Correio braziliense, n. 20429, 27/04/2019. Política, p. 2

 

Congresso aposta em diálogo interno

Alessandra Azevedo

Gabriela Vinhal

27/04/2019

 

 

Reforma da previdência/ Com as dificuldades de articulação do governo, deputados confiam nas negociações entre eles para definir os rumos da PEC das aposentadorias na Comissão Especial. E esperado um bom trânsito do relator e do presidente entre os parlamentares

A disposição para o diálogo sobre a reforma da Previdência tem norteado o discurso do governo na segunda fase de tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 6/2019 na Câmara, na Comissão Especial. Mas, na prática, o Planalto ainda tem dificuldade de se comunicar com o parlamento, que aposta mais em conversas internas para decidir os rumos da proposta. O presidente do colegiado, Marcelo Ramos (PR-AM), e o relator da matéria, Samuel Moreira (PSDB-SP), receberam bem a tarefa de articuladores e têm se mostrado abertos a discussões e cobranças sobre o texto.

Moreira, cuja nomeação foi criticada por uma ala do Centrão, reforçou que “o momento é de ouvir”. No Twitter, ele garantiu que terão espaço nesse diálogo “deputados, lideranças partidárias e sociedade”. Dois dias depois de ser nomeado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o tucano ressaltou a vontade de conversar com o colegiado e defendeu a necessidade de que a reforma seja aprovada. “O deficit da Previdência afeta a saúde fiscal do Brasil. Promover um ajuste robusto no sistema é o primeiro passo para sanear as contas públicas”, escreveu.

Conhecido por ter assumido a chefia da Casa Civil do governo de São Paulo, que tinha à frente Geraldo Alckmin, o tucano tem experiência com articulação política. Um deputado próximo a ele afirmou, que, além disso, Moreira é “conceituado, disciplinado e estratégico”. A aposta do parlamentar é que ele foi o escolhido com a missão de conseguir a transferência de votos da Comissão Especial para a aprovação no plenário. “O nome dele causa uma divisão no parlamento. Muitas pessoas não gostam, mas, quem conhece o trabalho dele sabe que é muito competente”, explicou.

As críticas não vieram apenas da oposição, mas também de boa parte dos deputados do Centrão. A escolha “não foi legal”, comentou um líder do grupo. “Foi para atender duas coisas: João Doria (governador de São Paulo) e mercado financeiro”, criticou. Como o relator é responsável pelo texto que será votado pelo colegiado — e, se passar, levado ao plenário —, o parlamentar teme que o tucano acabe prejudicando as discussões ou passando por cima de algum tema. “Mas não deve chegar a interferir, de fato, no resultado final. Se ele for inteligente, pega a ideia da maioria. Se não pegar, não aprova”, ponderou. Outro deputado do Centrão comentou que a nomeação incomodou alguns setores, “porque não queriam um relator tão alinhado com as ideias do ministro da Economia, Paulo Guedes”.

Alguns colegas próximos têm aconselhado Moreira a não apressar a elaboração do parecer, para não se indispor com os colegas e dificultar a aprovação no plenário. Esse grupo acredita que estipular um prazo para apresentá-lo seria um tiro no pé. Eles consideram que aumentar o número de integrantes da comissão, de 34 para 49, foi uma boa ideia justamente por isso. Assim, há mais gente para opinar, para discutir e construir algo minimamente consensual. Mas, além disso, tem mais apoiadores para ajudar a conseguir voto no plenário.

Expectativas

Como a articulação do governo ainda é alvo de críticas, um bom trânsito do relator e do presidente é esperado entre parlamentares. “Os deputados já mostraram que querem conversar com o governo. Agora, cabe a ele entender isso. Até o momento, quem quis a reforma foi o parlamento, não o governo”, disse o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO).

O Planalto sinalizou ao Congresso, algumas vezes, durante esta semana, que também está aberto para conversas. Cedeu à pressão e alterou o parecer na CCJ; agradeceu publicamente aos deputados depois da aprovação do parecer e ao chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni; e negociou R$ 10 milhões em emendas a deputados que topassem votar favoravelmente à reforma no plenário.

Entretanto, parlamentares ainda veem com resistência o processo de negociação do governo — colocam em xeque a credibilidade da atual gestão. Acreditam que Bolsonaro consegue aprovar projetos específicos por negociar caso a caso, mas não têm confiança para firmar acordo e fazer parte de uma base aliada. Um estudo da Prospectiva consultoria, que entrevistou 205 deputados, mostra que 56,9% deles temem que acordos feitos com o Executivo sejam descumpridos por deslealdade (8,7%), incapacidade (23,2%) ou ambos (25%). Mesmo dentro dos partidos da base, a confiança em acordos é de 59,5%.

“Os deputados já mostraram que querem conversar com o governo. Agora, cabe a ele entender isso. Até o momento, quem quis a reforma foi o parlamento, não o governo”

Delegado Waldir (GO), líder do PSL na Câmara

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Mais ricos, mais subsídios

27/04/2019

 

 

 

 

Quanto mais alto o benefício de quem se aposenta, maior é a parcela subsidiada pelo governo. Um estudo apresentado pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia mostra, por exemplo, que um juiz federal, que se aposenta com um benefício de R$ 35,1 mil, receberá, até o fim da vida, R$ 4,77 milhões em subsídios — a diferença entre o que ele efetivamente contribuiu para a Previdência e o que vai receber.
Esse é o “deficit individual” do trabalhador, ou seja, o quanto as contribuições são insuficientes para bancar o total de benefícios que ele receberá na vida de aposentado. Para o governo, o subsídio elevado é o retrato do sistema previdenciário brasileiro, que espelha um modelo “Robin Hood às avessas”, que retira dos mais pobres para dar aos mais ricos.
Pelos cálculos da SPE, com a proposta que está no Congresso, esse mesmo juiz que se aposentou com salário R$ 35,1 mil passaria a receber R$ 168,07 mil a menos do que contribuiu durante a sua carreira no serviço público. Ou seja, o subsídio passaria a ser negativo, já que ele vai pagar mais (a alíquota subiria) e vai ficar mais tempo na atividade para conseguir se aposentar.
O estudo foi feito para mostrar que quanto mais elevado é o salário, maior é subsídio que o trabalhador recebe na aposentadoria. Isso vale tanto para os trabalhadores da iniciativa privada quanto do setor público.
Pelos dados da SPE, porém, o subsídio pago na aposentadoria de um trabalhador (homem) do setor público que ganha três salários mínimos é mais que o dobro do que o da iniciativa privada que recebe o mesmo valor. Na regra atual, esse servidor recebe um subsídio de R$ 406,37 mil, ante R$ 186,10 mil dos trabalhadores da iniciativa privada.
Com a PEC, os subsídios não só cairiam como passariam a convergir. Para o servidor público, seria reduzido para R$ 32,35 mil, e para o trabalhador do setor privado, cairia para R$ 35,37 mil.

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Governadores terão de se posicionar

 

 

27/04/2019

 

 

 

A Comissão Especial deve discutir, em audiência pública com governadores, se as regras propostas aos servidores federais devem ou não valer para os estados e municípios. A possibilidade de retirar a vinculação automática, incluída pelo governo na proposta de emenda à Constituição (PEC) 6/2019, tem sido discutida desde a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se isso ocorrer, os governadores terão de resolver sozinhos os problemas previdenciários.

O presidente da Comissão Especial, Marcelo Ramos (PR-AM), reclamou da postura dos representantes de alguns estados, que se manifestam publicamente contra a proposta, mas, nos bastidores, pressionam pela aprovação. “Vou sugerir uma audiência pública, para que eles mostrem se são favoráveis ou não à reforma, porque alguns publicam nota para dizer que não apoiam, mas, na verdade, querem que aprove, já estão com as contas prejudicadas”, alfinetou Ramos.

Desde a CCJ, o deputado defende que estender as regras aos servidores estaduais e municipais fere o pacto federativo. Em conversas entre o Centrão e o governo, durante a negociação por votos, Ramos levantou a possibilidade de que essa mudança ocorresse ainda naquela etapa, mas eles acabaram concordando em deixar o assunto para a Comissão Especial. Na ocasião, o deputado do PR disse que tinha apoio parlamentar para defender a ideia.

Também é “indiscutível” uma audiência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou Ramos. O chefe da equipe econômica será convidado para apresentar os números relativos à reforma, muito cobrados pelos deputados durante a tramitação do texto na CCJ. “A minha ideia é fazer esse planejamento na próxima terça-feira”, comentou.

Ramos disse que pode colocar a matéria para votação logo depois das 10 sessões de apresentação de emendas e assim que forem esgotadas as audiências públicas, desde que o governo já tenha votos para aprová-la. “Se tiver votos, em 11 sessões, eu pauto, mas consegui-los não é responsabilidade minha. Até que consiga, tem de esperar, tem de discutir. A pior possibilidade é colocar para votação sem votos, porque aí impede até que se vote novamente a PEC este ano”, ressaltou. (AA e GV)