Valor econômico, v. 20, n. 4761, 30/05/2019. Política, p. A12

 

'Pacto' de Bolsonaro provoca resistências.

Andrea Jubé

Isadora Peron

Fernando Exman

30/05/2019

 

 

A assinatura de um pacto institucional entre os três Poderes enfrenta resistências de líderes partidários no Congresso Nacional e no Judiciário. Segundo o Valor apurou, os parlamentares não pretendem apoiar uma iniciativa que contemple apenas bandeiras governistas, e cobram do Executivo informações concretas sobre o que será feito para reaquecer a economia. A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) divulgou ontem nota manifestando preocupação.

A ideia do pacto ganhou impulso na segunda-feira, depois que o presidente Jair Bolsonaro recebeu em um café da manhã os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Eles acertaram que a assinatura do documento deve ocorrer no dia 10 de junho, mas o presidente da Câmara tem ponderado que só irá subscrevê-lo depois de ouvir os líderes.

O líder da minoria no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), ponderou que "não tem cabimento" a assinatura desse pacto. Zarattini observou que Rodrigo Maia representa a instituição, tem poderes para conduzir a Casa, mas não responde pelas opiniões de cada deputado. "Aqui é debate político, não dá para ter um pacto. No máximo ele pode assinar um termo de ajustamento de conduta", argumentou.

Vice-líder do PSD, o senador Ângelo Coronel (BA) considera válido que o Executivo proponha um pacto pela governabilidade, mas espera que as pautas prometidas pelo Planalto, como o pacto federativo, finalmente saiam do papel.

O encontro realizado no Palácio da Alvorada entre os chefes de Poderes ocorreu um dia depois de milhares de pessoas saírem às ruas em apoio ao governo e à reforma da Previdência. Os manifestantes também criticaram congressistas e ministros do STF, o que gerou desconforto em ambas as instituições.

Lideranças partidárias lembram que os atos de domingo foram uma resposta às manifestações ocorridas dias antes, que tiveram como principal alvo a redução de verbas para a educação. "Tem que acabar com o enfrentamento, não dá para ficar levando nesse clima. Nosso papel é somar e extrair o que houve nas duas manifestações e aí assinar o pacto", afirmou o líder do DEM na Câmara, deputado Elmar Nascimento (BA).

Para ele, ignorar a pauta dos estudantes e de quem aderiu às mobilizações em defesa da educação seria um erro estratégico. "Terminaria jogando os estudantes no colo da esquerda, que é o que a esquerda quer", argumentou. "Eu estou totalmente à vontade porque sempre fui a favor da reforma da Previdência. Ele [Bolsonaro] que sempre foi contra", acrescentou.

Líderes partidários destacam também que, se o Palácio do Planalto conseguir reunir os votos necessários, o plenário da Câmara dos Deputados pode votar a reforma previdenciária na primeira quinzena de julho. E complementam: um pacto pela retomada do crescimento deveria conter sinalizações de como as instituições agirão para reaquecer a economia e reduzir o desemprego.

Nos bastidores, entretanto, auxiliares do ministro da Economia, Paulo Guedes, sustentam que o efeito da aprovação da reforma previdenciária será imediato. Segundo um auxiliar, automaticamente a reforma atrairá investimentos de longo prazo porque garantirá segurança jurídica e estabilidade fiscal.

Para a Ajufe, o presidente do Supremo não poderia se comprometer. "Sendo o STF o guardião da Constituição, dos direitos e garantias fundamentais e da democracia, é possível que alguns temas da reforma da Previdência tenham sua constitucionalidade submetida ao julgamento perante a Corte máxima do país", destacou a entidade por meio de nota. Para a associação, "isso revela que não se deve assumir publicamente compromissos com uma reforma de tal porte, em respeito à independência e resguardando a imparcialidade do Poder Judiciário, cabendo a realização de tais pactos, dentro de um estado democrático, apenas aos atores políticos dos Poderes Executivo e Legislativo".

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Protesto de estudantes busca manter mobilização contra o governo

Carolina Freitas

30/05/2019

 

 

Estudantes secundaristas, de graduação e de pós-graduação fazem hoje protestos em 150 cidades brasileiras e 11 no exterior contra a política educacional do presidente Jair Bolsonaro - em especial o corte de 30% no Orçamento da área. Com apoio de centrais sindicais e frentes populares, da qual fazem parte Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e Movimento dos Sem-Terra (MST), tentam repetir 15 de maio, quando milhares foram às ruas em 198 cidades, com a mesma bandeira da educação.

As manifestações de hoje acontecem dentro de um movimento encadeado - 15 dias depois do último ato e 15 dias antes da greve geral convocada por líderes sindicais para 14 de junho. Há um acerto de apoio mútuo entre as entidades. A estratégia é manter alta a temperatura da mobilização contra o governo Jair Bolsonaro.

"Os atos vêm em um movimento crescente. A pauta continua acesa", afirma Guilherme Boulos, líder do MTST e candidato derrotado à Presidência em 2018. Dentre os presidenciáveis, só Boulos confirmou participação. Fernando Haddad (PT) foi ao do dia 15, mas não decidiu sobre hoje. Ciro Gomes (PDT) disse apoiar a mobilização, mas não pretende ir às ruas. Geraldo Alckmin (PSDB) mostrou simpatia aos atos. "É importante que a população vá às ruas. Governar é fazer escolhas. Você corta outras áreas e preserva a educação", afirmou Alckmin ao Valor.

A decisão de marcar esse novo ato se deu às 18h do dia 15, assim que os organizadores fizeram o primeiro balanço sobre as ações daquele dia. A partir daí, lideranças estudantis conduziram assembleias, especialmente nas universidades e institutos federais (IFs) de ensino. O protesto de hoje teve na base de articulação estruturas descentralizadas, como grêmios estudantis e diretórios acadêmicos.

Nas capitais, centrais sindicais providenciaram carros de som. "A causa dos estudantes é justa", afirma o presidente da Força Sindical, Miguel Torres. Engrossam o grupo a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e a Conlutas.

A presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé da Silva, acredita que a sequência de protestos simboliza a construção de uma "aliança ampla" contra o que considera retrocessos de Bolsonaro. "Os pós-graduandos não se mobilizam tradicionalmente, mas agora sim, porque a situação é crítica. O que está em jogo é a possibilidade de se fazer pesquisa no Brasil." Os cortes do governo atingem bolsas de mestrado e doutorado.

"A pauta não esfriou", diz a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Marianna Dias. "O governo manteve os cortes e o ministro segue sem querer nos ouvir." Marianna e o presidente da Ubes, Pedro Gorki, foram retirados de audiência na Câmara com o titular da Educação, Abraham Weintraub, no dia 22, depois de o ministro dizer que não queria ouvir a fala dos representantes dos estudantes.

Em São Paulo, os protestos têm adesão dos alunos de faculdades particulares, como Pontifícia Universidade Católica (PUC), Mackenzie e Cásper Líbero. A concentração será às 17h no Largo da Batata, em Pinheiros. No Rio, os estudantes reúnem-se na Cinelândia.

Os organizadores dos atos de hoje evitam comparações com as manifestações recentes de apoiadores de Bolsonaro - e que levaram gente às ruas em 156 cidades. Ainda assim, acreditam que uma cena de domingo reforça a mobilização de hoje: de verde e amarelo, manifestantes arrancaram faixa que dizia "Em defesa da educação" da fachada da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba. "Como alguém pode ser incapaz de conviver com uma faixa que defende algo como a educação?", questiona Marianna Dias, da UNE.

As redes sociais da direita reagiram aos atos de hoje. Grupos de WhatApp pró-Bolsonaro disseminaram pedido para um "tuitaço" com a #Dia30MeuFilhoNãoVai. Na noite de ontem, era um dos tópicos mais citados no Twitter no Brasil, logo atrás de #Tsunami30M, de apoio aos atos de estudantes.

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"Caneladas existem", diz presidente

Carla Araújo

Marcelo Ribeiro

30/05/2019

 

 

Presidente Jair Bolsonaro fez visita não programada ao Congresso para comparecer a homenagem dos deputados ao humorista Carlos Alberto de Nóbrega

Sem uma base governista consistente, o presidente Jair Bolsonaro fez ontem um novo aceno ao Congresso. Sob forte esquema de segurança, o presidente atravessou a pé a rua que separa o Palácio do Planalto das instalações da Câmara, para participar de sessão solene em homenagem ao humorista Carlos Alberto de Nóbrega. No caminho, afirmou, em conversa com o líder do Novo na Câmara, deputado Marcel Van Hattem (RS), que os Poderes Executivo e Legislativo "têm tudo" para trabalharem juntos para mudar o Brasil.

À noite, em evento na sede da Embratur, Bolsonaro reconheceu que início de governo "tem alguns problemas, existem caneladas", mas que acredita que tem conseguido melhorar articulação com os outros poderes. "Nunca fomos inimigos e cada vez mais estamos nos aproximando", disse.

Em tom de desabafo, Bolsonaro falou ainda que ocupar a cadeira da presidência "é muito difícil" e que a economia é fundamental para o sucesso de qualquer governo. "Não é fácil enfrentar problemas e pressões", afirmou, defendendo a necessidade do avanço das reformas. "Temos uma reforma salgada pela frente, que é da previdência, mas ela é necessária", disse

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adotou tom similar de harmonia e disse que o diálogo entre os Poderes e da classe política com a sociedade é importante para que as mudanças saiam do papel. "Através do diálogo do Poder Executivo e do Legislativo, mas principalmente do diálogo da política com sociedade é que nós vamos mudar nosso Brasil e fazer o nosso Brasil voltar a crescer, gerar emprego e desenvolvimento para todos os brasileiros".

Maia minimizou ainda a declaração de Bolsonaro de que tinha uma caneta mais poderosa do que o presidente da Câmara por poder editar decretos e afirmou que o momento é de olhar pelo Brasil e não para picuinhas políticas. "Ele fala da importância que um bom decreto tem. Não tem maldade nenhuma. Não vamos criar maldade onde não existe", afirmou após participar da sessão solene junto com Bolsonaro para homenagear o humorista Carlos Alberto de Nóbrega.

Aliados do presidente interpretaram a visita surpresa à Câmara como mais um gesto de aproximação aos parlamentares, tentando encerrar o ciclo de sinais trocados dados por ele em relação ao Congresso. Em uma segunda escapada fora da agenda oficial, Bolsonaro foi até a Marinha para cumprimentar o comandante Almirante Ilques Barbosa, e disse que não pretende assinar decreto para tentar devolver o o Conselho de Controle Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública. "O parlamento agiu legitimamente, corrigindo o que eles achavam que tinham que corrigir. O Coaf continua no governo", disse.

Em sua terceira saída do Palácio do Planalto fora da agenda, na posse do presidente da Embratur, Bolsonaro disse não tem receio com a falta de segurança, apesar de ressaltar que sofre ameaças. "Qual o problema? Se tiver alguma coisa, vocês me enterram", disse, ressaltando não estão preocupado com a segurança. "Risco existe, de um sniper ou um homem bomba atrás de você, mas acreditamos que com Deus ao lado venceremos os obstáculos".