Valor econômico, v.19, n.4620, 30/10/2018. Opinião, p. A16

 

Novos tempos para os negócios 

Sonia Consiglio Favaretto

Aron Belinky

Mario Saraiva

30/10/2018

 

 

Fato raro: um guru da gestão empresarial declarou obsoleto um conceito de enorme sucesso e ainda em uso, criado por ele mesmo 25 anos antes. Essa atitude inusitada partiu do renomado professor e consultor John Elkington - pai do "triple bottom line" - que em recente artigo na Harvard Business Review lançou um recall do TBL, como é conhecido o conceito.

Hoje ninguém discorda que os resultados de uma empresa não devem ser avaliados apenas pelo "bottom line" usual das demonstrações contábeis - o financeiro - mas por uma linha tripla, que engloba também os ganhos e perdas ambientais e sociais resultantes de sua operação. Mas não era assim em 1994, quando Elkington cunhou a expressão que o deixaria famoso e passaria a balizar o campo da sustentabilidade empresarial.

Com tanto sucesso, por que então propor uma pausa para reforma do TBL? Nas palavras do próprio autor, o motivo é que "nenhum dos referenciais de sustentabilidade hoje utilizados pelas empresas será suficiente para mudar o perigoso rumo que hoje seguimos, pois lhes falta a essencial radicalidade - o ritmo e a escala necessários para impedir que continuemos extrapolando os limites planetários".

É um alerta dramático e, vindo de quem vem, é para ser levado muito a sério por empresas, investidores e quem mais esteja atento à competitividade empresarial e ao papel do setor privado na transição para uma economia verde e inclusiva. Elkington diz que há algo fundamentalmente errado com as ferramentas hoje utilizadas para avaliar se os negócios tidos como sustentáveis de fato nos levam à sustentabilidade. A boa notícia é que - ao concluir que estamos nos iludindo ao usar instrumentos incapazes de medir integralmente o que realmente importa - ele também indica possibilidades que se abrem para empresas capazes de trilhar com sucesso esse novo caminho.

Em essência, o autor constata que o ganho de popularidade do TBL veio acompanhado de uma distorção quanto às suas efetivas propostas e implicações: o que deveria ser uma perspectiva integradora (considerando de forma conjunta e com igual importância as dimensões econômica, social e ambiental) acabou reduzida, na prática, a uma abordagem fragmentada, em que as dimensões são vistas e apuradas como se fossem independentes umas das outras. Para ele, a distorção é ainda agravada na medida em que há uma preponderância absoluta da dimensão econômica e que esta, para piorar, é reduzida a um olhar sobre a situação financeira da empresa, em vez de enfocar o que a empresa cria (ou destrói) de valor econômico para a sociedade.

Em outras palavras, o que deveria ter sido um olhar transformador e disruptivo para renovação do capitalismo trouxe alguns avanços - como a inclusão de um olhar ambiental e social onde antes havia apenas o foco financeiro -, mas acabou capturado pelo mainstream. Fazendo um contraponto à constatação dos limites encontrados pelo TBL e ao recall de seu conceito, Elkington e colaboradores unem-se ao Pacto Global das Nações Unidas, lançando o "Project Breaktrough", que reúne propostas e visões do que promete ser a base dos negócios do futuro. Com o apoio de exemplos concretos, essa iniciativa traz a visão de que nas próximas décadas terão mais chance de ser vitoriosas as empresas cujos modelos de negócio, inovações e tecnologias tragam em si a contribuição para uma sociedade próspera, inclusiva, pacífica, colaborativa e sustentável.

No Brasil visão semelhante já está presente há algum tempo, como descrito no artigo "Da Empresa Cowboy à Astronauta", (Revista GV Executivo, set-out 2017) e refletido em instrumentos consagrados como o questionário do ISE - Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3. Coerente com seu pioneirismo, o ISE já vem enfocando essas questões, que são refletidas, por exemplo, na abordagem rigorosa com que desde 2015 incorpora os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da ONU) e na crescente ênfase a aspectos como a revisão dos modelos de negócio e do portfólio de produtos das empresas à luz de critérios estruturais de sustentabilidade.

Nesse mesmo sentido, a B3 e seus parceiros - FGVCes e Columbia Center on Sustainable Investment, da Columbia University - têm estudado formas de avançar radicalmente na qualidade dos instrumentos de transparência e avaliação da sustentabilidade empresarial, pela integração dos ODS e pelo uso de tecnologias de ponta, como Big Data e Inteligência Artificial.

O projeto de pesquisa realizado por meio dessa parceria promoveu três rodadas de debates, envolvendo mais de 60 especialistas de 14 países, e culminou em um evento aberto realizado dia 05 de outubro na sede da B3, em São Paulo. Sob o tema "Novos tempos para os negócios: perspectivas para além do triple bottom line", mais de uma centena de participantes discutiram, além dos avanços tecnológicos e metodológicos nos instrumentos de avaliação da sustentabilidade empresarial, um novo panorama de negócios, apresentado por Lorraine Smith, autora associada de John Elkington no relatório "Our Carbon Future", recém lançado.

Nesse cenário, um papel preponderante cabe à "New Carbon Economy": um sistema em que o sucesso de uma empresa é dado não só pelo seu desempenho no triple bottom line, mas sim, principalmente, pela sua capacidade de, ao operar, gerar como resultado líquido a redução do carbono atmosférico. Essa capacidade, traduzida no conceito de "carbon productivity", é identificada como elemento crucial para o futuro de nossa espécie.

Segundo afirmam os autores, de nada adiantará uma empresa ter ótimo desempenho financeiro e excelentes práticas sociais, ambientais e de governança se sua atividade normal não resultar em redução sistemática na concentração dos gases que, acumulados na atmosfera, causam o efeito estufa e as mudanças no clima (GEE). Isso porque, como mostram evidências científicas, a quantidade de GEE já presente na atmosfera é suficiente para gerar efeitos devastadores na economia humana e no habitat de que dependemos.

Apesar do lado preocupante, as perspectivas vislumbradas devem também ser vistas pelas oportunidades que apresentam: 250 anos depois de termos começado a queimar massivamente os combustíveis fósseis, chegou a hora de invertermos o sinal. Como a 4ª Revolução Industrial inaugura um novo mundo, e nos chama a superarmos nossos limites, assimilando novas formas de reconhecer o sucesso e abrindo espaço para formas inovadoras de empreender, reconhecendo demandas e as atendendo com parâmetros de eficiência e qualidade adequados ao mundo interligado e interdependente retratado nos ODS.