar com a diferença, ao elevarem o salário mínimo e ao expandirem a abrangência do EITC e de outros benefícios.

Medidas destinadas a elevar o salário mínimo e a indexá-lo ao custo de vida já estão a caminho em muitas partes dos EUA. Por meio de legislação ou por iniciativas diretas dos eleitores, aproximadamente 8 milhões de trabalhadores já ganharam aumentos do salário mínimo nos últimos anos, e um adicional de US$ 5 bilhões reforça os orçamentos dos trabalhadores desde 2017.

Se aplicado nacionalmente, um salário mínimo de US$ 15 por hora (aproximadamente equivalente a 50% do salário mediano de toda a economia), corrigido de acordo com as diferenças regionais de custo de vida, significaria mais US$ 144 bilhões para os trabalhadores até 2024.

Após elevar o salário mínimo, o próximo passo é expandir o EITC, por meio da ampliação de seus critérios de renda e de eligibilidade, do aumento de seu tamanho e de sua disponibilização em pagamentos periódicos, em vez de em um montante fixo anual. O EITC tem um histórico comprovado de sucesso no estímulo ao trabalho, na redução da pobreza, na elevação do desempenho educacional, no aumento da mobilidade intergeracional e na melhoria da saúde materno-infantil. Mesmo Chris Hughes, cofundador do Facebook e um dos mais destacados impulsionadores da RBU no Vale do Silício, defende um EITC ampliado.

Alguns Estados americanos já estão à frente de outros nessa esfera. Ao ampliar seu EITC de modo a incluir o trabalho ocasional da "economia de bico" e a ampliar a faixa de renda apta a recebê-lo, a Califórnia aumentou o número de pedidos a partir de cerca de 400 mil em 2016 para 1,3 milhão em 2017. Mais de 90% desses créditos vão para famílias de baixa renda com filhos, e 80% dos filhos que se beneficiam são crianças de cor.

Assim, em vez de seguir uma RBU ou garantias de emprego visionárias, por que não adotar medidas que oferecem um salário mínimo digno universal para o trabalho atual e para o trabalho futuro? (Tradução de Rachel Warszawski)