Título: Renda do trabalho evita piora do PIB
Autor: Maineti , Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 02/09/2012, Economia, p. 14

O minguado crescimento da economia brasileira — há oito trimestres consecutivos, o Produto Interno Bruto (PIB) se expande abaixo de 1% — poderia ter sido ainda pior, não fosse a resistência da renda dos trabalhadores, que mantém o varejo distante da crise que atormenta a presidente Dilma Rousseff. Em média, nos últimos cinco anos, o rendimento das famílias aumentou 5% acima da inflação e, pelas contas da Tendências Consultoria, deve continuar avançando 4% anualmente entre 2013 e 2018.

Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a força da renda está compensando a relutância dos bancos em ampliar a oferta de crédito. No seu entender, foram as duas pontas agindo na mesma direção que garantiram o incremento do consumo das famílias por 35 trimestres consecutivos, conforme constatou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por isso, a necessidade de as instituições financeiras voltarem a liberar empréstimos e financiamentos. "Os bancos precisam deixar um pouco do conservadorismo de lado", diz.

O apelo de Mantega é compreensível. Como muitos lares estão com boa parte do orçamento comprometido com dívidas, com o crédito restrito aos que têm capacidade de empréstimos ou de comprar a prazo é possível que somente a renda não seja suficiente para manter o bom ritmo do varejo, pelo menos a curto prazo. "Vamos trabalhar para que os bancos ousem mais. Não queremos ver repetidos os exageros de 2010, quando as instituições liberaram crédito sem qualquer critério, aumentando a inadimplência. O que queremos é um meio termo", complementa um assessor do Palácio do Planalto. Para ele, com as vendas aquecidas, a indústria terá condições de desovar os estoques e retomar a produção e os investimentos em fábricas.

Contrastes O desânimo no setor produtivo é grande, mas quando se olha para o comércio, há o que comemorar. Tanto que, mesmo com os economistas prevendo crescimento para o PIB deste ano entre 1,2% e 1,5%, as perspectivas são de alta de até 6% no faturamento do varejo. E mais: levantamento do IBGE mostra que o setor cresce mais justamente nas regiões onde o crédito é menos presente e a população conta mesmo é com o salário do mês para consumir, como no Nordeste, no Norte e no Centro-Oeste do país.

Na análise do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), sem o aperto no crédito decretado pelos bancos, o comércio teria garantido um resultado ainda melhor do que no ano passado, de 6,7%, ante os quase 10% verificados em 2010. "A massa salarial cresceu significativamente, baseada no aumento real dos salários, no emprego formal e na ascensão de parcela importante da população à classe média. A despeito de o ritmo de geração de novas vagas ter caído neste ano, foram criados 1,8 milhão de postos até agora", destaca Fernando de Castro, presidente da entidade.

Apesar de a renda estar segurando o consumo, o economista Paulo Neves, da LCA Consultores, acredita que o crédito vai ser impulsionado no segundo semestre. "No início do ano, os segmentos ligados à renda estavam crescendo bem mais do que os que dependem de crédito. Agora, no entanto, já há sinais de retomada das vendas de veículos e de eletrodomésticos da linha branca, por conta na redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), estendida, em alguns casos, até o fim de dezembro", aponta. Ele destaca que os últimos dados do Banco Central, de junho, indicam uma expansão de meio ponto percentual no volume total de crédito concedido pelas instituições privadas, o que sinaliza uma melhora na disposição dos bancos para os financiamentos.

Rompimento "O aumento da inadimplência no segmento de veículos acabou provocando uma reação das financiadoras, de restrição ao crédito ao consumidor. Varejistas têm reclamado do excesso de conservadorismo nos financiamentos", relata o presidente do IDV. Segundo ele, a saída encontrada por várias redes populares de eletroeletrônicos de médio porte, da área da construção e de supermercados foi ampliar a concessão de crédito com recursos próprios. "Estamos vendo a volta do carnê de pagamento, que já estava em desuso", conta.

Nas lojas de materiais de construção, beneficiadas pelo IPI reduzido até o fim de 2013, a contração do crédito foi expressiva. "O índice de aprovação de financiamentos pela nosso parceiro, o Itaú Unibanco, caiu de 45% para 11%. Agora, de cada dez consumidores que tentam obter crédito para comprar na nossa rede, apenas um consegue", lamenta o diretor-geral da Leroy Merlin, Alain Ryckeboer. Ele conta que a empresa está em busca de uma nova instituição financeira para financiar seus clientes, pois o Itaú Unibanco já informou que irá descontinuar a parceria.

Ryckeboer destaca que o impacto na restrição do crédito só não foi maior na Leroy por conta da atuação dos bancos públicos. "Nossos consumidores têm conseguido financiamentos pela Caixa e pelo Banco do Brasil", afirma. Com isso, as vendas continuam crescendo. "Tivemos incremento de 20% no primeiro semestre. Foi bom, mas nos anos anteriores chegava a 30%", compara. Pelos cálculos do IBGE, o faturamento do comércio varejista em todo o país registrou alta de 7% no ano, até junho, mas teria sido bem maior (de 9,1%) não fossem os desempenhos dos segmento de veículos e construção.

Justificativa Por meio da assessoria de imprensa, o Itaú Unibanco informou ao Correio que a descontinuidade da parceria com a Leroy Merlin foi consequência da busca de maior rentabilidade aos acionistas e do objetivo de focar em negócios de maior escala e retorno. "Especificamente na área de crédito ao consumidor, o atual cenário fez com que o banco encerrasse algumas dessas parcerias", explicou a instituição financeira, que havia anunciado, anteriormente, o fim de acordos importantes, como o mantido com as Lojas Americanas.

"Estamos vendo a volta do carnê de pagamento, que já estava em desuso" Fernando de Castro, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo