Valor econômico, v.19, n.4621, 31/10/2018. Brasil, p. A3

 

Equipe de Bolsonaro quer privatizar Docas e extinção da Telebrás 

Daniel Rittner 

Fabio Graner 

31/10/2018

 

 

O roteiro traçado pela equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para alavancar investimentos em infraestrutura prevê medidas como privatização gradual das Companhias Docas, troca do critério de menor tarifa de pedágio por maior valor de outorga nos leilões de rodovias federais, novas ferrovias pelo regime de autorização, universalização dos serviços de banda larga em um prazo de quatro anos e isenção de impostos para a compra de debêntures de infraestrutura também por pessoas jurídicas.

Com papel preponderante do setor privado, Bolsonaro pretende elevar os investimentos em infraestrutura para R$ 180 bilhões em 2019 e chegar à marca de R$ 250 bilhões em 2022, quando termina o mandato presidencial. Para ter uma ideia do salto que isso representa, os desembolsos totais em transportes, energia elétrica, saneamento, mobilidade urbana e telecomunicações ficaram em R$ 110 bilhões no ano passado.

Sob comando do general Oswaldo Ferreira, um dos militares mais próximos de Bolsonaro, o plano para a infraestrutura foi coordenado pelo economista Paulo Coutinho, professor da Universidade de Brasília (UnB) e diretor do Centro de Estudos em Regulação de Mercados (Cerme). Tem vários eixos paralelos - não necessariamente nesta ordem.

1) Financiamento: as debêntures incentivadas de infraestrutura, que isentam o investidor pessoa física da cobrança de Imposto de Renda, devem ter esse benefício tributário estendido para pessoas jurídicas. A ideia é atrair mais investidores institucionais, como fundos de pensão. Com isso, as emissões podem chegar a R$ 50 bilhões, segundo estimativas feitas pela equipe de Bolsonaro. Para efeito de comparação, os papéis colocados em mercado no ano passado somaram R$ 9,1 bilhões. Neste ano, até setembro, aumentaram para R$ 16 bilhões e alcançaram um valor recorde. Essa ideia pode andar mais rapidamente porque já estava em fase final de elaboração pela atual equipe econômica.

Criadas por uma lei de 2011, as debêntures com isenção de IR são lançadas principalmente por concessionárias de energia e logística. Com esse reforço, acredita-se que o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento dos projetos de infraestrutura também pode ser redimensionado. Na visão dos auxiliares de Bolsonaro, o banco deveria oferecer crédito de menor duração, com desembolsos concentrados no período inicial de obras das concessões. O financiamento de longo prazo ficaria com as debêntures.

2) Portos: a privatização das Companhias Docas é um tabu que o novo governo pretende enfrentar. O plano abrange todas as administrações portuárias, inclusive a Codesp, responsável pelo Porto de Santos (SP), o maior do país. Dificilmente será tudo de uma vez. A gestão de Michel Temer incluiu no ano passado a Codesa, que gerencia o Porto de Vitória (ES), no programa de concessões, mas houve pressão política e a ideia foi deixada de lado.

A equipe de Bolsonaro quer dar ênfase ainda à navegação de cabotagem como alternativa para o transporte de cargas. O segmento tem crescido 10% ao ano, mas ainda está abaixo do potencial. Por isso, uma aposta é criar terminais portuários especializados em cabotagem, reduzindo sensivelmente toda a burocracia envolvida na movimentação de cargas domésticas. Hoje elas usam os mesmos terminais com operações internacionais, que requerem a presença da Receita Federal, da Polícia Federal, da Anvisa, do Vigiagro. Também pretende-se abrir a importação de embarcações, reduzindo o custo.

3) Telecomunicações: a prioridade é universalizar a oferta de banda larga até 2022. Para isso, será preciso mudar o regime contratual das operadoras de telefonia fixa de concessão para autorização. Isso poderia ocorrer com a aprovação de um projeto de lei que tramita há anos no Congresso. As teles passariam a operar como serviço privado, com regulação mais leve.

O projeto também permite às operadoras incorporar aos seus ativos os bens que ficaram com elas no momento da privatização, como imóveis e redes de telefonia, e precisariam ser devolvidos à União ao final dos contratos de concessão. Em troca, as empresas serão obrigadas a investir valor equivalente na oferta de banda larga, com velocidade mínima de 10 Mbps. Sem isso, no ritmo atual, a universalização levaria 20 anos.

O leilão de frequências de 5G, a quinta geração de telefonia celular, só deve ocorrer em 2020. Não se aposta, na equipe de Bolsonaro, em fazer essa licitação ainda em 2019. Do ponto de vista fiscal, significa menos recursos extraordinários para o Tesouro. O plano também prevê a extinção da Telebrás. A única dúvida é como ficaria o satélite geoestacionário de defesa e comunicação estratégica, hoje sob controle da estatal, que precisaria migrar para outra estrutura.

4) Rodovias: no entorno de Bolsonaro, considera-se esgotado o modelo de leilões em que sai vitorioso quem oferece a menor tarifa de pedágio. A tendência das empresas, segundo auxiliares do presidente eleito, tem sido afundar os lances irresponsavelmente e depois negociar reequilíbrios contratuais. A avaliação é que leilões por maior cobrança de outorga evitam esse tipo de imprudência. De quebra, ajudariam os cofres públicos, embora não seja essa a prioridade.

Em vez de oferecer lotes individuais ao setor privado, uma ideia em estudo é apostar em concessões de blocos regionais de rodovias. Uma estrada com maior fluxo de veículos, e portanto mais potencial de receita com pedágio, pode entrar no mesmo bloco de outra estrada com menos tráfego. É o modelo que a equipe tem chamado de "filé com osso".

5) Ferrovias e aeroportos: seguem uma linha de continuidade. O leilão de 12 aeroportos divididos em três lotes, que Temer não conseguirá fazer até o fim deste ano, deve ser mantido para o primeiro trimestre. A equipe de Bolsonaro pretende seguir oferecendo aeroportos de alta lucratividade, como Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), junto com terminais deficitários. A privatização total da Infraero ainda não está no radar por causa dos aeroportos pequenos.

Os leilões da Norte-Sul e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) devem ser realizados já nos primeiros meses do governo Bolsonaro. As renovações antecipadas de concessões no setor, como as ferrovias da Vale e a Malha Paulista, da Rumo, prosseguem nos moldes atuais. A construção de um trecho de 383 km da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Goiás e o Mato Grosso, continuará sendo exigida em troca das extensões contratuais por 30 anos.

A estatal Valec será extinta e o projeto da Ferrogrão, que vai ligar Sinop (MT) a Miritituba (PA), passaria a ser pelo regime de autorização. Para isso, seria necessário aprovar um projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP).

6) Saneamento: mesmo com as restrições fiscais, o governo se dispõe a investir em obras de água e esgoto em Estados e municípios, mas condicionando o apoio ao compromisso de os entes privatizarem suas estatais.

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Projeto de Serra deve ser usado para destravar ferrovias 

Daniel Rittner 

31/10/2018

 

 

As ferrovias podem seguir o mesmo caminho percorrido pelo setor portuário na ampliação da oferta de infraestrutura. Um projeto de lei em tramitação no Senado estende ao transporte ferroviário o modelo de autorização vigente para os portos privados.

O projeto apresentado pelo senador José Serra (PSDB-SP) é visto com agrado pela equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que quer usá-lo como alavancagem para investimentos no setor.

Desde 2013, quando foi sancionada a nova Lei dos Portos, os projetos de terminais privativos somam R$ 21 bilhões. Eles são erguidos necessariamente fora de áreas públicas, por conta e risco do empreendedor, que fica responsável por toda a infraestrutura de apoio - como conexão à rede de energia elétrica, dragagem e acesso. Por outro lado, o contrato pode ser renovado sucessivamente e a regulação é menos pesada.

Em linhas gerais, o projeto de Serra replica esse modelo para as ferrovias. Onde não houver mais de um grupo interessado, novos projetos poderão ser implementados por meio de autorizações, e não pelo regime de concessão.

"Nos Estados Unidos e no Japão, por exemplo, o investidor que apostar no proveito econômico de uma linha férrea obtém autorização do poder público para sua implantação. A ferrovia é privada, mediante a autorização do Estado", disse Serra ao Valor.

"No modelo de concessão adotado hoje no Brasil, o poder público define a rentabilidade, o objeto e o prazo do projeto no processo licitatório. Nesse desenho, não prevalece o ponto de vista econômico e financeiro do setor privado. A ferrovia é vista como serviço público. No esquema de autorização, a empresa exploradora da ferrovia prepara seu projeto, com liberdade para definir o traçado, o preço e a qualidade do serviço. Ao Estado cabe autorizar ou não a exploração da ferrovia, mediante contrato, e regular aquela atividade econômica em matéria de questões técnicas e de segurança."

A ideia, que tem amplo respaldo de auxiliares de Bolsonaro na área de infraestrutura, é destravar três tipos de empreendimentos com a aprovação da proposta.

Um dos alvos são projetos como o da Ferrogrão, que ligará Sinop (MT) a Miritituba (PA), com orçamento estimado em R$ 12,7 bilhões. O valor do investimento é muito alto, existe apenas um grupo de investidores declaradamente interessados e não se prevê concorrência em um eventual leilão. Por não ter amarras como prazo contratual e teto de tarifas, o regime de autorização poderia funcionar melhor para esse caso.

O segundo caso é o de trechos abandonados pelas atuais concessionárias de ferrovias, que podem ser reativados, mas com maior flexibilidade regulatória.

O terceiro tipo de projeto que ganharia com a aprovação do PL são as chamadas "short lines", pequenas ferrovias que operam em ramais secundários, a partir das grandes linhas férreas. Hipoteticamente, seria um ramal de curta extensão saindo da Norte-Sul para escoar os grãos de uma fazenda em Goiás ou saindo da Malha Paulista para atender a uma fábrica no interior de São Paulo. Nos Estados Unidos, há 603 "short lines" funcionando. Elas representam 29% de toda a malha existente no país.

"Gosto da ideia do projeto, ele reduz a burocracia, mas precisa ser bem implementado", diz o gerente-executivo de infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Wagner Cardoso. Ele pondera que as "short lines" só se tornam viáveis se houver capacidade ociosa nos troncos ferroviários principais. "Há 20 anos estamos tentando o tráfego mútuo [entre operadoras] e sem regulamentar adequadamente o direito de passagem", afirma.

O PLS 261 está sob relatoria da senadora Lúcia Vânia (PSB-GO) na Comissão de Assuntos Econômicos. Depois, precisaria passar pelas comissões de Infraestrutura e Constituição e Justiça.

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No setor elétrico, prioridade é vender Amazonas Energia 

Camila Maia 

31/10/2018

 

 

A prioridade da equipe de transição do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), no setor elétrico é solucionar a privatização da Amazonas Energia, empresa que gera prejuízos da ordem de R$ 350 milhões ao mês, disse ao Valor Luciano de Castro, professor da Universidade de Iowa e principal assessor da equipe na área de energia.

"A situação como está é insustentável, não podemos continuar assim, é uma perda absurda", disse Castro. Segundo ele, além de ser ineficiente, a distribuidora paga um serviço da dívida muito oneroso, não tem repasses integrais de custos com compra de combustível para geração de energia, além de ter perdas enormes.

O professor contou que está em contato frequente com Wilson Ferreira Junior, presidente da Eletrobras, para discutir o tema das distribuidoras. "Estive com ele na sexta-feira passada, já conversamos umas duas vezes desde então, para tratar algumas alternativas em relação à Amazonas."

"O problema é viabilizar a privatização e contornar o problema que foi a rejeição do PL 77 pelo Senado", disse Castro, referindo-se ao projeto de lei que viabilizava a operação das distribuidoras da Eletrobras e também solucionava o problema do risco hidrológico (medido pelo fator GSF, na sigla em inglês). O texto enviado pela Câmara foi rejeitado pelo Senado, criando um grande problema para o governo e para a administração da estatal elétrica.

Um dos problemas que precisam ser equacionados em relação à Amazonas Energia refere-se à dívida da distribuidora com a Petrobras. Um acordo de renegociação do pagamento foi feito em abril, mas a parcela de R$ 3,5 bilhões da dívida dependia de um aporte do Tesouro para ter garantia. Esse aporte também estava no projeto de lei rejeitado.

"A dívida da Amazonas Energia é bilionária. Eles estão considerando algumas alternativas, já foi falada uma possível medida provisória", disse Castro. Conversas com a Petrobras também estão sendo travadas. "O governo atual ainda está na liderança disso. Estou acompanhando o que estão fazendo e, a partir de semana que vem, teremos um pouco mais de interação para discutir o que deve ser feito", afirmou.

Como vai participar da equipe de transição do governo, Castro terá acesso às reuniões sobre o tema para ter uma ideia melhor de como solucionar o entrave.

Se nada for feito, a Amazonas Energia será liquidada em 1º de janeiro de 2019, justamente quando o governo de Bolsonaro assume. "Vamos ver o que é possível fazer para evitar isso", disse Castro.

A situação da Ceal, distribuidora do Alagoas, também preocupa o especialista. Nesse caso, a privatização está suspensa por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF). Governo de Alagoas e União ainda discutem detalhes da venda. Segundo Castro, sua equipe ainda não conversou sobre o tema com Renan Filho (MDB), governador reeleito. "Não estabelecemos contato com Alagoas ainda, mas devemos ter nesse mês de transição", afirmou.

"Uma coisa importante a se deixar como mensagem é o conforto ao povo do Amazonas e de Alagoas. Vamos garantir a continuidade do serviço. Estamos com todo o cuidado protegendo os interesses do povo desses Estados", assegurou Castro.

O segundo problema urgente, na visão do professor, é o GSF, cuja solução também estava no projeto de lei rejeitado no Senado. "Consideramos algumas alternativas. A Aneel recentemente propôs uma solução; não cheguei a analisá-la com profundidade, mas ela tem problemas também. Não há uma solução perfeita. A melhor de todas era o PL."

De acordo com o especialista, nenhuma alternativa, inclusive uma MP, está descartada. "Estamos trabalhando para encontrar uma solução", disse.

Esses problemas são urgentes, mas há outras questões importantes que serão discutidas durante a transição para o novo governo. "Vamos tentar focar em coisas importantes como a revisão das regras do setor elétrico, organizar a expansão, os mecanismos de negociação e o mercado livre. As questões estruturantes, para que o setor volte a funcionar com todo o vigor que o Brasil merece", disse.

O ponto de partida será a consulta pública (CP) 33, lançada pelo então ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho (DEM-PE), que debateu a mudança do modelo do setor elétrico e recebeu centenas de contribuições. "Será quase como que pegar uma obra que foi iniciada e não acabada ainda. Vamos retomá-la para acabar a obra", explicou.

A definição da equipe de energia, motivo de ansiedade em todo o setor devido às declarações de Bolsonaro de que vai priorizar nomes técnicos, ainda está sendo feita, disse Castro. "Não posso dizer quanto tempo vai levar, ao longo do período o presidente vai definir os nomes. Se eu pudesse dar um palpite, diria que não deve levar muito tempo", disse.

A equipe de energia tem diálogo tanto com o grupo econômico, liderado por Paulo Guedes, quanto com o ala dos militares, com o general Augusto Heleno à frente.

"Tenho contato com ambos os grupos, mais próximo do Paulo Guedes, mas tenho contato também com os generais em Brasília", afirmou Castro, que foi tenente da Aeronáutica antes de se dedicar ao setor privado. "É algo mais ou menos natural estar nos dois grupos, o que facilita um pouco essa conexão", explicou.