O globo, n. 31338, 26/05/2019. País, p. 4

 

Recuos e reviravoltas

Marco Grillo

Marcello Corrêa

Gustavo Maia

26/05/2019

 

 

O custo que o improviso de decisões e declarações de Bolsonaro provoca no dia a dia do governo

Em apenas cinco meses de mandato, o presidente Jair Bolsonaro já deixou claro que a liturgia do cargo não o fez abandonar a espontaneidade de dizer o que lhe vem à cabeça, não importa se em reunião a portas fechadas no Palácio do Planalto ou nos microfones abertos a 210 milhões de brasileiros. Ideias que surgem não são combinadas sequer com seu primeiro escalão, e o custo de declarações e planos mirabolantes já apresenta sua fatura.

Não são raras situações de bate-cabeça ou operações para apagar incêndios maiores causados por declarações ou atos não planejados. Trata-se de rotina para quem o serviu até agora. Na semana passada, o presidente disse a jornalistas que seu governo preparava um projeto que geraria para os cofres públicos economia superior à cifra de R$ 1 trilhão prevista com a reforma da Previdência. A afirmação criou uma interrogação na equipe econômica do presidente.

O ministro Paulo Guedes não tinha ideia do que se tratava tal medida. Marcos Cintra, secretário especial da Receita Federal, teve de se dirigir ao Palácio do Planalto para conversar com Bolsonaro e entender a proposta. Naquele dia, cancelou sua ida ao Congresso, cujo intuito era discutir a reforma tributária —esta sim, real e urgente.

Cintra ouviu do presidente que o plano era o seguinte: a atualização do valor de imóveis. A ideia seria propor uma atualização obrigatória aos contribuintes — e taxá-la. Dessa arrecadação viria R$ 1 trilhão. A ideia não partiu do nada. O GLOBO encontrou um projeto de lei elaborado pelo advogado Luiz Bichara a pedido do ex-senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) destrinchando justamente a proposta, datado de 2017. Mas o texto nunca avançou no Senado.

Rotina de incêndios

No Ministério da Economia, foi mais uma situação de incêndio a ser apagado. Interlocutores do ministro consideraram a ideia “mirabolante” e que desviava do foco principal da equipe, que é promover reformas estruturais, com foco nas mudanças na Previdência. Depois da fala de Bolsonaro, técnicos da pasta foram orientados a tocar a proposta, mas sem priorizá-la, na esperança de que o presidente deixe o assunto de lado. Qualquer sugestão que seja entendida como “substituta” à reforma da Previdência é considerada pela equipe econômica um equívoco.

— Não gera entusiasmo. Isso nem foi cogitado e não acreditamos que vá adiante — disse um interlocutor de Guedes, pego de surpresa com a fala presidencial. Decisões intempestivas longe dos microfones também geram custo alto. Quando o decreto que flexibiliza o porte e a posse de armas, editado em 8 de maio, foi reprovado por pareceres de técnicos do Congresso e alvo de ações no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, designou uma subordinada para trabalhar exclusivamente, dia e noite, em uma nota técnica que rebatesse todas as alegações de inconstitucionalidade do texto.

O objetivo era mostrar que houve exagero na reação dos parlamentares. Parte importante do trabalho, contudo, foi em vão. O presidente decidiu que seria editado um novo decreto revendo os pontos considerados mais “frágeis”. A Lorenzoni, coube aceitar a reviravolta e ordenar que o trabalho fosse refeito.

Apesar dos percalços enfrentados pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, a seara de Paulo Guedes é a que tem passado por mais testes de estresse: Bolsonaro falou sobre arbitrar a taxa de juros do Banco do Brasil, interferir no preço do diesel e aumentar o IOF. Todas as declarações tiveram algum impacto no mercado — em especial no caso das ações do Banco do Brasil e da Petrobras, que desabaram ao menor sinal de interferência.

— O comportamento errático (de Bolsonaro) sinaliza a falta de rumo do governo — resume o cientista político pela USP Rubens Figueiredo.

—O mesmo presidente que assina a MP da liberdade econômica intervém no preço do diesel. Falas impensadas têm obrigado o porta-voz Otávio Rego Barros a valer-se de jogo de cintura para colocar os pingos nos is. Mesmo em contato com todos os ministérios, nem o próprio porta-voz tem todas as respostas. Questionado pelo GLOBO sobre os dados que embasavam a mais recente proposta do presidente, sobre imóveis, disse:

— É a pergunta de milhão de dólares.

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Documento enviado por Moro defende radares

Patrik Camporez

26/05/2019

 

 

Ofício encaminhado à Câmara reconhece que instrumentos têm ‘potencial para colaborar’ com redução da violência no trânsito

Contrariando o discurso do presidente Jair Bolsonaro, um documento encaminhado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, à Câmara dos Deputados reconhece que os radares têm “potencial para colaborar” com a redução da violência no trânsito no Brasil. Elaborado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), o ofício também defende outro sistema ainda mais rigoroso: monitoramento eletrônico de rodovias.

Seria uma “solução mais moderna” contra acidentes. “O controle e fiscalização de velocidade tem potencial para colaborar com a redução da violência no trânsito, contudo não é a única solução, de modo que é extremamente pertinente o debate para o aprimoramento do processo do emprego de radares, lombadas eletrônicas e outros”, diz trecho do documento. A PRF destaca que o monitoramento eletrônico é “mais abrangente que a mera fiscalização da velocidade por radar”.

Este método é mais rigoroso por possibilitar a aplicação de multas a distâncias muito maiores. O monitoramento é feito por meio de salas equipadas com computadores e telas que reproduzem, com alta precisão, imagens de câmeras espalhadas por estradas. O Código de Trânsito Brasileiro prevê que as multas podem ser emitidas à distância sempre que for verificada uma infração.

Moro encaminhou o documento à Câmara no dia 17 de maio, em resposta a um requerimento do deputado Ivan Valente (PSOL-SP). O ofício foi produzido pela PRF em 8 de maio. O parlamentar pediu ao ministro uma manifestação sobre declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro a respeito da retirada de radares das rodovias do país.

O texto da resposta afirma que, rotineiramente, a PRF vem estudando formas de reduzir os acidentes e otimizar suas ações. Diz ainda que o órgão vem acompanhando os posicionamentos do presidente da República, mas esquiva-se de comentar por que a declaração de Bolsonaro que deu base ao requerimento é relativa a uma ordem ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para cancelar a instalação de oito mil radares pelo país.

Foi no início de abril que Bolsonaro anunciou, por meio das redes sociais, a determinação ao DNIT para cancelar a instalação de equipamentos contratados na gestão do presidente Michel Temer. A Justiça, porém, reverteu o cancelamento. Na quinta-feira passada, Bolsonaro voltou a atacar a política de radares, anunciando já ter conversado com Moro sobre a retirada dos equipamentos móveis de fiscalização das rodovias federais.

— Você tem que estar preocupado com a sinuosidade da estrada, e não se um tem um pardal escondido atrás da árvore — disse o presidente na quinta-feira. Como resposta, a associação que representa os policiais rodoviários federais divulgou uma nota em que afirmou que a função desses equipamentos é salvar vidas e que a afirmação do chefe do Executivo está equivocada.

No documento encaminhado por Moro ao Congresso, há ainda planilha atestando a redução de acidentes e mortes nas rodovias federais entre 2014 e 2018. De acordo com os dados da PRF, o número total de acidentes caiu 59%: de 169,2 mil em 2014 para 69,2 mil em 2018. As mortes foram reduzidas em 36% no mesmo período, caindo de 8.234 para 5.269.