Valor econômico, v.19 , n.4607 , 10/10/2018. Legislação & Tributos, p.E2

 

Prorrogação de concessões ferroviárias

Luiz R. Wambier e Patrícia Yamasaki

10/10/2018

 

 

O transporte ferroviário seria o meio mais eficaz - seja do ponto de vista econômico; de segurança ou ambiental - para o escoamento da produção nacional em um país como o Brasil, com dimensões continentais. Mas essa não é a realidade brasileira. Por um erro político histórico, a maior parte dos investimentos públicos foi destinada para a construção de malha rodoviária, incapaz de atender as demandas brasileiras.

O governo federal, ciente das repercussões negativas dessa escolha, vem tentando expandir o transporte ferroviário ao longo das últimas décadas. Isso depende, no entanto, de pesados investimentos.

Uma maneira de tentar captar esses recursos foi a introdução da prorrogação antecipada de concessões, por meio da Medida Provisória nº 752/2016, depois convertida na Lei Federal n. 13.448/2017. Uma modalidade até então inédita para as concessões de ferrovia, mas já utilizada em outros setores.

(...)

Os contratos de concessão ferroviária hoje vigentes no Brasil foram celebrados entre 1980 e 2000. Todos firmados por prazo determinado, variando o período da concessão, mas prevendo a possibilidade de prorrogação. O que deveria ser exercida no período indicado nos contratos, que variam de 1 a 10 anos antes do termo final.

A Lei 13.448/2017 consiste na possibilidade de prorrogação do contrato antes mesmo que se aproxime seu termo final, mediante novos investimentos na malha ferroviária. Ou seja, garante a continuidade do contrato por maior tempo, o que permite o retorno financeiro às concessionárias, uma vez que amortiza investimentos e aumenta taxa de rentabilidade.

A Procuradoria-Geral da República, no entanto, arguiu a inconstitucionalidade da lei perante o Supremo Tribunal Federal (STF). A PGR defende que "embora a Constituição preveja a possibilidade de prorrogação dos contratos de concessão no art. 175, parágrafo único, I, essa prorrogação só não pode ser permitida - muito menos realizada - em desacordo com os ditames constitucionais que norteiam a administração pública".

A Constituição Federal, em seu art. 175 estabelece que a lei disporá sobre as condições para prorrogação dos contratos de concessão. Por sua vez, a Lei 8.987/95 prevê que as condições para prorrogação devem ser disciplinadas no próprio contrato de concessão. De maneira geral, essas cláusulas dispõem que, havendo interesse de ambas as partes, a prorrogação é possível, desde que o concessionário não seja reincidente em condenação administrativa ou judicial por abuso de poder econômico e tenha mantido serviço adequado.

Embora exista na Constituição disciplina geral sobre a prorrogação dos contratos, na prática, havia dúvida sobre os critérios para considerar o serviço prestado adequado. A Lei 13.448/2017 buscou solucionar esta questão, permitindo que os contratos de concessão qualificados no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) fossem prorrogados e estabelecendo critérios objetivos para análise dessa adequação.

Não se vê, portanto, qualquer vício de inconstitucionalidade na mencionada lei. O fato de os critérios para verificação da adequação do serviço, para fins de prorrogação antecipada do contrato, diferirem daqueles previstos nos contratos originais, ou serem reputados insuficientes à tal verificação, não tem o condão de transformar o serviço prestado pela concessionária em inadequado.

Continuam existindo critérios objetivos, que deverão ser avaliados em cada caso concreto, levando em consideração os valores constitucionais exigíveis aos serviços públicos. É fundamental ressaltar que a Lei 13.448/2017 elegeu critérios essenciais para a medição da adequação dos serviços, tais como o cumprimento de metas de produção e segurança.

Também não se vê afronta à exigência de licitação. O processo licitatório visa assegurar uma contratação eficiente e economicamente vantajosa para o Poder Público. Mas a abertura desse processo não é o único meio disponível para se alcançar tal objetivo. Tanto é assim, que a Lei 8.666/93 excepciona a exigência de licitação em alguns casos, como situações de emergência, calamidade pública ou notória especialização.

A prática demonstra que a quebra de contratos traz consigo perdas de muitas ordens, que podem ser evitadas em projetos de longo prazo e maior comprometimento que sejam mais vantajosos à prestação dos serviços.

A lentidão governamental em prorrogar as concessões ferroviárias apenas perpetua a situação atual, sendo incapaz de corrigir os erros históricos relativos à ausência de investimento no setor ferroviário. Para consolidar o uso do transporte ferroviário é preciso que o governo federal assuma postura mais ativa e, até mesmo, agressiva, propondo medidas capazes de realmente atrair o interesse de investidores no setor. Isso, se dá, sobretudo, em relações de longa duração que permitam retorno financeiro.

Luiz Rodrigues Wambier e Patrícia Yamasaki são, respectivamente, doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor no programa de mestrado em direito do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), sócios dos escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados

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