Valor econômico, v.19 , n.4581 , 04/09/2018. Especial, p.F6

 

Tributação verde pode injetar investimentos na reciclagem

Sérgio Adeodato

04/09/2019

 

 

A lógica de punir financeiramente atividades econômicas que causam danos ao meio ambiente e premiar quem o protege, com vantagens competitivas no mercado, tem sido um modelo bastante difundido na busca por sustentabilidade diante dos recursos finitos do planeta. Funciona em campos como o consumo hídrico ou energético e, mais recentemente, é base do movimento pela precificação do carbono para coibir emissões atmosféricas ligadas ao aquecimento global. Mas a reciclagem de resíduos urbanos, em que a lata de alumínio de bebidas é o material de largo consumo mais valorizado e disputado pela coleta, caminha na contramão.

A cobrança de impostos em duplicidade ao longo da cadeia até a volta do resíduo como matéria-prima à indústria desfavorece negócios com a reciclagem) - e não há um regime tributário que incentive materiais de menor impacto ambiental. "Temos um papel relevante no processo da economia verde e de baixo carbono, cenário que representa grande diferencial ao país, e queremos elevar o nível do debate sobre tributação como forma de sinalizar novas tendências à indústria", afirma Renault Castro, presidente executivo da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio (Abralatas).

Há 15 anos o Brasil está entre os líderes mundiais de reciclagem do material. Em 2016, foram recuperadas no país 97,7% das 286,6 milhões de latas de bebida colocadas no mercado. A taxa caiu 4,3% em relação ao ano anterior, mas permaneceu acima do índice registrado no mesmo período pelos Estados Unidos (63,9%) e Japão (76,1).

"O momento atual, em que se discutem reformas estruturais indispensáveis para o Brasil, é oportuno para buscar caminhos para que os preços dos diversos bens e serviços reflitam os seus custos ambientais", destaca o recente manifesto apresentado pelo setor visando a criação de um foro de discussão sobre tributação verde na Câmara dos Deputados.

Há dois projetos de lei em tramitação, um deles proposto há mais de dez anos: o PLP 73/2007, prevendo o que chama de "reformulação tributária ecológica" e a criação de taxa sobre o carbono para mitigação das mudanças climáticas, encontra-se na Comissão de Finanças da Câmara. Já o PLP 493/2009, que regulamenta o tratamento diferenciado de produtos e serviços em razão do impacto ambiental, está parado na casa desde 2015.

Países como EUA, Canadá, França e Alemanha têm leis sobre tributação baseada no impacto ambiental. No Brasil, o estudo mais recente sobre o tema aplicado à reciclagem, elaborado em 2013 pela LCA Consultores com propostas de harmonização de impostos como incentivo ao setor de logística reversa, projetou para 2020 uma renúncia fiscal de R$ 4,9 bilhões, valor que potencialmente poderia ser injetado como investimento na expansão da atividade. Do total, o peso maior repousa no Imposto de Circulação de Mercadorias (ICMS), cobrado no comércio interestadual de sucata e outros recicláveis. Nesse caso específico, o benefício de mudanças na carga tributária poderia representar até R$ 2,2 bilhões no período.

Como pano de fundo do debate está a perspectiva de vantagens competitivas para o alumínio. Segundo estudo da Resource Recycling Systems (RRS), empresa de consultoria independente dos EUA, enquanto as latas de refrigerantes, cervejas e sucos têm índice médio de reciclagem de 69% no mundo, o vidro registra 46% e a garrafa PET, 43%.

Além da solução para o lixo das cidades, a reciclagem do material exige 5% da energia elétrica necessária à produção com matéria-prima virgem obtida da bauxita, de acordo com International Aluminium Institute. No Brasil, pesquisa do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) constatou que a lata fabricada a partir de alumínio reciclado diminui em até 70% as emissões de dióxido de carbono. E o consumo de água cai até 65%, conforme análise que abrangeu diferentes etapas do ciclo do alumínio, da extração da bauxita à produção do alumínio primário e fabricação da embalagem.

Há componentes socioeconômicos, além dos ambientais. Somente na etapa da coleta da latinha, sem contabilizar o faturamento das indústrias recicladoras, R$ 947 milhões foram injetados diretamente na economia brasileira em 2016, mobilizando renda a uma ampla rede de coletores. De acordo com analistas, o preço atual da sucata em torno de R$ 4 o quilo reflete a alta demanda pela indústria - e se torna atrativo principalmente em países em desenvolvimento com desafios sociais e déficit na oferta de empregos, como o Brasil.