O globo, n. 31338, 26/05/2019. País, p. 12

 

Decretos engatilham procura por lojas de armas

João Paulo Saconi

Dimitrius Dantas

Jailton de Carvalho

26/05/2019

 

 

O tiro foi certeiro. Os decretos do presidente Jair Bolsonaro que afrouxam regras para cidadãos comprarem armas fizeram disparar o interesse por pistolas, revólveres e munições nos balcões das melhores lojas do ramo. De jovens que pedem para manusear espingardas por curiosidade a lojistas ansiosos por bons negócios em meio à crise de um país estagnado.

— Nas duas últimas semanas, a procura aumentou muito, por curiosos ou colecionadores e atiradores esportivos. O nosso termômetro é o telefone e também a quantidade de pessoas que entram na loja — diz o empresário Axl Satier, 37 anos, que administra desde 2014 uma rede com três pontos de venda no Estado do Rio. Algumas das principais capitais do país têm visto o movimento ressurgir. Ainda é cedo para ver os decretos traduzidos em números de vendas, mas lojistas ouvidos pelo GLOBO relatam como é a efervescência de um mercado até então oculto, restrito aos poucos que se aventuravam a obter posse ou porte de armas. Em uma loja do Tatuapé, em São Paulo, por exemplo, até uma carabina cor-de-rosa está exposta a interessados.

No intervalo de uma hora em que a reportagem esteve em uma das unidades de Satier, pelo menos dez pessoas foram até o balcão para comprar ou pedir informações diversas. Dois jovens na faixa de 20 anos, por exemplo, pediram para manusear peças do mostruário de espingardas. Enquanto isso, por telefone, um cliente fazia perguntas sobre os modelos de uso restrito às forças de segurança — que passaram a ser permitidos a civis.

— A liberação de modelos que antes eram de uso restrito abriu um leque expressivo para os compradores, o que aquece uma demanda gigantesca que já vínhamos atendendo nos últimos anos. Vamos ter mais opções para entregar. E isso inclui também os modelos importados —explica Satier, que está prestes a abrir uma quarta loja voltada para esses modelos. Quem deve movimentar o mercado, na avaliação do comerciante, são as faixas de renda mais altas. Um fuzil do modelo T4, produzido pela Taurus, teria compradores mesmo se custasse mais de R$ 20 mil:

— Não é qualquer um que vai comprar. Mas nós temos clientes que poderiam pagar até R$ 30 mil.

A nova legislação abriu a possibilidade para o porte de armas de maior calibre, como .40. Viraram, portanto, sonho de consumo agora possível para entusiastas e atiradores esportivos, embora o Exército ainda vá decidir, em 60 dias, quais serão restritas e liberadas a civis.

Burocracia

Um dos interessados é o vigilante paulistano Esmon Pimentel, de 32 anos. Ele tem posse de arma para defesa e também vai periodicamente a um clube de tiro. A .40 que almeja custa cerca de R$ 4 mil. Na sexta-feira, Pimentel acompanhou o colega Rogério Barbosa Pinto na Top Arms, loja do bairro do Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo, e uma das maiores da cidade.

— Ela serve para tiro esportivo e dentro de casa tenho para defesa. Tenho cofre, chave, tudo certo. Por que um cidadão de bem não pode se defender? É a minha família, é o meu patrimônio e, acima de tudo, é a minha vida. Quantos colegas eu já perdi porque foram perseguidos e mortos? —diz. Donos de lojas já estão acostumados com a burocracia para o registro da posse — que pode levar até seis meses para quem pleiteia o primeiro registro. A arma que o vigilante Rogério Barbosa Pinto comprou na Top Gun, por exemplo, só deve estar disponível em dois meses. Já Nilton Gonçalves, dono da Top Gun do Centro de São Paulo, afirma que, apesar da flexibilização, o decreto não está claro o suficiente — sobretudo em relação ao porte. Por isso, segundo ele, as vendas ainda não explodiram.

— Os decretos estão muito confusos. Fuzil, não estava claro quem iria vender. Para as novas categorias, não está detalhado o que pode e o que não pode. Chegam muitos advogados para falar de porte. Mas não é porque ele é advogado que vai poder tirar o porte. Estamos aguardando. Não adianta pegar o dinheiro agora e não saber como vai ficar —comenta.

A falta de clareza no decreto —que foi revisto e modificado na semana que passou — tem criado uma onda de desinformação em leigos interessados em se armar. Na loja Tucunaré, em Brasília, um dos mais antigos pontos de venda de armas da cidade, o vendedor Caio Agostino Queiroz diz que ligações de interessados se tornaram mais frequentes. Mas a maioria crê que basta ir à loja, fazer o pedido e levar a arma.

— O processo para adquirir a arma continua o mesmo. O que mudou é a quantidade de munição e o calibre que você pode comprar. Mas as vendas não aumentaram na proporção do aumento da procura (por informações) —diz Agostino. A possibilidade de porte tem atiçado a curiosidade de quem já tem armas e frequenta a loja PKF, em Brasília. A gerente Ediene Ribeiro diz que a maior parte dos que demonstraram interesse já têm armas e, agora, querem porte.

— Caminhoneiros e advogados querem informações, mas as vendas ainda não aumentaram —afirma. Ainda que o crescimento não seja visível, já há quem se preocupe com as dores do aquecimento de mercado. Na Aquarius, também em Brasília, a preocupação é com a entrada de novos vendedores. Diz um funcionário da empresa que não quis se identificar:

— As vendas vão aumentar. Mas a concorrência também —prevê.