Correio braziliense, n. 20429, 27/04/2019. Política, p. 4

 

Obsessão de desmascarar Moro

Bruno Santa Rita

27/04/2019

 

 

Justiça/ Na primeira entrevista desde que foi preso, Lula diz que lutará para provar a inocência. Ele classifica o governo como "bando de loucos" e afirma que gostaria de conversar com os militares para saber o motivo do ódio ao PT

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil está sendo comandado por um “bando de malucos”. A declaração foi dada, ontem, em entrevista autorizada pelo Judiciário, aos jornais Folha de S. Paulo e El País. O petista está preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, desde 7 de abril do ano passado.

Durante duas horas e 10 minutos, Lula falou sobre o atual governo, a morte do neto Arthur e a possibilidade de nunca sair da prisão. Ele disse que não vê problema em morrer sem direito à liberdade. “Eu tenho certeza de que durmo todo dia com a consciência tranquila. E tenho certeza de que Dallagnol não dorme, que o Moro não dorme”, emendou, numa referência a Deltan Dalagnol, um dos procuradores da Operação Lava-Jato, e a Sérgio Moro, juiz que o condenou à prisão e que hoje é ministro da Justiça.

Lula disse que tem um objetivo na cabeça: provar que seria inocente dos crimes de que é acusado. “Eu tomei como decisão que meu lugar é aqui. E eu tenho tanta obsessão de desmascarar o Moro, o Dallagnol e sua turma, e desmascarar aqueles que me condenaram”, ressaltou. “Não trocarei minha liberdade pela minha dignidade. Eu vou trabalhar muito para provar a minha inocência e a farsa que foi montada.”

O petista fez várias críticas ao presidente da República, Jair Bolsonaro. Ele avaliou que, sem um partido sólido, o atual mandatário não “perdura”. Além disso, convidou a elite do país a uma reflexão: “Vamos fazer uma autocrítica geral neste país. O que não pode é este país estar governado por esse bando de maluco. O país não merece isso e, sobretudo, o povo não merece isso”.

Ele afirmou também que gostaria de conversar com os militares e entender o porquê do ódio ao PT, uma vez que o governo dele teria recuperado o poder das Forças Armadas. Aproveitou para agradeceu ao vice-presidente Hamilton Mourão por ter prestado solidariedade quando morreu o neto dele Arthur, de 7 anos, e defendido a sua ida ao funeral. Ele chorou ao mencionar o assunto: “Eu já vivi 73 anos. Poderia morrer e deixar meu neto viver.”

Na entrevista, Lula comentou ainda sobre a necessidade de diálogo entre os partidos da esquerda e lembrou do episódio em que senador Cid Gomes (PSB-CE), irmão de Ciro Gomes (PDT), havia dito a frase: “O Lula tá preso, babaca!”. Quanto à política externa, o ex-presidente disse que, hoje, o país tem “o mais baixo nível de política externa” que ele já viu na vida.

Liberação judicial

A entrevista foi liberada após uma longa discussão no Judiciário. Na quinta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski deu parecer a favor de Lula, permitindo que ele selecionasse os veículos de comunicação pelos quais gostaria de ser entrevistado. Na primeira decisão, a Justiça havia dito que a entrevista seria aberta para outros profissionais da área, o que foi mudado logo em seguida.

Ironia

Lula ironizou o episódio em que Sérgio Moro, numa entrevista, pronunciou a palavra “cônjuge” de forma errada. “Sempre riram de mim quando eu falava ‘menas’. Agora, o Moro falar ‘conge’ é uma vergonha.”

Distância

Jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas tiveram de ficar a quatro metros do ex-presidente Lula. Ele respondeu às perguntas diante de uma mesa, da qual os entrevistadores não podiam se aproximar. A Polícia Federal informou aos presentes que a medida era o cumprimento de um protocolo de segurança comum a todos os presos.