Valor econômico, v.19 , n.4602 , 04/09/2018. Opinião, p.A12

 

Não há lugar para o acaso na educação

Wilson Risolia e Juliana Leitão

03/10/2018

 

 

A tal fórmula mágica não existe. Porém, o Brasil sabe os caminhos para construir uma educação de qualidade. Há evidências. Há boas práticas. Há trabalhos exitosos sendo desenvolvidos em várias redes brasileiras. Há o esforço e a dedicação de diretores, professores e gestores públicos. Há projetos inovadores no chão da escola. O país conhece práticas que devem ser incentivadas e políticas públicas que devem ser desenhadas. Por essas razões, é sempre tão duro encarar a realidade dos indicadores educacionais brasileiros.

No fim de setembro foi divulgado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2017, o principal indicador da área. Os resultados das redes públicas não trouxeram grandes surpresas, mas apontam direções e deixam lições. Os Estados que se estruturaram em prol de uma política pública educacional de forma persistente, vigilante e contínua nos últimos anos, estão, hoje, formal e publicamente, sendo reconhecidos. Todos são Estados nos quais prevaleceram inovações pedagógicas, implementação de currículos e forte monitoramento de resultados, tendo, sempre, boas práticas de gestão como alicerce. Dito isso, o que fica é: o acaso não tem lugar na educação.

O Brasil avançou nos anos iniciais, seguindo a tendência dos últimos anos. São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais e Ceará apresentaram os melhores indicadores, considerando a rede pública como um todo. O maior crescimento no período, em termos absolutos, foi Alagoas. Ele, no entanto, figura entre os Estados com resultados bem abaixo da média nacional. Ao analisar as redes municipais, o Ceará continua sendo a referência. Não é coincidência estar lá o município com o maior Ideb do país.

Nos anos finais, o Brasil também apresentou crescimento, com destaque para a rede pública de Rondônia e Alagoas - foram as que mais avançaram. Um avanço de 0,7 no IDEB é expressivo, e deve ser compreendido. Os dados mostraram também que, dos 423 municípios que já alcançaram a meta do Brasil dos anos finais para 2021, 27,6% estão em São Paulo.

O maior desafio ainda é fazer com que os avanços observados no início da trajetória escolar se propaguem continuamente. À medida que os alunos avançam nas etapas de ensino, observa-se uma deterioração dos resultados. Isso é particularmente visível no Ensino Médio. O Brasil está praticamente estagnado há anos, mostrando que o problema é crônico, persistente e de solução desafiadora. No entanto, também no Ensino Médio há ensinamentos.

Goiás e Espírito Santo apresentaram crescimento expressivo, refletindo a consistência e a amplitude das ações que implementaram nos últimos anos. Analisando as redes estaduais, que concentram 97% das matrículas públicas, Goiás foi o que mais cresceu, voltando ao 1º lugar. O Espírito Santo ficou com a 2ª posição e apresentou o melhor desempenho na prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Edição a edição das avaliações, o Estado sucessivamente vem obtendo bons resultados, aprimorando-se continuamente, garantindo a gestão dos resultados, persistindo e mantendo as políticas estruturantes. Merece o reconhecimento do Brasil.

(...)

Existem algumas particularidades expressivas entre os Estados que apresentaram os melhores resultados. Uma delas é o investimento pesado em educação em tempo integral. Pernambuco vem dando esse exemplo ao Brasil e deve ser seguido. Hoje, há, pelo menos, uma escola em tempo integral em cada município pernambucano. As matrículas superam a metade da rede. Nos últimos anos, Pernambuco implantou e manteve um sistema robusto de gestão voltado para resultados. Em 2009, o Estado ocupava a 17ª posição no ranking do Ideb e hoje está entre os três melhores do país. Pernambuco é também a rede menos desigual do Brasil: apresentou a menor diferença de aprendizagem entre alunos de nível socioeconômico mais baixo e mais alto.

A educação em tempo integral de Pernambuco é uma política pública, normatizada por lei, e completa 10 anos de existência em 2018. Trata-se de uma política planejada, monitorada no detalhe, e articulada à proposta pedagógica. Os resultados respondem, inclusive, a alguns questionamentos frequentes - um deles é o de que escolas em tempo integral favorecem os jovens de famílias com maior renda. Na realidade, a ampliação estruturada da oferta é inclusiva e tende a aumentar as oportunidades de aprendizagem de qualidade para todos os jovens. Pernambuco é o exemplo mais claro de que o acaso não existe.

Na contramão dos avanços dos resultados do Ideb 2017 nesses Estados, está o Rio de Janeiro, um caso emblemático de descontinuidade e falta de prioridade. A conta da interrupção da política implantada entre 2010 e 2014 chegou. Os resultados de 2017 confirmaram o que se esperava. O Rio de Janeiro perdeu 11 posições do ranking do Ensino Médio e caiu de 3,6, em 2015, para 3,3, em 2017, ficando empatado com Alagoas, Piauí, Amazonas e Roraima. A trajetória de ascensão foi interrompida. O Estado ocupava o 26º lugar em 2009. Em 2015, subiu para a 5ª posição.

A falta de recursos financeiros contribuiu, mas não explica o fracasso. Tão pouco consola. Minas Gerais e Rio Grande do Sul também enfrentaram crise financeira aguda e, ao contrário do que se viu no Rio de Janeiro, apresentaram crescimento.

Não há espaço para improvisos em gestão pública. Os indicadores educacionais brasileiros reafirmam essa máxima a cada novo ano. Há que se ter um propósito permanente, com diretrizes claras, visão sistêmica, planejamento e monitoramento. O trabalho deve ser contínuo e envolver toda a rede de ensino, do órgão central à sala de aula.

Sem apoio técnico, projeto pedagógico e gestão, uma escola dificilmente consegue manter bons resultados por muito tempo. Ou falha ou passa a depender de heróis, aqueles que, no dia a dia das escolas e das secretarias, encontram formas de fazer a diferença nas mais adversas condições. Não é justo com eles, nem benéfico para o país. O dia que a educação brasileira não precisar mais de heróis, ela será, de fato, uma política pública.

 

Wilson Risolia é presidente da Falconi Consultores de Resultado e membro da Academia Brasileira de Educação.

Juliana Leitão é consultora sênior da Falconi Educação. Atuou na Secretaria de Educação do Rio de Janeiro (2011 a 2016) e foi pesquisadora do IPEA (2003 a 2009).