Valor econômico, v.19, n.4613, 19/10/2018. Opinião, p. A12

 

Lei de proteção de dados e seus impactos na publicidade digital 

Eduardo Schaeffer

Andreia Saad 

19/10/2018

 

 

No último dia 15 de agosto, foi finalmente publicada a Lei 13.709/2018, mais conhecida como a Lei Geral de Proteção de Dados brasileira (LGPD). Depois de longa tramitação no Congresso, esta lei promete revolucionar a forma como as empresas lidam com dados pessoais no país.

É certo que o princípio do respeito à privacidade não é novidade no nosso ordenamento jurídico. Constituição Federal, Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e Marco Civil da Internet, por exemplo, já possuem dispositivos que têm exigido das empresas alguns cuidados com dados pessoais.

A nova LGPD, contudo, amplia e detalha o já extenso universo de obrigações destas empresas. Informar todos os titulares sobre como e por quanto tempo os dados serão mantidos, garantir que todas as operações estejam respaldadas por uma base legal, corrigir dados equivocados ou simplesmente apagá-los se assim o titular solicitar são somente algumas das muitas novas obrigações trazidas pela LGPD. São obrigações nada triviais e que vão exigir bom esforço das empresas para garantir que estejam técnica e juridicamente preparadas para cumpri-las a partir de 2020, quando a LGPD entra em vigor.

E se estamos aqui falando de dados pessoais, é claro que o setor de publicidade digital será um dos mais impactados pela nova LGPD. Em um cenário em que o investimento em publicidade digital cresceu 25,6%, chegando a R$ 14,8 bilhões em 2017 (fonte IAB Brasil), os dados pessoais continuarão sendo a principal matéria-prima para segmentação e aferição de resultados das campanhas publicitárias. E neste contexto, este novo mundo que nos está sendo apresentado pela LGPD não poderá ser ignorado.

Uma das principais questões para a indústria da publicidade digital - já identificado quando a prima europeia da LGPD, a General Data Protection Regulation (GDPR), entrou em vigor em maio - refere-se ao consentimento a ser obtido do titular dos dados pessoais. Considerando a complexidade da cadeia de valor da publicidade digital, que, além da tradicional tríade veículo-agência-anunciante, tem um sem número de intermediários, como garantir que todos vão atuar em conformidade com o consentimento original dado pelo usuário?

Esta questão ganha especial relevância quando observamos que a LGPD prevê multa de 2% do faturamento da empresa em caso de violação à lei e responsabilidade solidária entre todos diretamente envolvidos no tratamento que causar danos a terceiros. A depender da infração, poderão estar simultaneamente expostos vários dos agentes que atuam na cadeia da publicidade digital.

As discussões sobre o tema na Europa já têm resultado em algumas propostas de solução, como a adoção de plataformas de gerenciamento do consentimento, que permitem a sinalização da existência e do escopo do consentimento obtido pelo veículo ao longo de toda a cadeia de valor até a efetiva entrega da mídia.

Mais do que recursos técnicos, contudo, o que tem se visto como solução para viabilizar o compliance dessa cadeia é sua simplificação, com menos intermediários e mais transparência. Segundo seus defensores, uma cadeia mais simples garante mais visibilidade sobre os que nela atuam e uma distribuição mais clara das respectivas responsabilidades no cumprimento das leis de proteção de dados, incluindo-se aí o respeito ao consentimento dado pelo usuário.

Não é a primeira vez que se demanda mais transparência na indústria da publicidade digital. Problemas como a exibição de publicidade junto a conteúdo ofensivo ou inapropriado, que colocam em risco as marcas anunciadas, e falhas nas métricas utilizadas para prestação de contas quanto à performance das mídias já vinham gerando uma crise generalizada de confiança por parte dos anunciantes e suscitando a discussão sobre a necessidade de maior transparência. O GDPR e agora a LGPD vêm colocar mais combustível nesta discussão, mostrando que a transparência é, mais do que nunca, qualidade essencial a ser perseguida por todos que atuam neste mercado.

Um interessante efeito desta controvérsia é a gradual reaproximação dos anunciantes e agências com os veículos. E, de fato, este parece ser um movimento coerente com a nova realidade regulatória: os veículos possuem relação direta com os titulares, então são eles os que estarão na melhor posição para solicitar o consentimento e assegurar aos anunciantes e agências sua robustez do ponto de vista legal, legitimando todo o fluxo dos dados, desde sua coleta até a entrega da mídia.

Além disso, os veículos podem ser fontes úteis para enriquecer as bases de dados dos anunciantes e agências, fornecendo-lhes dados pessoais que poderão garantir ser de origem lícita e dando-lhes, assim, maior conforto quanto ao respeito às legislações de proteção de dados aplicáveis. Finalmente, veículos também podem viabilizar formas de publicidade que não necessariamente se utilizam de dados pessoais, tais como a publicidade de contexto, reduzindo os riscos de questionamento.

É certo que essas novas regras de proteção de dados pessoais trarão mudanças irreversíveis à atual configuração da cadeia de publicidade digital. Se ainda não podemos antevê-las com clareza, já podemos ver na mobilização dos agentes, na discussão sobre a otimização da indústria e no resgate e reforço do clamor por transparência um excelente começo. Que os próximos meses até a entrada em vigor da LGPD sejam profícuos e tragam, para além do engajamento dos agentes na defesa da privacidade dos titulares, uma evolução na forma de funcionamento da publicidade digital, que beneficie a todos aqueles que buscam eficiência e qualidade neste mercado e consolide seu valor perante anunciantes e consumidores.