Valor econômico, v.19, n.4609, 15/10/2018. Especial, p. A12

 

Dianteira do PT em área com Bolsa Família cai 

Ricardo Mendonça

15/10/2018

 

 

A análise dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial de 2018 por município conforme o alcance do Bolsa Família mostra que o PT mantém indiscutível vantagem nas áreas mais atendidas pelo principal programa de combate à pobreza do governo federal. Com larga vantagem, o presidenciável petista Fernando Haddad foi o mais votado nas regiões mais assistidas.

A comparação do desempenho de Haddad com a votação da ex-presidente Dilma Rousseff no primeiro turno de 2014, porém, mostra que o petismo tem perdido força nessas regiões.

Para chegar a essas duas conclusões, o Valor cruzou dados da apuração das duas disputas com informações do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) sobre famílias inscritas no programa de transferência de renda - criado e fortalecido nos mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma

Uma amostra da força petista nas áreas atendidas pelo Bolsa Família pode ser percebida nos resultados apurados nos 2.095 municípios em que o programa beneficia 40% ou mais da população. O candidato do PT, que obteve menos votos que Jair Bolsonaro (PSL) na apuração nacional, ganhou do rival em 1.995 dessas localidades. Nesse conjunto de municípios em que o Bolsa Família é muito presente, Haddad teve 60,4% dos votos válidos ante 20,6% de Bolsonaro.

O Bolsa Família é pago hoje para 13,7 milhões de famílias brasileiras com renda familiar per capita abaixo de R$ 178 por mês, a linha da pobreza. Cada cartão beneficia, em média, 3,4 pessoas, conforme o critério do MDS para análises estatísticas. No mês passado, o benefício médio do programa foi de R$ 188,78 por cartão. O total transferido às famílias foi de quase R$ 2,6 bilhões.

Quanto mais abrangente é o alcance do Bolsa Família numa região, melhor foi o desempenho de Haddad. No segmento dos municípios em que 60% ou mais da população é diretamente atendida (757 localidades), o petista obteve 67,1% dos votos válidos ante 16,6% de Bolsonaro.

O exemplo simbólico é o da pequena Guaribas, de 4.500 habitantes no sul do Piauí. Com 8 de cada 10 moradores beneficiados, é o município que registrou o melhor desempenho proporcional de Haddad no primeiro turno: 93,2% dos votos locais.

Guaribas ficou conhecida no início de 2003 como o ponto de estreia do Fome Zero, o programa de combate a pobreza lançado por Lula, que logo depois seria substituído pelo Bolsa Família. Na época, era o município com pior Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil. A posição foi superada nos anos seguintes, mas, conforme mostram os dados atuais, a dependência da população por programa assistencial pouco ou nada mudou.

No agrupamento de municípios em que 50% a 59% dos moradores são beneficiados pelo Bolsa Família, Haddad também venceu Bolsonaro por larga vantagem (59,6% a 19,8%), mas com 7,5 pontos a menos do que o obtido nas áreas em que o programa é ainda mais presente.

Nos agrupamentos de municípios selecionados para elaboração dessa reportagem, a votação do petista vai caindo gradativamente conforme diminui o alcance do programa social.

A segunda grande constatação a partir do cruzamento de dados é a diminuição da força do PT nas áreas em que o programa é muito presente. Em todos os segmentos analisados, Haddad teve desempenho pior que o de Dilma em 2014 (confira nos gráficos).

O petista perdeu para Bolsonaro nos locais em que 25% a 39% dos moradores são beneficiados. Nesse grupo, o placar foi 37,5% a 36,5% para o candidato do PSL. Em 2014, Dilma ganhou de seu maior rival, Aécio Neves (PSDB), em cidades com esse perfil. E com larga vantagem: 47,4% a 24,1%.

O cientista político Guilherme Russo, da Fundação Getúlio Vargas, destaca que a intensidade da queda da votação de Haddad em relação a Dilma foi ainda maior em áreas com pouca abrangência do Bolsa Família. "Aparentemente, o programa reteve o que seria uma queda ainda maior de Haddad", diz. "Sugere que o desempenho pior do PT neste ano pode estar mais associado a outros fatores, como imagem arranhada pela corrupção, do que a um eventual desgaste do Bolsa Família."

Coordenador da campanha de Haddad, o ex-prefeito de Osasco Emídio de Souza entende que não cabe comparação entre as eleições de 2014 e 2018. Ele alega que as conjunturas políticas e econômicas são muito distintas.

Segundo Souza, a força do PT no Nordeste não se deve só ao Bolsa Família, mas à transposição do São Francisco e ao acesso de estudantes ao ensino superior, entre outros programas associados a Lula. (colaborou Malu Delgado)