Valor econômico, v.19, n.4603, 04/10/2018. Brasil, p. A4

 

Petrobras quer recuo de ANP em cálculo de preço 

André Ramalho 

04/10/2018

 

 

A Petrobras sugeriu que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) reveja sua posição sobre a intenção de aumentar a transparência dos preços dos combustíveis. Segundo a estatal, a proposta de obrigar produtores e importadores a abrirem as suas fórmulas de precificação introduz uma "elevada insegurança jurídica" ao setor e poderá levar a um "retrocesso na evolução do mercado competitivo".

A ANP espera publicar em até dois meses a resolução que trata do assunto. A minuta foi alvo de um intenso debate, ontem, em audiência pública na sede da agência, no Rio. O auditório ficou pequeno para a quantidade de agentes interessados em discutir os rumos da regulação dos preços. A principal queixa girou em torno da proposta de obrigar as empresas a abrirem suas fórmulas.

A iniciativa recebeu críticas principalmente de refinadores, distribuidoras e importadoras. Representes dos consumidores industriais, por sua vez, se mostraram mais abertos à proposta.

O diretor da ANP José Cesário Cecch, defendeu que intervir nos preços é a "última coisa" que a agência deseja. Segundo ele, o nível de resistência à proposta é alto, porque se trata de uma mudança cultural e porque ainda há entre os agentes do mercado um "ranço" de um passado intervencionista.

"[A proposta] É uma mudança de paradigma. É uma matéria polêmica? É, porque é uma mudança de cultura, uma mudança estrutural do mercado", disse o diretor. "A própria empresa é que define os preços. Não estamos preocupados com o preço, e sim com a transparência dos componentes que formam os preços", completou.

O gerente-executivo de marketing e comercialização Guilherme França alegou, contudo, que a proposta pode ter efeito contrário ao esperado e afastar investimentos, em vez de atraí-los.

"O Brasil tem condições muito atrativas. Somos o 7º maior mercado consumidor de combustíveis do mundo, temos uma produção que é crescente, somos importadores e temos margens de refino atrativasÂ… Mas essa proposta não é aderente aos objetivos de fomentar investimentos."

A minuta de resolução elaborada pela ANP propõe que todos os contratos de fornecimento de gasolina, diesel, óleo diesel marítimo, óleo combustível, asfaltos, combustível de aviação e gás liquefeito de petróleo (GLP) deverão conter as parcelas da fórmula de preço de forma clara e passível de cálculo prévio pelos agentes.

"O exercício da livre-iniciativa só será efetivo se o agente econômico puder preservar seus segredos empresariais (compreendem os livros de escrituração comercial, as correspondências, a carteira de clientes, as tabelas e as fórmulas de preços, entre outros). Essas informações e conhecimentos, acumulados pelo empresário ao longo dos anos, constituem parte do patrimônio imaterial de determinado agente na condução dos seus negócios", defendeu a Petrobras, na contribuição enviada à ANP.

A visão é compartilhada pela Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência (Plural). Segundo a entidade, a transparência das fórmulas expõe as margens de lucro das empresas e revelam suas respectivas estratégias comerciais, "ferindo o seu sigilo empresarial".

"As constantes intervenções na política de preços no país têm sido o principal inibidor da entrada de agentes no refino e importação, representando insegurança jurídica e desestimulando investimentos."

Empresas como a distribuidora Raízen, a importadora Amazonas Energia e a refinaria privada Riograndense também manifestaram preocupação com a abertura.

Já os consumidores, representados pela Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) e pela Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), mostraram apoio à proposta da ANP.

O presidente da Abrace, Edvaldo Santana, comparou a situação do setor de combustíveis com o de energia elétrica e destacou que a transparência nos preços do mercado de curto prazo, no setor elétrico, foi benéfico para o setor. "Pedimos apenas prudência para que essa proposta da ANP não leve a uma judicialização, mas precisamos preservar a transparência."

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Despacho 'excepcional' de térmica de Fortaleza custaria R$ 220 milhões 

Camila Maia 

04/10/2018

 

 

O despacho "excepcional" da Termelétrica Fortaleza, operada pela italiana Enel, pode custar cerca de R$ 220 milhões a mais aos consumidores nos próximos três meses, de acordo com cálculos de Sandro Saggiorato, gerente de risco de mercado da Electra Energy.

O Ministério de Minas e Energia (MME) abriu na segunda-feira uma consulta pública para discutir a retomada da operação da termelétrica, por 90 dias, para reforçar o suprimento de energia no país, especialmente no Nordeste. O empreendimento, que está atrelado a um contrato de longo prazo de venda de energia, está com o funcionamento suspenso devido a um impasse entre a Enel e a Petrobras sobre o fornecimento de gás natural.

    A proposta do MME visa retomar o funcionamento da usina sem resolver, de fato, o conflito sobre o fornecimento de gás.

    O custo adicional seria arcado pelos consumidores, por meio de encargos de serviço do sistema (ESS). Segundo nota técnica do governo, a usina, se despachada, será operada a R$ 524,69/MWh, com custo adicional de R$ 351/MWh em relação ao contrato original. O preço original do contrato é questionado pela Petrobras por ser muito baixo, originário do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), criado em 2000.

    Considerando a potência instalada da termelétrica, de 326 MW, o acionamento por 90 dias deve gerar o custo adicional de R$ 220 milhões, considerando um fator de capacidade de 90% para a usina.

    Na prática, a proposta do MME se aproxima de um polêmico dispositivo incluído na Medida Provisória (MP) 814, que tratava da viabilização da venda das distribuidoras da Eletrobras e que caducou em junho. O preço fixado em contrato do PPT é de US$ 4 por milhão de BTU, mas uma emenda da MP previa a atualização do valor para a média de mercado.

    Em nota, a Enel disse entender que a portaria do MME em consulta pública visa sanar temporariamente uma questão que "prejudica todos os consumidores de energia do país", e não só a Termofortaleza. Segundo ela, entre março e agosto deste ano, período no qual a usina não operou, o custo acumulado foi de R$ 200 milhões, considerando custos adicionais para o sistema e impactos diretos ao consumidor através da tarifa de energia devido ao acionamento de térmicas mais caras, incluindo usinas movidas a óleo diesel.

    "A companhia acredita ainda ser extremamente necessária a preservação do ambiente legislativo e regulatório do país de forma a assegurar a estabilidade dos contratos e o ambiente seguro de investimentos", disse a Enel.