Valor econômico, v.19, n.4613, 19/10/2018. Especial, p. A14

 

Bolsonaro concentra 20% de grupos políticos no WhatsApp

Rodrigo Carro 

19/10/2018

 

 

O combate à veiculação de notícias falsas na internet e especialmente via WhatsApp nas eleições deste ano é uma batalha perdida, na avaliação de entidades que acompanham os desdobramentos do pleito na web. Associação voltada para a promoção e defesa dos direitos humanos na internet, a Safernet estima que existam cerca de um milhão de grupos públicos ligados a candidatos que disputam eleições presidenciais e estaduais. Desse total, há mais de 200 mil grupos de apoio à campanha do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), de acordo com a associação.

As projeções não incluem grupos privados de usuários do aplicativo de mensagens instantâneas, mas apenas os públicos, aos quais é possível aderir por meio de um link convite. "Enquanto as fake news [notícias falsas] são produzidas em escala industrial, a checagem é feita de forma quase artesanal", compara Thiago Tavares, presidente da Safernet. "O sentimento geral é de que está todo mundo enxugando gelo."

Com cerca de 140 milhões de usuários no país, o WhatsApp permite a criação e administração, a partir de um único número de telefone móvel, de 9.999 grupos, cada um com até 256 usuários. Isso significa, em tese, um potencial para atingir até 2,56 milhões de usuários a partir de uma única linha. "Isso facilita o envio de mensagens de forma automatizada [por robôs]", explica o presidente da Safernet. A associação está representada no comitê consultivo sobre internet e eleições criadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"A resposta judicial vem numa velocidade infinitamente mais lenta do que o estrago", reconhece Luiz Fernando Martins Castro, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e representante suplente no conselho consultivo do TSE. Se um juiz dá em 24 horas uma ordem para bloquear um conteúdo considerado irregular no YouTube, milhares ou até milhões de pessoas podem já tem assistido o vídeo, exemplifica Castro. No WhatsApp, você não consegue tirar do ar o conteúdo que já viralizou", acrescenta.

Na visão dele, o problema não está na falta de legislação sobre o tema, já que a veiculação de fatos inverídicos em relação a partidos e candidatos na propaganda é passível de detenção e multa, de acordo com o Código Eleitoral brasileiro. "O problema não está na falta de lei e sim numa certa ingenuidade devido à inexperiência, o que gerou uma demora na ação", admite Castro, sem atribuir a falha especificamente ao TSE. "É substancialmente fácil montar uma pirâmide de difusão de conteúdo no WhatsApp."

A Safernet vem identificando ao longo da campanha eleitoral deste ano a formação de "pirâmides" para retransmissão de mensagens, muitas delas de conteúdo falso. Nesse tipo de esquema, um grupo restrito de pessoas, que pode incluir o próprio a candidato, dispara sucessivas mensagens para camadas de replicadores. Essas pirâmides geralmente têm de quatro a cinco níveis.

Outra tendência identificada pela Safernet é o uso de números de estrangeiros para criação de grupos de apoio a candidatos, o que dificulta o rastreamento da origem de conteúdos falsos ou ofensivos. Em carta enviada ao WhatsApp na última terça-feira, a Safernet listou oito sugestões para combater a disseminação de notícias falsas no aplicativo de mensagens instantâneas. Um dos pontos considerados cruciais é a redução de 9.999 para 499 o número máximo de grupos que podem ser criados e administrados a partir de um número de celular.

A velocidade acelerada de disseminação de notícias falsas está ligada ao baixo custo de produção desse tipo de conteúdo, sustenta Tavares. No extremo oposto, as notícias verdadeiras levam mais tempo e custam mais para serem geradas, já que envolvem a busca de fontes com credibilidade, a verificação de dados e o trabalho de profissionais capacitados.