Correio braziliense, n. 20429, 27/04/2019. Política, p. 3

 

Corte nas áreas de Humanas

Bernardo Bittar

Bruno Santa Rita

27/04/2019

 

 

Poder/ Governo quer reduzir recursos direcionados aos cursos de filosofia e de sociologia e priorizar "áreas que geram retorno imediato"

O presidente Jair Bolsonaro elogiou a postura do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de propor a redução dos investimentos em cursos de áreas humanas, como filosofia e sociologia, para conseguir priorizar as faculdades que, nas palavras dele, “geram retorno de fato” — como “enfermagem, veterinária, engenharia e medicina”. O presidente disse que a ideia do governo é “focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte”, direcionando os recursos financeiros para melhorar a qualidade de ensino dessas faculdades.
A proposta de Weintraub foi anunciada quinta e endossada ontem pelo presidente. O ministro fez o anúncio durante transmissão ao vivo pelo Facebook ao lado de Bolsonaro, mas não detalhou a dinâmica da mudança e limitou-se a dizer que os alunos atuais não serão afetados. Ele disse que a decisão foi inspirada em medidas semelhantes adotadas no Japão, na área de educação.
“O Japão, que é um país que está tirando dinheiro público do pagador de imposto, de faculdades para a pessoa que já é muito rica, como, por exemplo, filosofia (sic). Pode estudar filosofia? Pode, com dinheiro próprio”, disse o ministro da Educação, e mencionou sociologia como outro curso que poderia ter investimento menor.
Em mensagem no Twitter, Jair Bolsonaro foi além e incluiu a expressão “humanas” para mostrar que esse direcionamento de gastos pode incluir outras áreas de estudo. “A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta, e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”, escreveu, na rede social.
Para o ex-secretário de Segurança Pública e da Paz Social (SSP) do DF Arthur Trindade, formado em filosofia, a repercussão do tuíte de Bolsonaro foi negativa. “É uma área científica como as outras. O método, a teoria, tudo. Está presente em todas as universidades do mundo, inclusive nas principais, como Oxford e Harvard”, disse.
Sobre a inspiração nipônica na decisão de Abraham  Weitraub, Trindade diz que: “no Japão, aconteceu isso durante três anos. O que o ministro não disse é que, lá, teve uma reação enorme”. Na opinião do filósofo, “o governo tem uma tendência de gestão contra a intelectualidade”.
Professor de filosofia da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Carlos Saldanha explica que “não dá para mensurar o valor de um curso só pensando no uso prático. Engenheiro constrói prédios, médico salva vidas, mas filósofos pensam o mundo de forma embasada, para tirar dúvidas e melhorar o pensamento sobre diversos temas”.
Repúdio
A Sociedade Brasileira de Sociologia criticou as declarações do presidente, afirmando que, certamente, as áreas de veterinária, engenharia, medicina são fundamentais para o desenvolvimento social e econômico do país. Mas disse que é importante dizer que as áreas de humanas têm “uma longa trajetória na história do conhecimento, elaborada em várias universidades espalhadas em diferentes partes do mundo e são igualmente importantes para a construção de um país moderno, desenvolvido e mais solidário”.
A sociologia, afirma em documento, é parte integrante do conhecimento científico, e os conhecimentos que ela produz estão baseados em fatos empíricos oriundos da realidade social que são confrontados com teorias e conceitos. A Sociedade, segue a nota, “não pode aceitar a acusação sem fundamento, que a sociologia tanto nacional quanto internacional produz ideologias ou coisas semelhantes”.
“A sociologia é uma ciência como as demais que integram esta modalidade específica de conhecimento, apartada de noções do senso comum. Está presente em praticamente todos os países com universidades e fornece contribuições relevantes nesses lugares”.
Japão já adotou a medida
Em 2015, diversos cursos de ciências sociais e humanas foram cancelados no Japão devido a uma recomendação do governo, para que as universidades “servissem a áreas que contemplassem as necessidades da sociedade”. Das 60 universidades nacionais que ofereciam cursos nessas disciplinas, 26 cancelaram ou reduziram as matérias assim que a decisão foi tomada.