Título: Brasil, ainda um campeão de inflação
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 09/09/2012, Economia, p. 12

Com o custo de vida encostando nos 6% ao ano, apesar de o nível da atividade estar despencando, o país mostra incapacidade de se livrar de uma praga que prejudica, sobretudo, os mais pobresNotíciaGráfico

Assombrado por um passado de instabilidade econômica, baixos níveis de poupança e de investimento, o Brasil amarga ainda hoje uma das inflações mais pesadas do mundo. E pior: ao mesmo tempo em que os preços persistem em elevação, o país cresce a taxas minguadas. Nem mesmo o advento do Plano Real, responsável por transformações sociais poderosas nos últimos anos, tem sido capaz de parar determinados preços — alguns chegaram a ser reajustados em aproximadamente 1.000% nestes 18 anos de estabilidade econômica, algo impensável em nações civilizadas. Técnicos do governo apontam a indexação da economia, o crescimento da carga tributária e o baixo desemprego como os principais culpados pelo Brasil ainda ser o país da carestia.

Para quem olha de fora, parece um absurdo o brasileiro ter visto o preço da carne de boi e de frango subir 340,83% em 18 anos. Nesse mesmo período, os pescados dispararam 520,53%; os serviços, 534,94%, a conta de telefone, de TV a cabo e internet, 724,47%; os combustíveis domésticos, 835,98%. Na média do país, o custo de vida aumentou 309,7% no período, ou seja, mais que triplicou. Nesse mesmo espaço de tempo, os preços no Japão caíram 1%; nos Estados Unidos subiram 64%; na Alemanha, que viveu a pior inflação da história da humanidade, aumentaram 35%.

"O governo está brincando com a inflação. Se a presidente Dilma Rousseff não acordar para a realidade, corre o risco de perder a sua reeleição", alerta um ex-diretor do Banco Central (BC).

Na avaliação de integrantes da equipe econômica, não há, contudo, descontrole inflacionário. O Brasil, segundo eles, reúne condições diferentes das observadas no período pré-plano real. Parte desses ajustes estratosféricos, admite um deles, é culpa da crescente carga tributária. Nas contas de energia ou do segmento de comunicação, por exemplo, os encargos podem chegar a 30% do valor total das faturas, dependendo da região do país. O mesmo técnico pondera que alguns desses itens estavam com preços defasados quando o real passou a vigorar e foram corrigidos ao longo do tempo. Outros, na transição de moeda e também na privatização de empresas públicas, tiveram os reajustes atrelados à variação do dólar ou aos Índices Gerais de Preços (IGPs).

Ressentimento

Os técnicos do governo associam ainda a carestia à memória inflacionária do consumidor, sobretudo daquele que viveu os piores anos de instabilidade econômica. O ressentimento do brasileiro com o descontrole dos preços, avaliam especialistas, parece pior do que o do alemão, que, no período pós-guerra, enfrentou a pior inflação da história. Com esse medo e vigília permanentes, o Brasil não conseguiu se livrar de mecanismos inventados para conviver com a hiperinflação e deixou parte da economia indexada. Todos os anos, os trabalhadores olham para o passado e pedem recomposição salarial. Em outros países, esse cálculo é feito com base no futuro. Contratos de aluguel, reajustes de condomínio e tarifas públicas seguem essa mesma lógica e também realimentam a inflação ano após ano.

"Suponha que a inflação fechou o ano em 5,2%. Pela indexação, no ano que vem, se nenhum outro preço mudar, se pudesse congelar todos, à exceção dos contratos com correção monetária, já teríamos automaticamente 1,5% de carestia", calcula Simão Silber, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP). No governo, algumas iniciativas tentam minimizar esse efeito. Na última campanha salarial do funcionalismo público, por exemplo, a proposta do Palácio do Planalto foi de correções com base no futuro, um aumento salarial de 15,8% dividido pelos próximos três anos. "Isso pode criar parâmetros para a iniciativa privada. Indexação não se mata por decreto, ela morre de morte morrida", brincou um integrante da equipe econômica.

Outro fator que vem pesando sobre o custo de vida deste ano é o câmbio. O próprio governo admite, internamente, que o patamar de R$ 2 pode até ser confortável para a indústria exportadora, mas atrapalha a política monetária. Não à toa, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está acima de 5% neste ano e pode chegar aos 6% em 2013. Para especialistas, o problema mais grave da economia brasileira é a falta de competitividade e eficiência, uma falha que não pode ser compensada pelo dólar mais alto frente o real.

Diante dessa dificuldade de ampliar o ritmo de produção, os ganhos dos trabalhadores, que em algumas categorias beiram os 10% nos últimos anos, têm se transformado em inflação. Se o setor produtivo não consegue compensar os aumentos de salários com maior produtividade, os reajustes salariais vão bater diretamente no bolso do consumidor. "Estamos na faixa superior das taxas de inflação. Não me lembro de nenhum país que se possa chamar de civilizado que tenha mais de 2,5% ou 3% de inflação ao ano", pondera José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. "E pior, ainda tem países não civilizados com inflação mais baixa que a nossa", critica.

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra, argumenta que para vencer a inflação e conseguir crescer a taxas robustas, o Brasil precisa de agenda mais agressiva que amplie a competitividade do setor produtivo. "Precisamos de reformas mais amplas na parte tributária e trabalhista", afirma. Ele lembra que, a curto prazo, o BC, que vem cortando juros há um ano — a taxa básica (Selic) está em 7,5% ao ano e pode cair a 7,25% em outubro —, precisa ficar atento aos movimentos do Federal Reserve (Fed), o BC dos Estados Unidos.

Na próxima semana, são grandes as chances de a instituição anunciar um novo quantitative easing, uma operação semelhante a uma injeção gigantesca de dólares na economia mundial. Caso se confirme, ela tem poder de tornar mais caras as commodities (produtos básicos com cotação internacional), o que bateria diretamente na mesa do consumidor, sobretudo por meio da carne. "Potencialmente, é possível algum efeito sobre os preços, mas não nos parece que será em grande magnitude", observa. Para o governo brasileiro, a decisão da autoridade monetária norte-americana não deve trazer pressões inflacionárias para o país. A leitura da equipe econômica é que essa "receita ficou desgastada".

Peso dos lobbies O próprio governo, quando atende o lobby organizado de determinados setores, segundo especialistas, alimenta a carestia. A inclusão da batata-inglesa, por exemplo, na lista de produtos que terão imposto de importação aumentado, deve elevar o custo do produto no Brasil. O tubérculo, no ano, já acumula alta 24% e é um dos responsáveis pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em ritmo mais forte que o ideal. O governo retruca, porém, que se houver aumento de preço depois da nova alíquota, vai reduzi-la para compensar. "Esses benefícios pontuais não ajudam. Eles, inclusive, atrapalham o setor privado a calcular a taxa de retorno da produção e deixam em dúvida se amplia a produção ou não porque nunca se sabe até quando vai durar", reclama o economista Simão Silber. "Essa política discricionária é arbitrária. Quando não se tem regra definida, não faz bem para a economia", sentencia.