Valor econômico, v.19, n.4613, 19/10/2018. Brasil, p. A3

 

Aneel terá nova solução para risco hidrológico de usinas 

Daniel Rittner 

Rafael Bitencourt 

19/10/2018

 

 

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prepara uma nova solução para o risco hidrológico. O impasse gira em torno das dívidas bilionárias acumuladas pelos donos de usinas hidrelétricas por gerarem energia abaixo do montante contratado. Depois da derrota sofrida pelo governo na terça-feira, quando o Senado rejeitou projeto de lei que ajudava na venda das distribuidoras geridas pela Eletrobras, uma das principais pendências do setor elétrico também ficou sem desfecho. A proposta havia incorporado uma emenda, com a concordância do Ministério de Minas e Energia, para resolver o problema do GSF (sigla em inglês como é conhecido o déficit na geração).

O diretor-geral da Aneel, André Pepitone, convocou um grupo de empresas formado pelos cinco maiores devedores e credores do mercado para uma reunião na próxima semana. Ele vai apresentar uma nova alternativa para desatar o nó que tem travado a liquidação financeira dos contratos de compra e venda no mercado livre de energia, que representa quase 30% do sistema.

O déficit hidrológico ocorre quando as usinas produzem menos do que são obrigadas a entregar para seus clientes, por contrato, devido à estiagem severa e à queda no volume das represas.

Liminares judiciais impedem hoje a liquidação de R$ 8,8 bilhões em contratos. No entanto, a agência estima que esse valor poderia ter um corte de pelo menos 40%, pelo simples fato de que muitos devedores em uma ponta são também credores em outras operações. Com isso, o valor líquido das dívidas ficaria em R$ 6 bilhões - ou até mesmo abaixo.

O cerne da nova proposta prevê que as empresas devem entrar em acordos bilaterais, submetendo-se à chancela da Aneel e definindo um prazo para a quitação do passivo, mediante a desistência das ações judiciais em andamento. Para resolver o problema do passado e a forma de pagamento, se à vista ou em parcelas, Pepitone esclarece: "Temos toda a tolerância com relação a prazos".

Como estímulo à assinatura de acordos extrajudiciais entre devedores e credores, a Aneel desenhou um mecanismo que atenua significativamente o risco hidrológico daqui em diante. Somente quem tiver regularizado sua situação teria acesso ao regime para minimizar o problema do GSF nas usinas.

Por essa proposta, geradores deverão comprar no mínimo 5% da garantia física (a produção efetiva) de suas usinas, mas o percentual pode até ser maior e fica a critério de cada dono de hidrelétrica. A única exigência é que sejam megawatts provenientes da energia de reserva - regime de contratação criado para aumentar a segurança do sistema.

Essa energia, predominantemente de térmicas e eólicas, representa uma espécie de "seguro" no suprimento aos consumidores. Hoje a remuneração é feita por um pequeno adicional tarifário nas contas de luz das distribuidoras.

O valor atual da energia de reserva está em R$ 220 por megawatt-hora. Conforme explica Pepitone, o gerador pagaria esse preço. Quando o PLD - preço de referência no mercado de curto prazo - ficar acima desse valor, os donos de usinas podem lucrar com a venda do excedente a preços altos. E eventualmente usar o ganho para ir abatendo o passivo. Quando ficar abaixo de R$ 220, caberá ao gerador decidir se repassa ou não a perda aos clientes. Ponto fundamental: de 2015 para cá, quando o risco hidrológico se agravou, o PLD se mantém acima de R$ 220.

A contratação de energia de reserva pelos geradores teria quatro alternativas: um, dois, três e quatro anos de vigência.

Tudo isso é uma proposta, não um pacote pronto, faz questão de dizer Pepitone, que espera a receptividade das empresas na próxima semana. Se for boa, ele acredita que a diretoria da agência aprovará a abertura de uma audiência pública no início de novembro. É quando os agentes do setor poderão apresentar suas contribuições.

Segundo o diretor-geral, uma solução do risco hidrológico no âmbito da Aneel é plenamente viável. "A Lei 13.203, de 2015, já permite que geradores hidrelétricos no ambiente livre comprem energia de reserva para se protegerem do risco hidrológico."

Outras questões previstas na emenda do PLC 77, rejeitado no Senado, estão fora do escopo da agência, que só pode agir com atos infralegais. Entre essas questões, está a possibilidade de estender em até 15 anos as concessões de hidrelétricas, como forma de compensar o déficit de geração.

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Exigência de mudança da lei dificulta corte de tarifa 

Rafael Bitencourt 

Daniel Rittner

19/10/2018

 

 

O grupo de trabalho encarregado de propor uma estratégia para reduzir as tarifas de energia elétrica, por meio de corte nos subsídios repassados à conta de luz, terminou seus trabalhos com um leque amplo de sugestões ao governo. Porém, boa parte das medidas definidas não deverá ser implantada por exigir mudanças na legislação do setor.

As sugestões definidas por técnicos do governo estão no relatório final do "plano de redução estrutural das despesas" da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que reúne nove subvenções que encarecem a tarifa.

O estudo, conduzido pelo Ministério de Minas e Energia, propõe a extinção de alguns desses subsídios que beneficiam segmentos de dentro e fora do mercado de energia. O trabalho técnico inclui mecanismos para aperfeiçoar o controle dos gastos e o recadastramento dos beneficiados a fim de eliminar fraudes.

Fontes oficiais ouvidas pelo Valor avaliam que há poucas chances de propor mudanças legislativas, com envio de projeto de lei ou medida provisória ao Congresso, em meio à reta final de campanha. A ideia de apresentar um amplo plano de redução das tarifas estaria, então, limitada a ajustes pontuais no setor, por meio de decretos e portarias. O Planalto trabalha com a expectativa de anunciar esse "plano" até o fim deste mês.

Há dois pontos de destaque no relatório: um teto de gastos para a CDE, que consumirá R$ 19,7 bilhões em subsídios para as tarifas de energia em 2018, e o fim de incentivos para novas usinas eólicas e solares. As duas medidas só podem ocorrer por mudança em lei.

Com o teto de gastos, seria definido um limite de despesas com subsídios no primeiro ano e, para os anos seguintes, o valor máximo seria reajustado pelo IPCA dos 12 meses anteriores. Como pode haver mudança do teto por decreto, há certa flexibilidade.

O benefício criado para expandir as fontes renováveis prevê o desconto de 50% sobre as tarifas-fio - cobradas pela passagem dos megawatts nas redes de distribuição e transmissão (Tust e Tusd). Esse subsídio ajudou a ampliar a oferta de energia por usinas eólicas nos últimos anos e impulsionar a contratação de fonte solar. O relatório indica que o gasto vinculado ao desconto concedido no consumo dessas fontes aumentou 76% em 2017.

Hoje a conta de luz cobre a despesa com benefícios oferecidos a diversos segmentos da economia. Descontos na tarifa são oferecidos para consumidores da zona rural e agricultores envolvidos nas atividades de aquicultura e irrigação. Os serviços públicos de água e esgoto também são contemplados.

Para integrantes do grupo de trabalho, os segmentos não vinculados ao setor elétrico deveriam procurar fontes de incentivos com "os órgãos responsáveis pelas políticas públicas inerentes a cada um". O relatório indica que "seria uma oportunidade para que sejam criados programas com metas e aferições de resultados".

O documento não indica necessidade de mudança no subsídio usado para universalizar o serviço no país, por meio do Luz para Todos. O programa já tem previsão de acabar em 2022.

Um dos maiores gastos está atrelado à operação de térmicas movidas a óleo nos sistemas isolados. A proposta do grupo aperfeiçoa o controle de gastos da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e acaba com a incidência de ICMS sobre essa geração.