Valor econômico, v. 20, n. 4786, 05/07/2019. Brasil, p. A5

 

Pesquisador defende Censo a partir da base de dados do governo

Alex Ribeiro

05/07/2019

 

 

Em meio à controvérsia sobre o censo de 2020, que será menor para se adequar a um orçamento mais apertado, o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) Vagner Ardeo defende começar desde já uma mudança radical para o levantamento seguinte, de 2030. Em vez de pesquisadores que visitam cada um dos domicílios brasileiros, a principal matéria-prima deverá ser as diversas bases de dados sobre a população do próprio governo.

"O Brasil está atrasado nessa agenda", afirma Ardeo, vinculado ao Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV. Os países nórdicos, como Suécia, Noruega e Dinamarca, têm uma experiência mais antiga no uso de dados de registros administrativos nos respectivos censos nacionais.

Hoje, o governo já tem em mãos todos os registros de nascimentos e óbitos e várias outras bases de dados com cidadãos que interagem com o governo, incluindo o recebimento de benefícios sociais, atendimentos nos sistemas públicos de saúde e educação e os cadastros de contribuintes e de trabalhadores formais.

"Todas as pessoas que nascem e morrem, salvo algumas exceções, têm uma certidão em cartório", afirma Ardeo. "Esse é um ponto de partida para o censo", disse ele, argumentando que outras bases de dados e levantamentos complementares podem apontar onde estas pessoas estão morando e fornecer outras informações socioeconômicas.

A Inglaterra está tocando um programa para substituir o censo tradicional por um feito com informações colhidas de forma on-line e com base de dados de registros administrativos. Em 2021 os ingleses vão fazer dois levantamentos sobre a população, um tradicional e outro com essas bases de dados, para checar se essa nova metodologia de fato substitui o censo a contento.

Na nova sistemática, é possível atualizar os dados com frequência maior do que o período de dez anos normalmente usado nos censos tradicionais - atendendo à demanda por informações mais atualizadas para subsidiar e avaliar políticas públicas do próprio governo.

"Hoje, os órgãos do governo já detêm um grande volume de informações, falta abrir esses dados para o público", afirma Ardeo. Isso significa, segundo ele, criar leis que obriguem a divulgação de informações em poder do governo, que em alguns casos devem ser submetidas a um processo de desindentificação para proteger o sigilo dos cidadãos.

Há cerca de uma década, conta o economista, o Banco Central solicitou que a FGV criasse um índice de preços de imóveis, nos moldes do americano Case-Shiller, tipo de informação considerada estratégica para identificar se estão sendo formadas bolhas especulativas nesse mercado. Isso envolve acompanhar o que acontece com os preços do mesmo imóvel à medida em que ele é comprado e revendido. A dificuldade tem sido convencer a Receita Federal a abrir a sua base de informações de registros de imóveis.

O bom exemplo no governo ocorre no Ministério da Cidadania, que abriu na internet dados do cadastro único, com nomes de cerca de 75 milhões de beneficiados em 28 programas sociais diferentes do governo.

Para serem liberados, esses dados tiveram que ser desindentificados, o que significa excluir nomes e números de documentos, além de dados e características de grupos que vivem em pequenas comunidades que poderiam revelar a identidade dos indivíduos vinculados a esses programas.

"O número de acesso a esses dados aumentou muito desde que foram abertos, em 2017", afirma o secretário de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério da Cidadania, Vinicius Botelho. "Temos nos beneficiado com o retorno de pesquisas feitas em cima do cadastro."

Uma outra frente de trabalho defendida por Ardeo é fortalecer a segurança e credibilidade de dados produzidos pelo setor privado. Com as enormes bases de dados acumuladas na economia digital, chamadas de "big data", empresas privadas de forma crescente podem produzir estatísticas econômicas.

O problema, diz Ardeo, é produzir indicadores sem qualidade ou simplesmente mentirosos. "Da mesma forma que temos 'fake news', podemos ter 'fake data". No Reino Unido, a solução foi dar liberdade para a produção de estatísticas, mas é uma instituição pública (UK Statistics Authority) que faz a certificação com um selo de qualidade para aquelas que são confiáveis para assegurar a confiabilidade das estatísticas.

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Na Câmara, presidente do IBGE faz a defesa da redução do questionário

Mariana Muniz

05/07/2019

 

 

Sob críticas de que cortes nas perguntas do Censo Demográfico de 2020 comprometerá o levantamento, a presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Susana Guerra, foi ontem à Câmara dos Deputados para responder aos parlamentares sobre possíveis impactos nas políticas públicas e defendeu que as alterações na pesquisa seriam feitas mesmo sem as restrições orçamentárias impostas ao órgão.

"Orçamento e qualidade estão desvinculados. Mas uma coisa é qualidade, outra coisa é adequação ao orçamento. O ministro [Paulo Guedes, da Economia] nos deu um orçamento. Como fazer isso, cabe ao IBGE. Mesmo sem restrição, nós faríamos ajustes no questionário. O mundo está com operações mais enxutas", justificou Susana, na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa.

Em maio, a instituição anunciou que os questionários do censo foram aprovados pelo seu conselho diretor com a redução de cerca de um terço das questões, eliminando perguntas sobre posse de bens, rendimento, deslocamento ao trabalho, emigração internacional, entre outras. A redução provocou críticas de parte do corpo técnico do IBGE e de setores da sociedade civil.

Além da presidente do IBGE, foram sabatinados o diretor de Pesquisas, Eduardo Rios-Neto, e o diretor de Informática do instituto, David Wu Tai. Contrários às mudanças do censo, o demógrafo do IBGE Antônio de Oliveira, o pesquisador do IPEA Fernando Gaiger e a presidente do sindicato do IBGE, Dione de Oliveira, também foram convidados para a comissão da Câmara.

Na tentativa de responder às críticas de que a qualidade do censo estaria comprometida, Susana argumentou que a "prova" de que orçamento e qualidade estão desvinculados está no fato de que "tudo o que poupamos foram investidos na remuneração do recenseador". "Não comprometemos a peça principal, que é a remuneração do recenseador."

Questionado sobre como os cortes nos questionários foram feitos, Rios-Neto afirmou que, apesar de não ter sido realizado um estudo prévio, as decisões foram embasadas "em conhecimento técnico".

Outro dado retirado, sobre valor de aluguel, também foi alvo das considerações dos participantes. Para o demógrafo Oliveira, a mudança inviabiliza o cálculo do déficit habitacional. "Quando tiro essa informação do questionário, não permito calcular o débito habitacional de cada município. Isso é atraso, não é modernização, é retrocesso."

Rios-Neto se comprometeu a "mitigar eventuais transtornos" com relação à mudança. "É um compromisso que faço aqui." A presidente do IBGE defendeu a modernização na instituição, que precisou, segundo ela, se enquadrar em um orçamento. "Esse é um desafio que não é só do IBGE, mas de todos os órgãos públicos do Brasil neste momento."

Ao fim da audiência, o autor do requerimento, deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), afirmou que a comissão enviará um requerimento de informação para que o IBGE mostre "tecnicamente" por que os cortes no Censo foram feitos. E disse, ainda, que entrará com uma representação no Ministério Público para "impedir que os cortes afetem políticas públicas importantes".