Valor econômico, v.19, n.4609, 15/10/2018. Brasil, p. A5

 

Servidores do Tesouro propõem modelo de ajuste das contas públicas

Fabio Graner

15/10/2018

 

 

A Associação dos Servidores do Tesouro Nacional (ASTN) acaba de publicar um documento com sugestões para o ajuste fiscal. Entre as propostas, mudanças no sistema tributário para lhe dar mais progressividade, reforma da Previdência e definição de regras para a concessão e manutenção de subsídios e renúncias, que somaram R$ 4 trilhões de 2003 a 2017, segundo o material. No total, o documento dos funcionários do Tesouro aponta "18 diretrizes para um ajuste fiscal coerente".

"É urgente o debate político acerca de qual nível de estado de bem-estar social é desejado pela sociedade brasileira. Condições necessárias para este debate são: a ampliação do conhecimento acerca do funcionamento de diversas políticas públicas, em especial no que diz respeito aos seus objetivos e resultados; e a conscientização de que a adoção destas políticas gera um custo financiado pela sociedade", diz a apresentação do material. "Assim, para certa arrecadação, a escolha de financiar uma política pública implica em redução de recursos para o financiamento de outra", completa.

Ao abordar a questão tributária, o material defende privilegiar a cobrança de impostos sobre a renda em detrimento do consumo. "A carga tributária brasileira está concentrada demasiadamente em impostos indiretos. A tributação indireta não respeita a capacidade contributiva do indivíduo, tributando com mais intensidade indivíduos mais pobres. Enquanto nos países da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico], em média, 34,1% da arrecadação total tem como origem a tributação da renda, no Brasil esse valor é de apenas 21%", relata o texto, defendendo maior taxação sobre pessoas físicas e eliminação de tributação "ineficiente" sobre as empresas.

O documento ataca o que chama de distorções do imposto de renda. "Nos últimos anos, cerca de 30% dos rendimentos das pessoas físicas foram isentos do pagamento de IRPF, com destaque para a distribuição de lucros e dividendos que, em 2016, alcançou R$ 350 bilhões", diz. "A isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos de lucros e dividendos é altamente regressiva, uma vez que tais rendimentos estão concentrados nos indivíduos mais ricos", completa.

O material ressalta que uma dessas distorções é a chamada "pejotização", situação em que são contratados serviços executados por pessoas físicas por meio de empresas, cujas alíquotas tributárias são menores. "Estima-se que, se não houvesse o fenômeno da "pejotização", haveria arrecadação extra de R$ 51 bilhões em 2016".

Aponta ainda a necessidade de se criar alíquota máxima de IRPF acima da atual de 27,5%, "melhorando a distribuição do ônus tributário sobre a população". Segundo o texto, o nível máximo do tributo sobre a renda do brasileiro está bem abaixo da média dos países da OCDE, de 41,6%, e mesmo da média mundial, de 31,6%.

O material defende que se definam diretrizes, metas e prazos para todo e qualquer subsídio governamental. "De 2003 a 2017, foram gastos ou renunciados cerca de R$ 4 trilhões. Apesar da importância, em termos de dispêndio, não há monitoramento e nem coordenação dessa política. Cerca de 85% dos programas tem vigência indeterminada, sendo que nenhum contém metas e objetivos específicos", diz o texto.

O material acrescenta que esse gasto fiscal não está sujeito ao teto de gastos. "Há grande concentração em programas, cujos benefícios gerados não são claros para a sociedade", avalia o documento.

Outra sugestão é a sempre presente reforma previdenciária. O documento defende que se "uniformize os critérios de elegibilidade e valor do benefício entre servidores públicos (civis e militares) e trabalhadores da iniciativa privada e que, ao mesmo tempo, responda ao envelhecimento populacional" diz o texto.

O estudo reconhece que parte do aumento do déficit recente se deve a fatores conjunturais, que derrubaram a arrecadação, embora o movimento de deterioração das contas também se deva a fatores estruturais. "Soma-se a isso o elevado déficit per capita dos regimes próprios da União e de Estados, enquanto regimes recentes como o de municípios ainda apresentam superávit", diz, considerando ainda a necessidade de se considerar os custos de transição e possíveis impactos sociais na definição do novo modelo. Também defende que se estabeleça contribuição previdenciária para os servidores militares similar aos civis.

Os funcionários do Tesouro também defendem a eliminação de privilégios de poderes e carreiras do setor público. "As despesas de pessoal da União em proporção do PIB se encontram em patamar inferior ao apresentado no início dos anos 2000. Assim, analisando de forma agregada, as despesas de pessoal não representam um problema fiscal. Contudo, a evolução do agregado da despesa esconde significativas distorções entre carreiras e poderes".

O material também sugere "revisar a estrutura remuneratória de todo o serviço público a partir da avaliação compreensiva da remuneração de todas as carreiras", reduzir números de cargos e carreiras e explicitar na lei quais parcelas remuneratórias estão ou não sujeitas ao teto salarial.

Os funcionários do Tesouro querem ainda que se desenvolvam "regras fiscais que induzam a redução do endividamento público", que hoje é muito alto no Brasil. "A adoção de arcabouço fiscal que oriente meta de resultado primário para a redução do endividamento e que estabeleça limite para o crescimento da despesa é essencial", afirma o texto. "Conscientizar a sociedade dos números que envolvem a dívida pública federal. Diversos atores políticos falseiam a realidade ao tratar o endividamento público e seu financiamento como uma decisão política em benefício de 'banqueiros', que lucram ao financiar o Estado brasileiro".