Título: Eles sonham com a paz
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 10/09/2012, Mundo, p. 12

Ex-reféns das Farc e familiares de sequestrados em poder da guerrilha afirmam ao Correio que veem as negociações para o fim do conflito com esperança e preocupação. Depois de passar anos na selva, libertados perdoam seus algozes

Eles foram arrancados da sociedade e do convívio de seus familiares. Viram-se obrigados a perambular como ciganos em meio à selva, expostos à humilhação e ao perigo de serem mortos durante um bombardeio. Quem conseguiu a liberdade, precisou reaprender a viver. Se a sociedade colombiana está cansada de uma guerra que já dura quase meio século e que custou a vida de dezenas de milhares de pessoas, ex-reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) têm uma sede urgente e genuína de paz. O Correio entrevistou três colombianos que, de uma hora para outra, foram sequestrados pelo conflito armado. Eles vislumbram o processo de paz com esperança, mas também com uma indisfarçável preocupação. E garantem que já perdoaram seus algozes, os integrantes da maior guerrilha da América Latina. Um pesadelo. Foi o termo usado por César Augusto Lasso Monsalve, sargento da Polícia Nacional da Colômbia, ao referir-se ao tempo passado na floresta. "Fiquei em poder das Farc por 13 anos e 5 meses", afirma à reportagem, por telefone, de Bogotá. "Ficamos 13 anos sem ver uma casa, sem ver um carro. Foram 13 anos longos." Pai de três filhos, ele foi capturado em 1º de novembro de 1988, quando 1,5 mil rebeldes invadiram a delegacia de polícia de Mitú, mataram 43 policiais e sequestraram 61. Sua libertação só ocorreu em 2 de abril passado, com 10 reféns.

O policial pede seriedade às Farc e ao governo de Juan Manuel Santos na condução das negociações para um acordo de paz, a partir de 8 de outubro. "Espero que a guerrilha entenda que a paz é o melhor caminho para o nosso país. E que os rebeldes compreendam que eles precisam cumprir com os compromissos firmados, a fim se reintegrarem à vida social", afirma Lasso. O ex-refém admite não sentir raiva nem rancor de seus algozes. "Não me alimento (desses sentimentos). Eu os perdoo e torço para que essa gente não continue com os sequestros e com a intimidação", comenta.

Lasso carrega algumas sequelas trazidas do cativeiro, principalmente problemas gástricos. A sanidade mental foi preservada à custa de um tratamento psicológico. Mas as lembranças ainda o perseguem. "Ficávamos acorrentados uns aos outros pelo pescoço, 24 horas por dia. Era uma tortura. Em 27 de abril de 2008, sofremos um ataque do Exército e uma bomba caiu a 50m de mim, mas não me afetou muito. Em 15 de setembro do mesmo ano, um raio atingiu e matou um guerrilheiro a 2m de onde eu estava. Em outra ocasião, um companheiro sequestrado também foi mordido por uma serpente, mas a guerrilha sempre armazenava soro antiofídico", relata.

Falhas O ex-deputado Sigifredo López Tobón — refém entre 11 de abril de 2002 e 5 de fevereiro de 2009 — explica que acompanha as negociações com “expectativa, esperança e preocupação”. “As conversações ocorrem em meio à guerra. Na mesa de diálogo, não há representação da sociedade civil, e o modelo tradicional de negociação usado provavelmente não responde às necessidades do processo”, critica, por e-mail.

Questionado se acredita ser moralmente aceitável que o governo negocie com um grupo considerado terrorista, López é contundente na resposta. “Estar contrário ao terrorismo e a favor de uma solução política, em um conflito que tem sido a causa de muitas tragédias da sociedade colombiana, não pode ser considerado uma incoerência”, admite.

Sobre o cativeiro, Sigifredo López recorda que “foram sete anos muito difíceis”. “Todos os dias foram difíceis, mas o pior foi o massacre de meus companheiros deputados.” Em 18 de junho de 2007, ele foi o único sobrevivente do grupo de 12 parlamentares reféns — os outros 11 acabaram executados pela guerrilha. Ele também diz não sentir raiva pelo que passou. “Já perdoei a todos os que me fizeram dano”, atesta.

“Penso que o sonho de todos os colombianos é desfrutar de uma Colômbia em paz, que nos permita caminhar livremente”, afirma, também por e-mail, o sargento do Exército Luis Alfredo Moreno Chagueza (leia o depoimento). “Que as crianças do campo possam se desenvolver e crescer livremente, que os agricultores e os cidadãos possam caminhar sem medo de um sequestro ou de um ato terrorista.”