Valor econômico, v.19, n.4594, 21/09/2018. Opinião, p. A12

 

A desverticalização relevante das instituições financeiras

Cleveland Prates

21/09/2018

 

 

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) assinou neste mês o sexto Termo de Compromisso de Cessação de Conduta (TCC) com instituições financeiras do país em menos de dois anos. O objetivo do órgão é impedir a adoção de condutas anticompetitivas, derivadas dos incentivos gerados pela estrutura verticalizada no setor, visando elevar o grau de competição futura e, por consequência, reduzir os preços neste mercado (taxas de juros e tarifas bancárias).

Devemos lembrar que o setor financeiro no Brasil é extremamente concentrado e formado por grandes conglomerados financeiros verticalizados, que atuam nos mais diversos segmentos, tais como seguros, cartões de crédito, vale alimentação, credenciamento de estabelecimento (maquininhas) além da própria área bancário. Esta estrutura, por si só, cria incentivos para que essas instituições atuem, de maneira unilateral ou coordenada, para evitar a concorrência onde estão presentes.

Não por outra razão, existe hoje no Cade uma série de processos em andamento e reclamações no Banco Central (Bacen) sobre condutas anticompetitivas que passam pela recusa em negociar com outros agentes do mercado, compressão de margens de concorrente com adoção de subsídios cruzados, criação de autorregulação e incompatibilidades técnicas para evitar a viabilidade de novos competidores, dentre outras tantas.

Note-se que os problemas levantados não são recentes. Tanto isso é verdade que em 2008 foi criado um grupo de estudos formado por técnicos do Ministérios da Fazenda, Justiça e BC para investigar as práticas adotadas no mercado de cartões de crédito. O resultado final foi um relatório bem detalhado, apontando problemas estruturais no setor e, particularmente, sugerindo o fim da exclusividade entre a bandeira do cartão (Master e Visa, por exemplo) e as principais credenciadoras das instituições financeiras.

De lá para cá, essas mesmas instituições procuraram contornar essa e outras determinações regulatórias caminhando fortemente para um processo de verticalização no segmento de cartões de crédito, quando foram criadas e reforçando bandeiras próprias (Elo e Hipercard), que são as entidades empresariais que definem as regras do jogo. E este movimento caminhou na contramão da experiência internacional, cujas autoridades têm exigido, em menor ou maior grau, a desverticalização do esquema de cartões. No caso da Argentina, por exemplo, a Comissión Nacional de Defensa de la Competencia negociou recentemente com a Prisma Medios de Pago (adquirente e processadora), detida por 14 Bancos do país, a venda de 51% de sua participação acionária.

Fato é que, apesar dos esforços das autoridades brasileiras, novas estratégias são sempre criadas para fazer frente às regras regulatórias que visam elevar a concorrência no mercado. E este tipo de atitude encontra paralelo na experiência internacional e na literatura econômica que trata sobre incentivos em mercados verticalizados e conglomerados. Mais precisamente, em um ambiente de elevada assimetria informacional, envolvendo questões técnicas não triviais associadas à necessidade de redes conectadas, essas empresas tendem a criar estratégias anticompetitivas que incorporam desde a simples recusa ao fornecimento de insumos essenciais à concorrência (a própria conexão, por exemplo) até estratégias mais sofisticadas, como descontos injustificados por fidelização, atrasos e reduções na qualidade no fornecimento de serviços ou mesmo resistência à implementação de normas regulatórias.

É exatamente neste contexto que a discussão no Cade é bem vinda. Se por um lado estruturas verticalizadas podem implicar algum ganho de eficiência (redução de custos de transação e economias de escopo), por outro elas criam incentivos para a restrição à concorrência, com forte impacto sobre o nível de eficiência alocativa do país. Neste segundo cenário, o efeito final pode acabar sendo uma redução do crédito global ofertado e a elevação dos preços praticados no mercado (juros e tarifas).

No caso presente, todos os indicativos práticos são de que os custos para a sociedade de manter a estrutura verticalizada como está hoje suplantam em muito os benefícios que possam ser alegados em sua defesa. Além dos elevados juros e tarifas que pagamos, do crédito limitado observado na economia, há ainda o custo de oportunidade de se mobilizar constantemente os órgãos regulatórios e de defesa da concorrência para monitorar e fazer frentes às novas estratégias anticompetitivas que são constantemente desenvolvidas e implementadas.

E, como efeito colateral positivo da desverticalização e da consequente mudança dos incentivos vigentes, promoveríamos, no médio e longo prazo, uma desconcentração horizontal nos vários segmentos, inclusive o bancário, reduzindo o risco sistêmico que está em larga medida associado à manutenção de grandes conglomerados financeiros (correção do efeito "grande demais para quebrar" associado ao risco moral).

Em última instância, há fortes indícios de que a regulação meramente concorrencial não tem sido capaz de lidar com as especificidades do setor e que a promoção de um movimento de desverticalização geraria efeitos líquidos positivos para a sociedade. Com a palavra, as autoridades brasileiras.